sábado, 22 de abril de 2017

Menos cobiça e mais lazer são base de vida boa, defende livro, FSP

Álvaro



O economista inglês John Maynard Keynes, aos 53 anos, com sua mulher, a bailarina Lydia Lopokova, em 1936
O economista inglês John Maynard Keynes, aos 53 anos, com sua mulher, a bailarina Lydia Lopokova, em 1936
ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
DE SÃO PAULO
22/04/2017 02h00

"Quanto é o suficiente?", perguntam no título de seu livro o economista político britânico Robert Skidelsky e seu filho, o filósofo Edward.
A questão nasce do ensaio "Possibilidades econômicas para nossos netos", publicado em 1930 por John Maynard Keynes, um dos economistas mais influentes do século 20.
Keynes imaginou que, com o avanço da tecnologia, as pessoas precisariam trabalhar menos para satisfazer suas necessidades até o ponto em que poderiam se dedicar apenas a "viver bem, de maneira sábia e agradável".
Na utopia keynesiana, isso aconteceria em 2030.
A profecia, como se sabe, fracassou. O número de horas trabalhadas nos países ricos cresceu, e o consumo explosivo de bens supérfluos –ou o desejo por eles– enterrou a ideia de que exista um patamar em que o homem se contente com o "suficiente".
O capitalismo como é praticado hoje, defendem os autores, predispõe ao consumo insaciável e induz todos a trabalhar mais do que precisam para comprar aquilo de que não precisam (e ostentá-lo).
Deixada de lado pelo próprio Keynes (de quem Robert é um dos principais biógrafos), a reflexão é retomada agora em tom de manifesto: os países ricos precisam trocar o crescimento a qualquer custo e o amor pela riqueza por um projeto que liberte o homem do trabalho estafante e produza justiça social.
Os Skidelsky comparam o estado atual do capitalismo ao castigo do personagem Fausto. Em pacto com o demônio, a sociedade usou meios "maus" para obter poder, conhecimento, prazer e abundância. Mas, presa nas correntes do sistema, não consegue usufruí-los.
Em retrospectiva histórica, apresentam utopias e distopias de economistas e filósofos desde Platão, na Grécia Antiga, passando por Nicolau Maquiavel, Thomas More, Bernard Mandeville, Adam Smith e John Stuart Mill, até "o fracasso do apocaliplse de Karl Marx" e a liberação erótica de Herbert Marcuse.
"As épocas e os mecanismos variam, mas todos concordam que, mais cedo ou mais tarde, de uma maneira ou de outra, a felicidade chegará. Para que, então, tanto trabalho, tanta miséria e deformação do sentimento?"
Antes de oferecer seu próprio mapa para o pós-capitalismo (uma época em que acumulação de capital deixe de ser um fim em si mesmo), os Skidelsky enumeram os conceitos do que é uma vida boa em diferentes culturas.
É aqui que chegam ao ponto mais sensível da obra: a crítica ao liberalismo. Até a década de 1960, o liberalismo era uma doutrina de tolerância, e não de neutralidade, demarcam. A diferença é fundamental: "O Estado tolerante não enfrenta o dilema do Estado neutro ao lidar com necrófilos ou neonazistas".
O tema do livro é econômico, mas uma economia vista como "a teologia da nossa época", que sobrepujou a filosofia ("recolhida em ninharias linguísticas"), a sociologia ("incapaz de desenvolver um corpo teórico sistemático") e a história ("submissa aos encantos do poder").
Os autores, contudo, deixam claro que não defendem a economia da felicidade –que a trata como um recurso escasso semelhante a outros e procura maximizá-la.
Levada ao extremo, ela produziria apenas a idiotia feliz. Seria algo como o enredo do livro "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, em que todos se entregam a uma droga sintética legalizada e viciante cujo efeito é produzir felicidade e prazer.
"Um sistema desses poderia perfeitamente existir como resultado das livres escolhas individuais, sem que ninguém precise apontar uma arma para ninguém."
Já a proposta de vida boa dos autores, detalhada no capítulo 6, não prescinde de um Estado que imponha restrições, escolha estímulos e leve a cabo uma ideologia alternativa ao hoje triunfante individualismo de mercado.
"Descrevemos nossa posição como paternalismo não coercitivo. Acreditamos que os poderes do Estado talvez sirvam para garantir os bens básicos, mas só até onde não danificam a personalidade, que é um bem central."
Ações concretas não são propósito central dos Skidelsky, mas eles citam algumas: renda básica, tributação do consumo, imposto sobre fortunas e heranças, taxação de derivativos (instrumentos financeiros de risco) e restrições à publicidade.
A argumentação dos autores é moral, quase religio- sa, condição que eles assumem abertamente nas considerações finais: "Poderia uma sociedade totalmente desprovida de impulso religioso estimular a si mesma a buscar o bem comum? Nós duvidamos".
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QUANTO: R$ 65 (307 PÁGS.)
AUTOR: ROBERT E EDWARD SKIDELSKY
EDITORA: CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA

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