Minha Casa Minha Vida – Entidades
Militantes erguem edifícios onde vão morar e dizem atingir resultados melhores que os da iniciativa privada em prédios visitados pela reportagem
Piero Locatelli
Jaime Belo de Lima não consegue lembrar de todos os prédios que ajudou a erguer desde sua chegada a São Paulo, há 25 anos. Como pedreiro, encanador e eletricista, ajudou a construir inúmeras moradias. Agora, aos 45 anos, finalmente constrói o apartamento onde a própria família vai morar.
“Quando eu trabalho na construção para os outros, é só pelo dinheiro. Mas, na hora em que termina, dá aquela coisa: ‘Vou receber o dinheiro, mas ficou tão bonito. Eu quero fazer o meu assim’. E aqui eu tive a oportunidade de trabalhar no meu lugar,” diz Lima, sobre o prédio que ajuda a erguer em Taboão da Serra, região metropolitana de São Paulo.
Lima é um dos militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) que constroem o conjunto João Cândido, na margem da BR-116. O condomínio de 16 prédios de nove andares faz parte de um projeto conduzido pelo próprio MTST, parte do programa Minha Casa Minha Vida Entidades.
Ao contrário do que ocorre na modalidade principal do Minha Casa Minha Vida, tocada conforme os interesses das empreiteiras, no Entidades é o movimento que toma a iniciativa de construir a moradia, escolhe o projeto, contrata a empreiteira, acompanha a obra e escolhe quem irá morar no local.
Criado em 2009, o Minha Casa Minha Vida foi lançado no momento mais crítico da crise econômica mundial em 2009. O programa ajudou a reaquecer o mercado da construção civil, levando dinheiro às empreiteiras por meio do Fundo de Arrendamento Residencial. Os críticos do programa afirmam que ele contribuiu, também, para a especulação imobiliária e para a precarização da moradia popular como um todo.
Quando o Minha Casa Minha Vida foi feito, movimentos sociais pressionaram pela criação do MCMV Entidades, uma continuação do programa Crédito Solidário. O argumento era de que a gestão dos movimentos sobre a moradia poderia deixar a construção delas menos suscetíveis ao mercado imobiliário e atenderia melhor às necessidades dos trabalhadores.
Foi o que o MTST fez em Taboão da Serra, no conjunto onde Lima trabalha. Após uma ocupação na cidade, feita em 2005, a prefeitura cedeu um terreno ao movimento. Em fevereiro de 2013, o projeto foi aprovado e as obras começaram.
Entidades: apartamentos maiores e mais rápidos
Um ano e meio após o início das obras, a construção está quase pronta. Em visita ao local, a reportagem de CartaCapitalencontrou os prédios pintados, com sistema elétrico pronto e à espera da chegada de elevadores. A previsão do movimento é entregar duas torres, com 160 unidades, no final de julho deste ano.
A velocidade da obra faz os trabalhadores no local dizerem que são mais eficientes que a iniciativa privada. Na obra, metade dos empregados são do próprio movimento, fruto de um acordo entre o MTST e a empresa contratada por eles.
O tamanho é outra das vantagens lembradas pelos militantes. Os apartamentos de dois dormitórios terão 53 metros quadrados e os de três quartos, 64 metros quadrados. O espaço está acima do mínimo de 39 metros quadrados do Minha Casa Minha Vida, padrão da maioria das construções do programa. Segundo os militantes, isso mostra que é possível melhorar a construção ao diminuir o lucro das empreiteiras.
Para o MTST, somente a moradia no local não é suficiente. Da prefeitura e do governo estadual, o movimento conseguiu a promessa de uma unidade da Ama (Assistência Médica Ambulatorial), de uma creche e de uma escola estadual junto ao condomínio. Com a grande quantidade de fábricas na região, eles também esperam que não sejam necessários grandes deslocamentos para os moradores irem trabalhar.
Movimento organiza demanda da moradia
O MTST escolhe quem receberá a moradia no local. De acordo com as normas do Ministério da Cidade, a entidade pode decidir quem será beneficiado pelas obras desde que os critérios já determinados pelo governo federal sejam atendidos. O principal deles é a renda familiar, que deve ser de no máximo três salários mínimos.
O movimento tem uma série de critérios internos. Entre eles, a pontuação para quem participa de mais protestos e está mais presente em ocupações e outras atividades do movimento. O tamanho do apartamento, por sua vez, é determinado pela composição da família.
Em outubro do ano passado, o Ministério Público Federal abriu investigação sobre o sistema de pontuação. O procurador da República José Roberto Pimenta Oliveira recomendou a anulação da portaria que permite aos movimentos de moradia adotar critérios adicionais para escolher quem participa do programa.
Guilherme Boulos, coordenador do MTST, diz que os critérios adotados pelo governo não são neutros ou justos. “Quem conhece o cadastro habitacional dos municípios sabe que isso é curral eleitoral de prefeito, de vereador, de grupos de interesse mais diversos. O Ministério Público deveria dedicar um pouco do seu tempo precioso para investigar o que são os cadastros das secretarias de habitação”, diz Boulos.
Boulos diz que é legítimo o movimento estabelecer critérios para saber quem participa ou não de suas atividades. “Você faz parte de um movimento e está lá diariamente. Como vou saber se você faz isso ou se você é um aproveitador que chegou agora? Como eu vou saber quem diz estar no processo só para ser atendido? Isso é uma forma de impedir o oportunismo de quem tenta se infiltrar em qualquer organização, em qualquer luta social.”
Aparentemente, as críticas do MPF não desencorajaram o governo a investir no programa. Em meio às intensas manifestações feitas pelo MTST antes da Copa do Mundo, e com a perspectiva de elas durarem até as eleições de outubro, o governo federal atendeu ao movimento e anunciou na segunda-feira 9 a ampliação do MCMV Entidades.
Hoje, cada entidade pode construir mil unidades simultaneamente dentro do programa. Com a mudança, cada uma das organizações poderá construir 4 mil. Do total de 800 mil moradias previstas na nova fase do programa, até 80 mil poderão ser produzidas dentro do MCMV Entidades, considerando o número dos movimentos que já estão cadastrados pelo Ministério das Cidades.
Enquanto isso, o movimento segue com a construção. Além da primeira entrega em julho, a perspectiva é de entregar o dobro de unidades até o final do ano. Com as chaves nas mãos, surge o risco de desmobilização daqueles que já conseguiram sua moradia.
Lima, que milita há sete anos no MTST, diz que deverá continuar a participar do movimento. “Ser do movimento é igual a ser corintiano: é só uma vez na vida, e aí vai até morrer. Você entra no movimento uma vez, pensando só em lutar pela moradia. Aí vê outras coisas: luta por transporte, saúde, educação, por tudo. Ou seja, não saio mais.”
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