http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,o-papel-do-bndes-nas-exportacoes-das-empreiteiras,70001748444
Por pelo menos nove países da América Latina e três da
África vão pipocando denúncias de corrupção patrocinada por empreiteiras
brasileiras. E ficou difícil negar que, em muitas situações, mesmo em
conformidade com os procedimentos técnicos, o BNDES fazia parte do jogo.
Só a Odebrecht está envolvida em pelo menos 10 casos até
agora sob sigilo, alegadamente porque é preciso esclarecer em que país
devem correr os processos.
As investigações do Departamento de Justiça dos Estados
Unidos dão conta de que a Odebrecht pagou subornos milionários a
políticos e seus parentes, partidos e funcionários públicos em pelo
menos 12 países, com o objetivo de garantir contratos de obras de
infraestrutura, como hidrelétricas, metrôs e rodovias.
Embora a imprensa brasileira já viesse levantando
suspeitas que envolvem projetos de exportação de serviços do Brasil, a
direção do BNDES martelava que nada tinha a dizer sobre os casos em que
aparecia como financiador porque estavam sob sigilo bancário, mesmo em
se tratando de banco público.
O diretor de Comércio Exterior e Fundos, Ricardo Ramos,
reconhece que o BNDES financiou ou ajudou a financiar quase 200
contratos de exportação de serviços (de infraestrutura) que beneficiaram
empreiteiras brasileiras, com financiamentos de US$ 13 bilhões (cerca
de R$ 41 bilhões).
Ele assegura que o BNDES está limpo, porque fez
desembolsos apenas em reais, sempre no Brasil e em bancos brasileiros. O
BNDES, diz ele, não se dedicou a fazer análises de viabilidade técnica
desses projetos porque focava a oportunidade de exportação de bens que
acompanhava os projetos, cumpria decisões de Estado e, na maioria dos
casos, contou com garantia dos respectivos Tesouros. “É zero de default,
até a Venezuela está pagando”, disse Ramos a esta Coluna.
Sim, tudo parece tão limpo, em reais e tal, mas eis que,
lá pelas tantas, aparecem digitais de doleiros e nítidos rastros de
corrupção. “Não podemos nos responsabilizar pela interferência de
doleiros e do que aconteceu depois”, disse Ramos.
A evidência de que não estava tudo dentro dos conformes
também no BNDES é o fato de que, a partir de outubro, houve importante
mudança de rumos. O BNDES deixou de agarrar-se ao estatuto do sigilo
bancário e se dispôs a franquear suas operações. Já não bastam garantias
de Estado. Cada projeto de exportação de serviços com cobertura do
BNDES tem agora de passar por análises de viabilidade econômica,
ambiental e tudo o mais. E das empresas brasileiras encarregadas de
operar os projetos passaram a ser exigidos termos de compliance,
compromisso de que seus negócios seriam tocados dentro das regras, sem
desvios de recursos. Até mesmo contratos antigos foram enquadrados.
Se nada havia de errado com o BNDES e se os contratos de
exportação de serviços cumpriam os requisitos que garantiam o retorno
dos recursos, por que, então, essa mudança drástica de paradigma? “Mudou
porque a sociedade brasileira passou a dizer que as regras anteriores
não eram suficientes”, responde Ramos.
E por que os contratos de exportação de serviços
envolveram apenas países do chamado terceiro mundo, em certo número de
casos governados por dirigentes que estão sobre graves acusações de
corrupção?
Hoje se suspeita de que parte das exportações de
serviços dava cobertura a operações de troca de chumbo entre políticos,
possivelmente destinados a garantir financiamentos recíprocos de
campanha. Nas delações da Odebrecht, Hilberto Mascarenhas, ex-executivo
do departamento que operacionalizava as propinas da empresa, revelou que
o marqueteiro do PT João Santana, hoje preso, foi pago pela Odebrecht
para atuar em campanhas presidenciais de cinco países, entre os quais
estão três grandes devedores do BNDES.
Mas Ramos se limita às explicações técnicas: (1) As
exportações de serviços atendem a interesses do Brasil, porque capacitam
a engenharia nacional, contribuem para certificar empresas brasileiras,
garantem empregos de qualidade por aqui e alavancam exportações de bens
e equipamentos. E (2) o espaço para serviços de envergadura nos países
avançados já está ocupado; dificilmente grandes obras de infraestrutura
nos Estados Unidos, na Europa, no Japão e na China serão executadas por
empreiteiras brasileiras.
Curiosidade: Nas denúncias da Lava Jato, surgiu até o
nome da ex-presidente da Petrobrás Graça Foster. Não apareceram nem o do
presidente anterior, José Gabrielli, nem o do então presidente do
BNDES, Luciano Coutinho.
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