domingo, 17 de novembro de 2013

Fascismo!


17 de novembro de 2013 | 2h 10

ROBERTO ROMANO - O Estado de S.Paulo
A linguagem política e ideológica vive de lugares-comuns, cuja significação é indefinida. Em agrupamentos nos quais imperam os slogans, o discurso é sempre equívoco. Nos debates jornalísticos e acadêmicos dos últimos dias, um signo retorna com força. Refiro-me ao apelativo "fascismo". Antes, faço uma pequena digressão.
Os slogans importam porque integram as técnicas de poder. Como enuncia uma psicanalista, "toda prática linguística repetitiva veicula uma potência de hipnose que leva o indivíduo rumo a comportamentos sociais ou mentais estereotipados" (Shoshana Felman). A cultura política conhece a fina observação de Thomas Hobbes: na maioria das pessoas "o costume tem um poder tão grande que, se a mente sugere uma palavra inicial, o resto das palavras segue-se pelo hábito, e elas não são mais seguidas pela mente. É o que ocorre entre os mendigos quando rezam seu paternoster. Eles unem tais termos com os que aprenderam de suas babás, companhias ou professores e não têm imagens ou concepções na mente para responder às palavras que enunciam. Como aprenderam, ensinam a posteridade" (The Elements of Law).
A ética expõe formas de pensamento e de ação que se tornaram automáticas. Uma vez prescrito e interiorizado, certo modo de ser é repetido sem maiores reflexões. Caso a pedagogia se fundamente em valores positivos, a vida pública se beneficia. Se ocorre o contrário e o ensino segue parâmetros corruptos, os indivíduos e associações que os assumem arruínam a sociabilidade. Gritar um lugar-comum entra no rol dos automatismos éticos desprovidos "de imagens ou concepções".
Com o domínio do slogan, um religioso grita "fascismo" sempre que prerrogativas ou privilégios de sua grei são postos em dúvida. Se um conservador enfrenta críticas sobre as tradições a que se apega, logo ergue o grito de "fascismo" contra os oponentes. Quando as esquerdas não conseguem controlar setores opostos aos seus alvos, a palavra que vem aos lábios dos militantes é... fascismo. E assim por diante.
George Orwell, atacado por todas as facções políticas de sua época, tem um instrutivo escrito sobre o tema. Ele inicia com o mais óbvio: "A leitura atenta da imprensa mostra que, praticamente, nenhuma categoria de indivíduos deixou de ser qualificada de fascista". O mais relevante, no meu entender, encontra-se na seguinte tese do autor: "Mesmo os que lançam a palavra 'fascista' para todos os ventos lhe atribuem, no mínimo, um significado emocional. Por 'fascismo' eles entendem, grosso modo, algo cruel, sem escrúpulos, arrogante, obscurantista, antiliberal e contrário à classe operária".
Termina Orwell indicando ser impossível encontrar uma definição do fato que seja aceita por todos. "É impossível definir o fascismo de modo satisfatório sem admitir certas coisas que nem os próprios fascistas, nem os conservadores, nem os socialistas de todas as cores estão dispostos a admitir. Tudo o que podemos fazer, agora, é usar a palavra com certa circunspecção, e não, como se faz geralmente, rebaixá-la ao nível da injúria" (What is Fascism?, 1944).
Pouco antes, os intelectuais da França alertaram os europeus contra o terror fascista. E fizeram um diagnóstico preciso do fenômeno. O fascismo, disseram, "suprime todas as liberdades; retira dos indivíduos toda possibilidade legal de exprimir livremente sua opinião. As liberdades de reunião, de associação são anuladas. Não mais existe liberdade de ensino nem de imprensa. Tais liberdades não são respeitadas por nenhuma ditadura. Mas a fascista se caracteriza por uma técnica aperfeiçoada de opressão, completa, metódica e implacável. Nos primeiros tempos da ditadura os golpes, os assassinatos, o terror são os principais meios de controle. Mas os meios legais rapidamente se desenvolvem, sempre sancionados, aliás, por uma repressão ignóbil" (O que é o Fascismo?, Manifesto de intelectuais em 1935. O documento original pode ser lido em Gallica.bnf.fr/).
Orwell e os intelectuais franceses, embora empenhados na luta contra o terror fascista, refletiram sobre ele sem cair na repetição automática do nome, à guisa de exorcismo ou injúria. As coisas "que nem os próprios fascistas" e seus adversários admitiriam vieram com o Holocausto, a morte industrializada sob comando de burocratas movidos por slogans. O fascismo, até no seu nome de batismo, é ameaça demasiado terrível e não deve ser admitido na luta política democrática. A banalização do uso atenua a sua essência, dissimula seu advento.
No Brasil, em vésperas de eleição decisiva para todos nós (em todos os matizes ideológicos), ensaiemos a forma e o conteúdo democráticos. Não existem, numa sociedade civilizada, inimigos políticos a serem perseguidos ou injuriados, mas seres que refletem e divergem quanto aos fins e aos meios na edificação do bem comum.
Ao falar do fascismo no prefácio do amaríssimo Animal Farm, o mesmo Orwell proclama: "Se a liberdade tem algum sentido, ela significa o direito de dizer ao povo o que ele não quer ouvir". Assim opera o pensamento político. O uso da propaganda para exterminar inimigos é a via reta para os fascismos. Os povos dominados por aqueles movimentos e partidos só ouviram os seus mestres. As sociedades desfeitas pelas injúrias foram tragadas pelas palavras imprudentes ou por slogans gastos nas batalhas pelo poder.
O fascismo não admite distinções entre esquerda e direita, pois exige obediência absoluta às palavras de ordem do partido único. Quem perde a liberdade de enunciar "o que o povo não quer ouvir" é visto como besta-fera a ser perseguida. Fantasmas invocados costumam atender às preces dos aprendizes de feiticeiro, trazendo pesadelos coletivos.
Circunspeção diante da palavra e da coisa!
*PROFESSOR DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (UNICAMP), É AUTOR DE 'O CALDEIRÃO DE MEDEIA' (PERSPECTIVA)

Tite vira velharia, por Antero Greco

Já há algum tempo se desenhava a ruptura entre Corinthians e Tite. O anúncio oficial, na sexta-feira, serviu para revelar ao público, em caráter oficial, que em dezembro chega ao fim parceria de pouco mais de três anos. Não é de agora que as partes principais – clube e técnico – sabiam do desfecho. Sinais foram emitidos em algumas ocasiões, e só com muita boa fé se poderia imaginar a extensão de acordo para a próxima temporada. Enrolaram até que sentissem a equipe afastada de qualquer risco de rebaixamento. Vejam só que coisa!
Incluo-me dentre os que pregaram grande reforma no elenco alvinegro, porém sob supervisão de Tite. Por algum tipo de miragem, supus que poderíamos ter, no Brasil, uma versão modesta de Alex Ferguson ou Arsène Wenger, ambos com tão longa duração em Manchester United e Arsenal, respectivamente. Seria outro progresso do Corinthians, que nos últimos anos avançou em diversas áreas. O treinador campeão de tudo encabeçaria o processo de renovação, com apoio irrestrito de dirigentes e torcida. Ilusão.
Por mais que tenha surpreendido, como no episódio da derrota para o Tolima, no início de 2011 (manteve Tite, apesar dos protestos pela eliminação na Libertadores), o Corinthians em essência não consegue livrar-se de comportamento enraizado por aqui. Temos a sensação de que uma relação de três anos é excessiva, longa, desgastante. O encanto se esvai com rapidez.
Tudo muito efêmero. E não me refiro só ao futebol, em que é praticamente exceção permanência de um professor por mais de um campeonato. É assim num emprego, num namoro, em casamentos até. Há necessidade incessante de novidade, de estímulo. Daí, também, o impulso para a troca constante de modelos de celular, de computadores e similares, de carro, de roupa.
Devoramos ídolos com a mesma facilidade com que os fabricamos. Neymar é exemplo forte: apareceu outro dia no Santos, ganhou quilos de troféus, se destacou com a velocidade dos dribles. Pronto, eis astro para ficar? Coisa nenhuma. O que não faltou (ou melhor, não falta) é gente que o considerou fraude e empurrou para ele frustrações do Santos e da seleção. Como se fosse um veterano, jogou-se tudo nas costas de um moço de 21 anos.
Processo semelhante ocorreu com Tite. No início deste ano, era um semideus para a fiel torcida. Ele tinha sido um dos mentores das façanhas na Libertadores e no Mundial de Clubes. O prestígio só cresceu com a conquista do Paulista e, em seguida, com a Recopa. Desclassificação na Libertadores de 2013 e inúmeras apresentações sem brilho no Brasileiro transformaram o panorama e choveu crítica. Tite não serve, já deu, já era, perdeu a mão, esgotou o repertório, apegou-se a jogadores velhos, foi burro nas alterações, não soube armar o time, etc. Esteve na mira dos intolerantes de sempre, escapou de levar enquadrada dos truculentos.
Na sofreguidão por inovações, Tite se torna página virada e cresce ansiedade pelo retorno de Mano. Mas ele não significa diferença pois já passou pelo Parque São Jorge. Não importa. Na cabeça de torcedores e cartolas, representa movimento para romper a rotina. E assim se realimenta o ciclo de interesses do público. Mesmo que, sem perceber, cumpre a mesma rotina com outra roupagem. O negócio é consumir. Há pressa.
Em tempo: escrevi aqui, na semana passada, que o Corinthians espera milagres para chegar à Libertadores. Um ou outro prodígio pode acontecer, como talvez neste domingo – se bem que bater o Vasco atualmente não é nenhuma proeza. Mas é preciso combinar com Goiás, Botafogo, Vitória, São Paulo, Santos para que tropecem e deem passagem.
Palestra campeão! O Palmeiras conquistou ontem, pela segunda vez, o título da Série B. Com festa discreta do torcedor, ao contrário de 10 anos atrás. Naquela ocasião, o retorno significava renascimento; agora, foi correção de rumo. Parabéns pela taça, mas que isso não se repita.
*(Minha crônica no Estado de hoje, domingo, 17/11/2013.)

Gurgel MotoMachine é tesouro nacional


Modelo "4 em 1", de 1991, pesa apenas 650 kg e faz a alegria de engenheiro desde 2003
Belisa Frangione
Modelo foi produzido apenas em 1991 - Márcio Fernandes
Márcio Fernandes
Modelo foi produzido apenas em 1991
Quatro modelos de carro em uma única carroceria. Esse era o projeto arrojado do compacto Gurgel MotoMachine. Foram produzidas menos de duzentas unidades e uma delas, de 1991, pertence ao engenheiro mecânico João Carlos Bajesteiro. Ele a encontrou em São Caetano do Sul, no ABC paulista, em 2003, após seis meses de busca pelo modelo. 
“Ele estava exatamente como agora, em ótimo estado. Só precisei fazer uma pintura e retífica”, relembra.
A peculiaridade do modelo é que ele pode ficar com estilos diferentes: com teto rígido, com capota de lona, conversível e com para-brisa rebatido sobre o teto. Esta opção prometia, segundo anúncio da época, oferecer “a liberdade e a emoção de uma moto”, mas exigia a utilização de óculos especiais. 
A paixão do engenheiro pela marca é tanta que em 2009 ele adquiriu o “irmão policial” do MotoMachine. Chamado de Patrol, o carrinho foi desenvolvido para servir a Polícia Militar de Minas Gerais. No entanto, a ideia não foi para frente.
Impressões 
Dar a partida exige uma pisada mais funda no pedal do acelerador. Em compensação, este é o único ruído mais alto por parte do motor Enertron dois-cilindros de 33 cv. O câmbio manual de quatro marchas faz as trocas sem dificuldades. Mas o compacto exige uma atenção redobrada em buracos e curvas: a suspensão pode maltratar os ocupantes e a carroceria, feita de aço especial, acrílico e fibra é extremamente leve. Pesa apenas 650 quilos. Como comparação, um Smart ForTwo, considerado o menor carro em circulação no Brasil, tem 120 quilos a mais. 
Tão leve quanto o carro é a direção que, por incrível que pareça, não é hidráulica. A velocidade máxima é de 115 km/h. Bajesteiro afirma que o carro é bastante econômico: “Faz 15 km/l na estrada.”
História 
Compacto de dois lugares, o MotoMachine foi apresentado pela Gurgel no Salão Internacional do Automóvel de 1990 e lançado um ano depois. Foram fabricadas pouco mais de 170 unidades. O projeto era do próprio dono da marca, João Augusto Conrado do Amaral Gurgel. O modelo foi produzido apenas em 1991, três anos antes de a fábrica entrar em processo de falência
João Carlos Bajesteiro comprou o Gurgel MotoMachine em 2003
Foto: Márcio Fernandes