sexta-feira, 30 de maio de 2025

O pobre tem direito a um sonho impossível, Deborah Bizarria, FSP

 Recebi uma mensagem de alguém muito incomodado com uma fala minha no programa Lado B, do Brazil Journal, com Marcos Lisboa e Juliano Spyer, também colunistas da Folha. A pessoa dizia que eu estava oferecendo uma visão "romântica" da realidade ao sugerir que, na média, o evangélico pobre não vê o patrão como inimigo. Que, em vez disso, ele aspira a ocupar esse lugar. Para esse crítico, faltava ali uma leitura estrutural, um reconhecimento das violências cotidianas e das barreiras que impedem esse sonho de se concretizar.

Mulher em pé na frente de um portal de luz olha para a claridade enquanto flores neon num fundo escuro sobem ao topo, circundando o portal
Desejo de ocupar o lugar do patrão é um sonho com sentido econômico e moral - Catarina Pignato

Mas o ponto não era esse. Meu argumento não é que todos vão virar patrões, nem que a desigualdade brasileira pode ser superada pela mera força de vontade. O que defendi, e continuo acreditando, é que esse desejo de ocupar o lugar do patrão é, para muita gente, um gesto simbólico de dignidade. Ele expressa vontade de autonomia, reconhecimento e capacidade de gerar oportunidades para outros. É um sonho com sentido econômico e moral. E a política pública que quiser se conectar com essas pessoas precisa, no mínimo, considerar esse horizonte como legítimo.

Nesse sentido, como afirmou recentemente o economista Ricardo Paes de Barros, parece haver um consenso crescente entre decisores: o pobre quer trabalhar. Parece pouco, mas não é. Essa é uma mudança relevante no imaginário da política social. A tarefa agora é entender que esse desejo não é homogêneo. Ele se expressa por meio de aspirações diversas, que nem sempre cabem nas estruturas que o Estado costuma oferecer. Aceitar que pessoas em vulnerabilidade têm projetos, mesmo que desconectados das oportunidades locais, é o primeiro passo.

Assim, abordagens como o Graduation Approach têm atraído a atenção de formuladores de política ao redor do mundo. O modelo combina apoio financeiro inicial com acompanhamento, formação e conexão com mercados locais, gerando impactos duradouros em renda e autonomia. Mas o mais relevante é a premissa de que cada pessoa é protagonista do seu processo e que é preciso investir tempo e inteligência institucional para compreender seus contextos, capacidades e desejos.

No Brasil, alguns programas recentes apontam nessa direção. O Nossa Gente Paraná promove acompanhamento intersetorial e busca ligar proteção social à inserção produtiva. Na Paraíba, o Incluir Paraíba foca a agricultura familiar e o fomento a atividades sustentáveis. O programa federal Acredita no Primeiro Passo aposta em microcrédito, qualificação e conexão com vagas formais.

Mais recentemente, o SuperAção SP propõe planos personalizados para famílias em situação de pobreza, combinando renda, acesso a serviços e acompanhamento. São propostas distintas, mas que compartilham uma intuição comum: é preciso partir dos sonhos e das realidades de quem se quer incluir. Ainda é cedo para saber se esses programas têm alcançado seus objetivos. Avaliações externas serão essenciais para medir seus efeitos na vida dos beneficiários.

Quando falo que o "sonho de ser patrão" é legítimo, quero dizer que não se faz política ignorando as aspirações dos mais vulneráveis. Parte desses sonhos não vai se realizar, como muitos dos nossos também não se realizam. Mas esse é o ponto de partida. A tarefa da política é construir caminhos plausíveis, sem deslegitimar o que as pessoas querem.

Talvez o trabalho mais difícil da política social seja esse: escutar sem prometer o que não se pode cumprir e, ainda assim, não trair o que se ouviu. A dignidade não está apenas na realização dos sonhos, mas no direito de continuar tendo um.

Mario Sergio Conti - Marcel Ophuls e a lenda da França resistente, FSP

 

Ao fim das quatro horas e meia de "A Tristeza e a Piedade", Anthony Eden, o primeiro-ministro inglês, se recusa polidamente a julgar a atitude dos franceses frente aos nazistas: "Como não sofremos os horrores da ocupação, não temos esse direito". Compreende-se: não era de bom-tom notar que a França em peso havia colaborado com a barbárie.

A Pátria das Luzes adotou por livre vontade leis racistas mais depravadas que as da Alemanha. Campos de concentração brotaram na Terra dos Direitos Humanos por iniciativa de Paris, não de Berlim. A Filha da Igreja deportou 75 mil judeus para Auschwitz, e só 5% sobreviveram.

O que passou, passou: não dá para mudar a história. O que às vezes muda é a percepção do passado. Por isso "A Tristeza e a Piedade", de Marcel Ophuls, é um filme único: reconfigurou a imagem que um povo fazia de si, trincou o espelho no qual os franceses se admiravam.

Judeu, Ophuls nasceu na Alemanha, de onde sua família fugiu para Paris quando os nazistas avançaram. Escapou de novo anos depois, dessa vez dos colaboracionistas —os "colabôs"—, e se exilou em Hollywood.

Em 1968, filmou o documentário cujo subtítulo o resume: "Crônica de uma Cidade Francesa sob a Ocupação"; no caso, Clermont-Ferrand, burgo médio no meio do hexágono, súmula do modo de ver e viver da França profunda.

Entrevistou dezenas de testemunhas da Ocupação, de incontáveis profissões. A cabeleireira conta que amava Pétain. O oficial alemão reclama que os partisans não usavam uniforme. Gay, o espião inglês revela que namorou um soldado da Wehrmacht. O trabalhador torturado pela Gestapo sabe quem o delatou, mas não diz seu nome porque "seria se igualar a ele".

O campeão de ciclismo não se lembra de ter visto alemães em Clermont-Ferrand, e em seguida o farmacêutico recorda que "a cidade estava cheia de alemães de capacete". O aristocrata explica por que se alistou na SS: queria enfrentar comunistas no front soviético. O comerciante Marius Klein admite que publicou um anúncio classificado informando que era católico: "Não queria que pensassem que sou judeu".

Mendès-France, socialista, judeu e ex-primeiro-ministro, conta a fuga da cadeia. Depois de dias de ginástica —"eu não era esportivo"—, subiu no muro do presídio para pular na rua. Como um casal de namorados estava embaixo, esperou, esperou, esperou: "Ele tinha ideias precisas e ela não se decidia". Depois de muita conversa, a moça concordou. Mendès-France gostaria de os reencontrar, para comentar a "audácia" dele e a "indecisão" dela naquela noite tão especial para os três. Suspira: "O amor, a sorte, a fuga". É sublime.

Da esquerda para direita uma tesoura de ponta fina começa a cortar a bandeira da França.
Bruna Barros/Folhapress

Intercalados por trechos de cinejornais alemães e franceses, os depoimentos formam um mosaico. A trilha sonora desmente as imagens, e uma fala contradiz a anterior. Não há parti pris, mas fica cristalino que o grosso dos franceses não se importava. Fora da família, que se danem todos, pensavam. Por isso colaboraram com os boches.

Até então, vigia a versão de De Gaulle. Desde que se exilara em Londres, apregoava que Vichy era uma fraude e a França era ele. O Partido Comunista abonava a mentira porque apoiara o pacto Stálin-Hitler, e só veio se integrar à Resistência um ano depois da Ocupação.

O documentário afrontou a lenda. O diretor da estação de TV que financiara parte de "A Tristeza e a Piedade" contou a De Gaulle como era o filme. O comentário do general, nunca admitido nem desmentido, teria sido "A França não precisa de verdades, precisa de esperança".

Proibido na televisão, o filme passou no cinema em 1971, mas só no Saint-Séverin, no Quartier Latin. Todos os dias, 500 pessoas ficavam fora da sala, tal o afluxo. Depois de décadas de polêmicas e pesquisas —como as do historiador americano Robert Paxton no livro "Vichy France"—, o documentário se impôs.

Ele chegou à televisão só em 1981. Em 1995, o presidente Jacques Chirac admitiu o papel ignóbil da França nas torturas, deportações e assassinatos. Marcel Ophuls morreu no sábado passado (24). Tinha 97 anos.

Ele dizia não acreditar na culpa coletiva, e sim na responsabilidade individual. Ao dar a palavra a indivíduos –heróis, homicidas, cúmplices–, "A Tristeza e a Piedade" mudou o modo de encarar a Ocupação.

Não mudou a história porque, repita-se, o que passou, passou para sempre. Tampouco ele influi no presente: como reza o aforismo de Santayana, comprovado diariamente por Israel em Gaza, "aqueles que não se lembram do passado estão condenados a repeti-lo".

Nova onda de geração de renováveis puxou aumento do consumo de energia, FSP

O consumo de energia no Brasil cresceu 1,3% no primeiro quadrimestre de 2025, em comparação com o mesmo período de 2024. Os dados da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) apontam que esse crescimento foi puxado pelo avanço na geração renovável entre janeiro e abril: usinas eólicas produziram 25,7% mais energia, e as solares, 31,9% a mais.

A imagem mostra um grande campo de cultivo com fileiras organizadas de plantas ou culturas. O céu está parcialmente nublado, com algumas nuvens brancas e um fundo azul. Ao fundo, há uma colina verde e linhas de energia elétrica visíveis. O solo é de cor clara e há um caminho de terra que atravessa o campo.
Usina de energia solar em Várzea, na Paraíba - Zanone Fraissat - 13.jul.2024/Folhapress

Em média, o Brasil consumiu 73,5 GWm (Gigawatts médios) nos primeiros quatro meses de 2025. O mês com maior consumo de energia foi fevereiro, quando o país enfrentou uma forte onda de calor e a geração média alcançou 77 GWm.

Segundo a CCEE, o clima mais ameno e chuvoso teve impacto no consumo do mercado regulado, que atende casas e pequenos estabelecimentos. Esse segmento teve média de 43,9 GWm, uma queda de 4,1% em relação ao ano anterior.

O mercado livre de energia, onde consumidores escolhem seus fornecedores, registrou consumo médio de 29,586 GWm, com crescimento de 10,7% em comparação ao ano anterior.

Três vezes mais

O resultado indica que 2025 pode trazer desempenho ainda melhor para o mercado livre do que em 2024. No ano passado, o número de migrações para essa modalidade triplicou em comparação a 2023, com 26.834 novos consumidores.

Nos estados, Acre Maranhão lideraram a alta no consumo de energia no período, com crescimento de 9% em relação ao mesmo período do ano anterior. Na sequência, aparecem o Pará, com aumento de 6%, Santa Catarina (4,4%) e Rio Grande do Sul (4,1%).

As maiores quedas no consumo ocorreram no Amapá (-9,7%), Rondônia (-7,6%), Mato Grosso do Sul (-6,7%) e Mato Grosso (-5,4%).

A pesquisa também apontou que a maior alta no consumo partiu do setor de saneamento, com aumento de 44,7%, seguido pelos serviços, com 23,8%, e o comércio, com 19,1%.

Dos 15 segmentos acompanhados, nenhum teve queda. Os crescimentos mais baixos foram do setor de telecomunicações (1,1%) e de químicos (0,3%).

Com Carlos Villela