A grave crise hídrica enfrentada por São Paulo, de 2014 até o começo de 2016, ao mostrar a vulnerabilidade do sistema de abastecimento da região metropolitana, deixou evidente que essa é uma tarefa que não pode mais ser postergada
07 Abril 2017 | 03h02
A degradação das áreas de proteção dos mananciais das grandes concentrações urbanas do Estado de São Paulo é um problema que se arrasta há décadas, agravando-se continuamente e colocando em risco o fornecimento de água para essas regiões. Tanto os estudos a respeito como as advertências sobre as consequências facilmente previsíveis para a população desse desleixo se sucedem, sem que as autoridades estaduais e municipais, cada uma em sua área de competência, tomem as providências que se impõem para a solução do problema. Dois estudos recentes não deixam dúvidas sobre a necessidade de agir o mais rapidamente possível para evitar o pior.
Os resultados de um levantamento feito por especialistas da Escola Politécnica da USP e do Instituto Demografia e Sustentabilidade (IDS) na chamada Macrópole Paulista – que engloba as regiões metropolitanas de São Paulo, Baixada Santista, Campinas, Vale do Paraíba e Litoral Norte, além das aglomerações urbanas de Jundiaí, Piracicaba e Sorocaba –, mostrados em reportagem do Estado, são altamente preocupantes.
O instrumento utilizado para avaliar a situação em que se encontram as áreas de proteção dos mananciais é o “grau de fragilidade ambiental”, determinado por meio do cruzamento de imagens de satélites, que mostram como está a cobertura vegetal, com informações sobre relevo, tipo de solo, geologia e quantidade média de chuva que cai nesses locais. Em mais da metade daquelas áreas (54,9%), o grau é alto ou muito alto, o que compromete a sua capacidade de produção.
O sistema que abastece a região de Campinas – formado pelo Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí – tem 48,19% de sua área com grau de fragilidade alto. Isso é resultado da combinação da fragilidade natural daquele território com sua ocupação desordenada, a mesma que é a principal responsável pela degradação dos demais mananciais da Macrópole. A solução recomendada para salvar o que ainda é possível dessa vasta área do Estado é o plantio de 920 milhões de mudas de árvores, o que pode custar até R$ 2,4 bilhões.
O segundo estudo, feito pelo Greenpeace, mostra que a situação em outro manancial da maior importância para a região de São Paulo – o Sistema Cantareira – é igualmente grave. Nada menos que 69,4% da sua paisagem já foi alterada e 73% das áreas de proteção permanente foram ocupadas principalmente por pastagens e plantações de eucalipto, restando apenas 15% da vegetação natural.
Se se somar a isso o que se passa nas áreas do entorno das Represas Billings e Guarapiranga, tem-se um quadro completo do desastre produzido pelo malogro do poder público na proteção dos mananciais. Esse é o caso mais antigo e significativo, que prefigurou os demais. Há mais de 30 anos, afora algumas tímidas tentativas de pôr um freio a elas, as autoridades estaduais e municipais assistem impassíveis – o que na prática não deixa de ser uma forma de cumplicidade – à ocupação ilegal das margens daquelas represas, das quais depende o abastecimento de boa parte da população da capital.
As invasões começaram nos anos 1980 e continuam até hoje. Os últimos dados disponíveis mostram que houve 32 invasões só entre o final de 2015 e meados de 2016 em terrenos de propriedade da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae), do governo do Estado. O resultado é que, ao longo de três décadas, se estabeleceu ali cerca de 1,5 milhão de pessoas, atraídas pelas máfias dos loteamentos clandestinos, que evidentemente só podem ter sobrevivido durante tanto tempo porque as autoridades fecharam os olhos, sabe-se lá por que, ou sabe-se muito bem.
Já é mais do que tempo de pôr um fim a essa situação e fazer tudo o que é possível para preservar os mananciais. A grave crise hídrica enfrentada por São Paulo, de 2014 até o começo de 2016, ao mostrar a vulnerabilidade do sistema de abastecimento da região metropolitana, deixou evidente que essa é uma tarefa que não pode mais ser postergada.
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