Ricardo Borges/Folhapress | ||
Autor Rubem Fonseca discursa durante cerimônia de premiação na ABL, realizada em 2015 |
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CALIBRE 22 (ruim) QUANTO: R$ 39,90 (208 págs.)
AUTOR: Rubem Fonseca
EDITORA: Nova Fronteira
Aquele que talvez seja o maior escritor brasileiro vivo lança um livro novo e, surpresa, o país não para o que está fazendo para prestar atenção.
Há mais de uma década, a cada dois anos, a cena se repete. Isso é triste, sobretudo porque o Brasil, com seu lendário descaso pela literatura, não tem culpa. A culpa é de Rubem Fonseca mesmo.
"Calibre 22" é mais um título ruim de um autor que, nos anos 1960 e 1970, plantou um monumento atrás do outro na planície do conto brasileiro.
O estouro veio com a censura ao livro "Feliz Ano Novo", em 1975, mas desde a estreia com "Os Prisioneiros", em 1963, os livros daquele ex-comissário de polícia eram o que havia de mais forte na paisagem.
Se Dalton Trevisan, o ácido cantor do provincianismo, disputava com ele o título de maior contista do país, Fonseca levava a vantagem de estar apontado para o futuro como uma bazuca.
Ninguém viu antes dele o país que nascia da urbanização desenfreada, onde, liberta dos freios semifeudais, nossa desigualdade obscena gerava o monstro social que hoje é maior que Godzilla.
A estética amoral, com influência do policial americano, achatava a dimensão psicológica entre baixos instintos e pressões de um meio violento. Mais que verdadeiro, soava visionário.
Vieram os romances dos anos 1980 e 1990, de menor voltagem estética mas ainda vigorosos, e Fonseca tornou-se um animal raro: um escritor sério que era também popular. Criou uma mitologia e projetou sobre a literatura brasileira a sombra comprida de sua influência.
Charutos, anões, machismo, o advogado Mandrake, milionários torpes, psicopatas justiceiros, erudição enciclopédica copia-e-cola, assassinatos fáceis como num videogame –suas marcas registradas continuam presentes, mas parecem trejeitos de um imitador.
Há momentos em que o tom desprovido de ênfase que virou sua assinatura aspira à paródia, lembrando Ed Mort.
A prosa rala tem um inacabamento que a edição pobre espelha: é gritante o descaso autoral, o descarte das etapas de reflexão, adensamento, edição.
CONSTRANGEDOR
São minoria os contos de "Calibre 22" que podem ser chamados de corretos. A maior parte vai do trivial ao constrangedor. Alguns, como "Pródromo", "Outro Anão" e "Ópera, Foder e Sanduíche de Mortadela", parecem esboços malogrados que o autor resgatou do lixo para fazer volume.
Não sei se haverá escárnio por trás disso; perda de fé na literatura, certamente. O conto "Camisola e Pijama" traz uma chave: em trama pueril, um sujeito é endeusado pelos críticos após escrever às pressas um conto idiota.
Moral: "Toda a literatura e tudo o que se escrevia era sempre a mesma merda".
Aos 91 anos, Fonseca é e sempre será um grande escritor, mas só fãs menos exigentes terão prazer com o novo livro. Os outros leitores, fãs ou não, devem ler ou reler as obras-primas do passado. Nem toda a literatura é "a mesma merda".
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