Solange Srour
O conceito de "animal spirits" foi popularizado pelo economista John Maynard Keynes em 1936. Ele se refere à influência das emoções e da confiança nas decisões de consumo, investimento e poupança. Keynes argumentava que, além de fatores racionais, como taxa de juros e produtividade, aspectos subjetivos também influenciam a economia.
Logo após as eleições presidenciais nos EUA, os mercados começaram a avaliar se o excepcionalismo econômico do país —com forte crescimento e inflação em queda— seria mantido. O fato de a agenda do novo governo ser tão ampla e complexa —incluindo tarifas, política fiscal, desregulamentação, imigração, entre outras frentes— gera incertezas sobre o impacto final para a economia, especialmente para o crescimento e a inflação.
Uma escalada de tarifas, que evoluísse para uma guerra comercial generalizada, com o potencial de resultar em estagflação, está no topo das preocupações. Já uma grande consolidação fiscal, por meio de cortes de gastos, reduziria o crescimento de curto prazo, mas traria juros de longo prazo mais baixos.
Por outro lado, a manutenção de baixos impostos corporativos, ou até mesmo novas reduções, favoreceria o investimento, ao mesmo tempo que levantaria preocupações sobre a sustentabilidade da dívida. Deportações em massa, que reduzam a força de trabalho, são outro fator potencialmente negativo para o crescimento, enquanto uma ampla desregulamentação de vários setores pode aumentar o PIB potencial.
Até agora, as medidas adotadas em relação a tarifas, gastos e imigração têm sido muito erráticas e nada garante que não possam se tornar extremas no futuro próximo. A economia americana começou o ano com um bom impulso, já que o crescimento do ano passado foi forte, o que proporciona uma margem razoável para absorver incertezas. No entanto, dados recentes indicam vulnerabilidades na atividade econômica, afetando particularmente a confiança dos consumidores e as expectativas de inflação.
O índice de confiança do Conference Board Board teve uma rara queda de 7 pontos em fevereiro — a terceira consecutiva. A retração foi ampla entre diferentes faixas etárias e níveis de renda, com consumidores mais pessimistas em relação às condições atuais e futuras do mercado de trabalho, perspectivas de renda e de negócios. Outros indicadores de confiança divulgados foram na mesma direção.
Em relação à inflação, as tarifas mais altas aparentemente ainda serão implementadas, mas já influenciam as expectativas. Em um horizonte de dois anos, a inflação implícita dos títulos indexados (TIPS) saltou de 2% no final de 2023 para 3,1% atualmente, bem acima da meta de 2%. A inflação implícita de um ano está em 4%, contra cerca de 1% há alguns meses. Diversas pesquisas com consumidores em relação às suas expectativas para inflação corroboram esse cenário.
Os mercados, em geral, reagem às mudanças na percepção sobre crescimento e inflação. Ou seja, são voláteis e vulneráveis a grandes oscilações baseadas em notícias econômicas e políticas. Isso, combinado com a queda da confiança e o aumento das expectativas inflacionárias, pode gerar impactos econômicos independentemente de as políticas serem efetivamente implementadas.
Embora seja difícil prever com precisão qual nível de preços de mercado e sequência de dados econômicos poderiam levar o governo Trump a reconsiderar suas políticas, o padrão atual de ameaças seguidas de recuos sugere que eventuais equívocos serão corrigidos ao longo do tempo. No entanto, o cenário permanece bastante incerto e não traz conforto para países com vulnerabilidades evidentes —como é o nosso caso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário