segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A vez do 'ecoísmo'


Carolina Rossetti - O Estado de S.Paulo

As mensagens de ano-novo dos líderes europeus deram o tom do que o continente pode esperar em 2012. A chanceler alemã Angela Merkel assustou com o anúncio de "um ano sem dúvida mais difícil". O presidente Nicolas Sarkozy lamentou a crise não superada e preparou os ânimos dos franceses, que "terão as vidas testadas mais uma vez". Já no Brasil, com um discurso na mão contrária, a presidente Dilma Rousseff prometeu mais emprego e maior crescimento, ainda que moderado. "Estamos transformando um momento de crise em oportunidade e entrando numa era de prosperidade", garantiu ela no rádio.
Diante de uma Europa em crise e consumida por interesses nacionais, é preciso reinventar - Jon Nazca/Reuters
Jon Nazca/Reuters
Diante de uma Europa em crise e consumida por interesses nacionais, é preciso reinventar
Na avaliação do economista alemão Otto Scharmer - que esteve em São Paulo em dezembro a convite do Instituto de Democracia e Sustentabilidade -, a presidente Dilma tem fundamento para algum otimismo. Enquanto os "egoísmos nacionais" consomem a Europa e a "paralisia política" atrapalha os Estados Unidos, ele calcula que o ano pode ser próspero por aqui. "Grandes países como o Brasil têm enormes oportunidades, mas aproveitá-las dependerá de um modelo econômico que leve em consideração os principais desníveis da sociedade atual: o ecológico, o social e o espiritual". Três fatores que identifica como pilares da crise global.
Otto mora hoje em Boston, dá aulas no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e é fundador do Instituto Presencing, centro de pesquisas de inovação e empreendedorismo social e ambiental, sediado em Cambridge, nos Estados Unidos. Na esteira de um ano de agito nas ruas, o economista avalia que entramos numa era de ruptura. "Nosso desafio agora é conectar o mundo que está morrendo com o outro que está sendo parido, dolorosamente, e nesse processo, reinventar a economia, a educação e a democracia." Entenda como, a seguir.
A bolha agrícola
"O discurso da Europa e dos Estados Unidos é repleto de previsões sombrias. Na verdade, qualquer um que entenda o básico de economia e política levanta perspectivas desanimadoras na melhor das hipóteses. Então, o que está acontecendo? Vejo três tendências coincidindo. Primeiro, a ascensão dos Brics e o declínio relativo da Europa e dos Estados Unidos. Segundo, o temor de que a bolha financeira no Ocidente resulte numa década perdida, como a do Japão. E, terceiro, a ameaça de uma próxima bolha a estourar, a agrícola. A nossa produção de alimentos não é sustentável e levou à destruição de um terço das terras agricultáveis do mundo em 40 anos. Em paralelo, temos os egoísmos nacionais na Europa e a paralisia política entre republicanos e democratas nos Estados Unidos, o que impossibilita ao sistema político em ambos os continentes chegar a respostas adequadas em relação a essas tendências. Toda crise é um grande momento de oportunidade, mas, enquanto nos apegarmos ao passado, estamos apenas fazendo mais do mesmo.
1,5, 2,5 e 3
"Não acho que seja uma questão de otimismo ou de pessimismo. O que precisamos é de um novo modelo de pensamento econômico que vá além do falso discurso que vemos atualmente no Norte e no Sul. Esse discurso é o debate do século 20 entre os que são 'mais mercado' versus os 'mais governo'. A resposta, naturalmente, não está nessa dualidade. E sim em como podemos fortalecer a capacidade empresarial de inovar em grande escala. Como podemos reinventar o velho Estado de bem-estar do século 20 para que o governo permita a atividade empreendedora em vez de subsidiar a sua ausência? Grandes países como o Brasil têm enormes oportunidades, mas aproveitá-las dependerá da adoção de um novo modelo econômico que leve em consideração os três principais desníveis da sociedade de hoje: o ecológico, o social e o espiritual. Ou seja, como nos relacionamos com a natureza, com os outros e com nós mesmos. Resumo isso em três números: 1,5, 2,5 e 3. O primeiro representa a crise ecológica. Apesar de termos um só planeta, degradamos nosso capital natural numa escala brutal, usando os recursos de um planeta e meio, só para manter o nível atual de consumo. O desequilíbrio se manifesta nos desastres naturais, na escassez dos lençóis freáticos, nos preços de alimentos que dispararam. O segundo número representa a crise social. Há 2,5 bilhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. O 3 dá a magnitude da crise espiritual e expressa as taxas crescentes de depressão, exaustão e suicídio. No ano 2000, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, três vezes mais pessoas se suicidaram em relação àquelas que foram assassinadas. Políticas econômicas cegas a essas três divisões vão trazer sofrimento às suas populações e aos outros, mais cedo ou mais tarde. Na maioria dos casos, mais cedo.
Política de portas abertas
"Sinto que vivo em dois mundos. Um é o dos indicadores pessimistas que listei. Nele, as pessoas reagem às notícias com negação ou cinismo. Não sou depressivo porque vivo também num outro mundo, onde me conecto com os movimentos sociais, os empreendedores, os inovadores. Eles estão nos governos e no setor privado, começam com projetos pequenos, protótipos, ideias que vão amadurecendo e, às vezes, viram incríveis histórias de mudança. De uns anos para cá, o Brasil iniciou sua nova história. O país é uma inspiração, não só em termos de crescimento econômico. Também criou um novo paradigma de desenvolvimento, mais inclusivo. Outro exemplo concreto é a Indonésia. Depois dos atentados em Bali, em 2005, muitos achavam que o país ia se transformar no próximo Afeganistão e, basicamente, explodir numa guerra civil. Não aconteceu. Em vez disso, houve uma transição pacífica para a democracia. Como? Pela reinvenção do processo político e implementação de um modelo mais descentralizado de gestão, mais conectado com as demandas da população. Na Província de Bojonegoro, que tive a oportunidade de visitar esse ano, funcionários do governo se encontram semanalmente com a comunidade e são cobrados pela população. O que se fez ali foi fechar o ciclo de feedback entre governo e comunidade, eliminando uma comunicação mediada pela corrupção por uma de diálogo. Foi uma maneira de reinventar o processo democrático e fazer política com portas abertas.
Lições do ano velho
"Em 2011, vimos pessoas de todo o mundo se levantando contra instituições arcaicas baseadas na exclusão, como as tiranias do Oriente Médio, Wall Street e os megabancos. Isso me faz pensar que entramos numa fase da história que, em retrospecto, poderemos descrever como uma era de ruptura. Um sistema está morrendo e outro, baseado no diálogo, na inclusão de mais atores sociais, na autorreflexão e transparência, está sendo parido, dolorosamente. Nosso desafio, enquanto agentes de mudança, é fazer a conexão entre o mundo que está morrendo e o outro que quer nascer. E, nesse processo, reinventar a economia, a educação e a democracia.
De ego para eco
"Uma sociedade 4.0 é uma mudança de mentalidade. No passado, testemunhamos três estágios econômicos. O primeiro, centrado no Estado, é o estágio do planejamento e regulação. No segundo, viu-se o nascimento do setor privado, da competição como mecanismo de coordenação. Isso gerou muito crescimento e problemas, pobreza e desastres ambientais. Como resultado, veio o terceiro passo, de tentar amenizar as consequências negativas do livre mercado. Assim nasceu a previdência, os bancos centrais, as leis trabalhistas e os sindicatos. O que precisamos agora, e essa é a grande história da década, é de um quarto mecanismo de coordenação que vai complementar, não substituir, os outros três. Uma sociedade 4.0 é uma transição de uma abordagem egossistêmica, baseada no "eu", para uma conscientização compartilhada, que chamo de ecossistêmica. É uma situação em que vários atores sociais olham para um mesmo problema e produzem respostas espontâneas a partir de vários ângulos de visão. Vimos um pouco disso durante a crise do euro. Na Europa, os interesses nacionais estão colidindo com os do conjunto e não é fácil avançar além dos interesses de seu país. É um aprendizado doloroso, mas é hora de os líderes refletirem sobre si mesmos e sobre como evoluir, coletivamente. A próxima fase da evolução econômica dependerá do aprendizado de como trabalharmos e criarmos juntos. Fazer parcerias entre empresa, governo e sociedade civil. Inovar, não só em pequenos bolsões da sociedade, mas globalmente."


Nizan Guanaes - Pesquisa 4.0


A função da comunicação é provocar; isso é o que os intervalos comerciais deveriam estar fazendo 



Não sei quando começou, mas o mundo da pesquisa está perdendo sua natureza exploratória, construtivista, voltada para a identificação de possibilidades e está abraçando, cada vez mais, uma visão racionalista.

O resultado está aí para quem quiser ver. É só ligar a televisão e descobrir o quanto as decisões baseadas em pesquisas que eliminam riscos e conflitos estão gerando campanhas que refletem agendas já estabelecidas e mantêm o consumidor dentro da zona de conforto.
Só preciso de alguns minutos na frente da TV para me sentir na frente da esteira de bagagens de um aeroporto: paralisado pela mesmice de modelos de malas que se repetem continuamente e me impedem de acertar o momento de dar um passo à frente e pegar o que é meu. Tudo parece ter a mesma cara.

Todos nós temos enfrentado a necessidade de rever conceitos e abandonar modelos. Todos nós temos aprendido a mudar. Acho que agora é a vez de quem compra, de quem faz e de quem usa pesquisas.

Importa pouco se essa mudança significa rever a forma de fazer a pergunta ou de compreender a resposta. Também pouco importa se isso significa recuperar metodologias e técnicas ou desenvolver outras totalmente novas. A pesquisa precisa estar a serviço da geração de ideias e estratégias, e não no controle delas. Como diz aquela frase atribuída a Henry Ford: "Se eu tivesse perguntado ao consumidor o que ele queria, ele teria respondido -um cavalo mais rápido".

As pesquisas, que foram uma extraordinária alavanca, que fazem tanta diferença até hoje, estão, a meu ver, patinando e pasteurizando a publicidade e o marketing. E jogando centenas de milhões de dólares no ralo pelo mundo inteiro.

Colocar a pesquisa no controle significa menosprezar a importância e a contribuição positiva que decisões tomadas fora da curva, contrariando a média, têm sobre nossos negócios.

Quando resultados de pesquisa são usados como álibis dentro de nossas corporações, todo mundo perde tempo e dinheiro e tudo fica igual, morno, bege.

O ser humano é cheio de camadas e não é só racional. O ser humano mente, inclusive para si mesmo. O ser humano fala uma coisa com a boca e outra com os olhos. Um não pode ser um NÃO. Ou um naaaão! Ou não?

Não estou defendendo em absoluto que pura e simplesmente não se testem os comerciais. Isso é uma conversa infantil. Mas acredito que hoje a maioria das pesquisas como são feitas e analisadas já não basta para um mundo tão complexo. A porca ruiu.

Precisamos de novos olhares, novos métodos, novas matrizes. Precisamos buscar uma pesquisa 4.0. Afinal, tem coisas que o raio-X detecta, tem outras que só a ressonância magnética detecta e tem outras coisas que só o psicanalista detecta. As perguntas mudaram, as respostas mudaram. Então é natural que mudemos o jeito de investigar.

Eu não preciso fazer pesquisa sobre este artigo para saber que ele vai suscitar debate. Tenho tanta certeza disso que não vejo a hora de publicá-lo. A função maior da comunicação é provocar. Isso é o que os intervalos comerciais deveriam estar fazendo.

Sou redator e sou empresário. O homem de criação em mim sente o que sentem milhões de profissionais de publicidade e de marketing, nas agências e nos clientes.

As práticas de pesquisa, que foram usadas de maneira tão brilhante e inovadora por David Ogilvy e Leo Burnett, estão ficando cada vez mais a serviço da administração, quando deviam se colocar a serviço de grandes ideias.

Por outro lado, o meu lado empresário sabe que não dá para construir marcas usando apenas "feeling". Isso também não comportaria a complexidade do mundo atual.

Só dá para provocar, comover, ser memorável, com talento criativo, com sexto sentido combinado a repertório, conhecimento, aprendizado.

É por isso que precisamos de novos instrumentos, novas ciências que juntem alopatia e homeopatia. Corpo e alma. Afinal, a publicidade não vive sem alma. Afinal, ela é a alma do negócio. 
 
NIZAN GUANAES, publicitário e presidente do Grupo ABC

Não diga que não avisei! - ALCIONE ARAÚJO‏ ( de foder)

A enfermeira australiana Bronnie Ware passou anos da vida profissional cuidando de pacientes em estágio terminal, após deixarem o hospital para morrer em casa – a maioria restando menos de três meses de vida. Só quem tem muito amor ao próximo, tenacidade mental inabalável e desapego à vida pode assumir essa tarefa terrível e ao mesmo tempo humana, nobre e necessária. Bronnie, porém, constatou surpresa que as pessoas crescem diante da morte e aprendeu a não subestimar a coragem delas para enfrentar cada fase do processo: negação da própria situação, pavor, medo, raiva, remorso, nova negação, até chegar, enfim, à resignação. No trajeto revelam grande sabedoria de vida. E todos encontram a paz antes de partir.

A todos Bronnie indagou: “O que lamenta na vida que viveu? Do que se arrepende? O que mudaria se tivesse nova chance?” Com as respostas, escreveu The top five regrets of the dying (ou “Os cinco lamentos do moribundo”, em tradução livre). Ignoro se a enfermeira saberia interpretar as respostas. Mas não vi nenhum disparate. 

A maioria das respostas foi “gostaria de ter tido a coragem de viver a vida que eu quisesse, não a que os outros esperavam que eu vivesse”. Para Bronnie, quando as pessoas sentem que a vida está acabando, olham para trás e se dão conta de quantos sonhos não se realizaram e vão morrer sabendo que não viveram a própria e única vida, e isso aconteceu pelas decisões que tomaram ou deixaram de tomar.

“Gostaria de não ter trabalhado tanto”, disseram os homens ouvidos. Todos, sem exceção, queriam ter vivido mais junto dos filhos e se arrependiam de ter passado tanto tempo pensando no trabalho. As mulheres lamentaram a falta de tempo para os filhos – apesar de a maioria ser de geração ainda não engajada em carreiras. 

Enquanto oferecia aos pacientes seus cuidados paliativos, Bronnie reunia respostas. A terceira mais ouvida foi “queria ter tido a coragem de expressar meus sentimentos”, que ela acha típica dos que reprimiram sentimentos e emoções, por medo, inibição ou para ficar bem com os outros. Ocultaram tanto o que sentiam ou pensavam que se acomodaram numa vida opaca e medíocre, sem nunca se tornar quem eles de fato são – e desenvolveram graves doenças associadas à amargura e ao ressentimento.

Muitos dos pacientes de Bronnie viveram tão voltados para suas próprias vidas que, ao longo dos anos, deixaram escapar suas amizades de ouro. O arrependimento por não terem dedicado tempo e atenção às amizades é profundo e desolador, quando se ouve o lamento “gostaria de ter ficado mais tempo com os meus amigos”.

Mas até chegarem às suas últimas semanas de vida ainda não percebiam o valor dos velhos amigos. “Todo mundo sente falta dos amigos quando está morrendo", garante Bronnie, “E nem sempre era possível rastrear velhos amigos perdidos.” 

“Gostaria de ter me permitido ser mais feliz” foi o quinto lamento mais ouvido. “Só no fim da vida é que as pessoas percebem que a felicidade é uma escolha”, diz Bronnie. O apego a velhos hábitos, a coisas conhecidas, e o medo da mudança fizeram com que fingissem, para os outros e para si mesmos, que estavam contentes, mas no fundo ansiavam rir de verdade e usufruir de novo das boas coisas da vida. 

Ninguém lamenta a perda de poder, fortuna e beleza, que, em vida, fascinam. Nem o medo do que virá. Não se trata de livro de autoajuda, para enriquecer a enfermeira. Bronnie Ware não quis nos afligir com situações mórbidas, arrolar a dor da agonia, ou assustar com o transe que vamos encarar um dia. As últimas palavras revelam o que se sente na partida, mas também sugere “as cinco atitudes que podem aliviar os lamentos do desenlace”. Ou melhor: “Não diga que não avisei!”