terça-feira, 12 de novembro de 2013

Filha de general cassado pela ditadura diz que foi estuprada ao visitar a mãe presa



Carlos Madeiro
Do UOL, em São Paulo
A filha do general Euryale de Jesus Zerbini, a advogada Eugênia Zerbini, prestou depoimento durante audiência pública da CNV (Comissão Nacional da Verdade), na Assembleia Legislativa de São Paulo, e relatou os momentos de medo vividos quando foi violentada por militares.
O caso ocorreu em fevereiro de 1970, na sede da Operação Bandeirante, na Vila Mariana (zona sul), local onde sua mãe --a fundadora do Movimento Feminino pela Anistia Therezinha Godoy Zerbini-- estava presa havia poucos dias.
Já seu pai já havia sido cassado por ser um dos quatro generais a ser contrário e resistir ao golpe militar de 1964. Aos 16 anos, ela contou que foi levar roupas para mãe na sede da operação. "Ao chegar lá, me perguntaram como estava minha mãe. E eu disse: 'vocês quem devem saber'. Me arrependo. Não era para ter dito aquilo", afirmou.
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Comissão da Verdade investiga violações cometidas na ditadura66 fotos

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14.ago.2013 - Em sessão das comissões Nacional e Estadual da Verdade no Rio, o advogado José Carlos Tórtima (à direita) acusa o major Walter Jacarandá de tê-lo torturado durante a ditadura militar (1964 - 1985). "Nunca é tarde, major, para o senhor se conciliar com essa sociedade ultrajada por essas barbaridades que pessoas como o senhor cometeram", afirmou Tórtima. O militar admitiu ter participado de sessões de tortura no DOI-Codi, no Rio. Foram ouvidos seis ex-presos políticos que foram presos e torturados nas dependências do DOI-Codi, localizado na rua Barão de Mesquita, na Tijuca. A audiência pública tratou da morte, no mesmo local, de Mário Alves, líder do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário), em 1970 Thiago Vilela/CNV
A advogada relatou que, naquele momento foi violentada. Sem apresentar detalhes, ela conta que sofreu muitos anos sem contar o caso, mas sabe que o interesse dos militares não seria com ela.
"Agora que tornei isso público, fiquei mais leve. Sei que não foi a mim, eles estavam fazendo isso para atingir meu pai e minha mãe. E eu fui um veículo que estava a mão", afirmou.
A então adolescente disse que não teve coragem de contar o caso a familiares à época.
"Não tive coragem de falar pra ele [meu pai], não falei a minha vó. Ela estava com a outra filha presa. Ia falar para quem? Telefonar para o Rio de Janeiro? A gente fica com mais vergonha daquele que fez do que da gente", disse.
Zerbini contou ainda que viveu momentos de horror ao deixar a sede da operação apos ser violentada. "Não sei como eu sai daquelas coisas. De repente eu estava na rua, no bairro Paraíso, e eu tinha que sair dali e lembrava: 'não olha pra trás'. Parecia um pesadelo", explicou.

Comissão da Verdade - 16 vídeos

 

Mortes de presidentes

Nesta segunda-feira, em nota, a CNV informou como será a exumação do ex-presidente João Goulart, que ocorrerá na próxima quarta-feira (8), em São Borja (RS). Os peritos chegam na cidade nesta segunda-feira.
Segundo a CNV, o objetivo é tentar apurar a suspeita de que Jango não tenha morrido de um ataque cardíaco. O ex-presidente morreu em seis de dezembro de 1976, em Mercedes, província de Corrientes, na Argentina.
À época, o corpo do ex-presidente não passou por autópsia, e o único registro na certidão de óbito relata morte por "enfermedad".
Na semana passada, a CNV convocou as testemunhas da morte, que teria ocorrido supostamente em um acidente de carro, para apurar a versão de que o ex-presidente do Brasil teria sido assassinado.  
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Comissão da Verdade investiga crimes contra povo indígena13 fotos

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Imagem cedida pelo jornalista Edílson Martins mostra uma maloca em chamas; segundo o sertanista José Porfírio de Carvalho e a Funai, a maloca foi incendiada pelos próprios waimiris-atroaris, que temiam um ataque dos brancos; o Comitê Estadual da Verdade do Amazonas, entretanto, quer que a Comissão Nacional da Verdade investigue se a imagem não retrata um bombardeio militar contra uma aldeia Leia mais Arquivo/Programa Waimiri-Atroari


sábado, 9 de novembro de 2013

Negócio da China - EDITORIAL FOLHA DE SP


FOLHA DE SP - 09/11

Foi pouco proveitosa a reunião da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível, principal fórum bilateral para negociações, sobretudo comerciais, entre Brasil e China.

A comitiva encabeçada pelo vice-presidente Michel Temer fracassou em reabrir o mercado chinês à carne bovina --fechado desde o ano passado, após um caso do mal da vaca louca no Paraná--, não conseguiu promover a exportação de manufaturados brasileiros e ouviu pouco mais que promessas vagas sobre os demais temas.

Verdade que um protocolo fitossanitário abrirá caminhos para o milho brasileiro. As vendas desse produto para a China poderiam saltar de US$ 19 milhões (vendas do ano passado) para R$ 4 bilhões, segundo o Ministério da Fazenda.

A projeção, contudo, dificilmente se concretizaria em menos de cinco anos. Depende, além disso, da demanda chinesa --e nada sugere que o Brasil oferecerá atrativos maiores que os dos americanos em termos de preço e logística.

No mais, a comitiva brasileira repetiu inócuas reclamações sobre o desequilíbrio no comércio bilateral, em que o Brasil praticamente só vende soja, minério de ferro e petróleo (mais de 80% no ano passado) e compra quase tudo em manufaturados (95%).

A concentração das exportações em poucos produtos deixa o Brasil vulnerável a variações bruscas. Será grande o revés se a China, desde 2009 o principal parceiro comercial do país, conseguir diversificar seus fornecedores.

Por enquanto, o comércio bilateral continua crescendo. Até setembro, alcançou US$ 63,7 bilhões, aumento de 11% em relação ao mesmo período do ano passado, com um superavit de US$ 8,1 bilhões.

É enorme a importância dessa relação. Basta ver que o comércio com os EUA, segundo parceiro do Brasil, movimentou até setembro deste ano US$ 45,2 bilhões, com deficit de US$ 8,5 bilhões.

No próximo ano, o líder máximo da China, Xi Jinping, deverá visitar o Brasil. Será uma boa oportunidade para fazer as relações bilaterais superarem o atual estágio.

Atrair investimentos e diversificar a pauta de exportação, porém, demandará mais preparo e ousadia dos interlocutores brasileiros --no governo e no setor privado. Não é por acaso que observadores dessa parceria costumam dizer que não é o Brasil que está vendendo; é a China que está comprando.

O fim do acordo zero - KÁTIA ABREU


FOLHA DE SP - 09/11

Brasil pode e deve, no âmbito do agronegócio, encontrar novos caminhos para abrir o mercado chinês


Li na "Economist" da semana passada que a China não precisa se preocupar com a dependência das importações de grãos, que no passado consumiram até 25% da receita de suas vendas externas. Afinal, lembrou a revista, esse gasto representa, hoje, apenas 2% das receitas obtidas com suas exportações.

Depois desta semana em Pequim, em que participei de uma reunião com o vice-presidente Michel Temer e o presidente chinês, Xi Jinping, imagino que todos lemos o mesmo artigo. E com ele concordamos.

A China deve seguir produzindo o que tem de melhor e continuar comprando, do resto do mundo --inclusive do Brasil--, o que de mais seguro e competitivo produzimos: alimentos. O vice-presidente do país, Li Yuanchao, sugeriu até que deixássemos de lado o sinal vermelho e adotássemos apenas o verde nas relações bilaterais.

O verde dominou a pauta de Pequim. Conseguimos abrir a venda de milho e habilitar cinco frigoríficos que agora poderão exportar carne de frango para os chineses.

Autoridades do governo da China comprometeram-se a visitar o Brasil até meados de dezembro, para habilitar outros frigoríficos de aves e, enfim, suspender o embargo à carne bovina brasileira. A suspensão de apenas três frigoríficos provocou queda de 22% nas exportações de carne de frango no primeiro semestre deste ano.

Obstáculos à parte, a China é, hoje, nosso maior parceiro e o primeiro destino de nossas exportações. A despeito do pouco dinamismo do nosso comércio externo, nos últimos cinco anos, exportamos para o mercado chinês o equivalente a US$ 150 bilhões.

O aceno de sinal verde ao Brasil vem em boa hora. Basta lembrar que, em 2012, a China importou o equivalente a US$ 1,75 trilhão, do qual apenas US$ 41 bilhões vieram do Brasil. É chegado o momento de aproveitarmos o real potencial da China.

O atual governo chinês tem a meta de duplicar a renda per capita até o fim desta década. Está prestes a anunciar um conjunto de profundas reformas da economia, que, entre outras coisas, resulta- rá no crescimento da demanda geral por alimentos, em especial os itens mais nobres da dieta, como as carnes.

Nesse cenário promissor, é preciso articular um esforço de exportação muito mais organizado, envolvendo tanto o setor público --Ministérios da Agricultura, do Comércio Exterior, Itamaraty e Apex-Brasil-- quanto o privado. Além dos exportadores tradicionais e das tradings, novas agroindústrias de médio e pequeno porte devem ser incorporadas.

Desse modo, torna-se indispensável uma atitude do governo brasileiro, para livrar o setor produtivo dos enormes obstáculos de ordem burocrática e normativa.

O Brasil pode e deve, no âmbito do agronegócio, encontrar novos caminhos para abrir o grande mercado chinês. Até agora, as relações econômicas sino-brasileiras evoluíram de modo espontâneo, por iniciativa de algumas grandes empresas.

Ocorre, porém, que o aumento e a melhoria de qualidade dessas relações dependem de uma política deliberada de governo. E isso dentro de uma visão estratégica de longo prazo, que esteja aberta a considerar os interesses mútuos e a fazer concessões.

Um dos equívocos a serem corrigidos é o modelo tarifário, que fez com que o Brasil exportasse 12 vezes mais soja em grão do que farelo ou óleo de soja. A causa disso é a política insana que tributa o óleo exportado em 18% de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e que isenta apenas a soja em grão.

No caso da China, enfrentamos a escalada tarifária na exportação de alguns produtos, como o café. O grão verde é taxado em 8%, o torrado, em 15%, e o café solúvel, em inacreditáveis 34%. Um claro desestímulo à agregação de valor que precisa ser revisto.

Este é o momento de construirmos, com os chineses, uma cooperação econômica mais madura e abrangente.

Na verdade, o que eu espero do novo chanceler, Luiz Alberto Figueiredo Machado, é que ele aproveite a oportunidade que a China nos oferece e nos retire do vergonhoso ranking do acordo zero.