DIEGO ZANCHETTA - O ESTADO DE S.PAULO
08 Junho 2014 | 02h 01
No prédio do antigo Cine Marrocos, na região central de São Paulo, 475 famílias pagam R$ 200 mensais ao Movimento dos Sem Teto do Sacomã (MSTS), criado em setembro de 2013 e responsável por sete ocupações. Dos sete andares, três estão reservados só para estrangeiros. Haitianos, o grupo mais numeroso, somam 52 famílias e ficam no segundo pavimento. Camaroneses e dominicanos estão logo acima, no terceiro. No quarto ficam peruanos, bolivianos e venezuelanos. Gays e travestis foram agrupados no quinto andar.
Às vésperas da Copa do Mundo, estrangeiros moradores de ocupações, incluindo imigrantes de Serra Leoa, por exemplo, que participaram de conflitos armados em seu país, estão escalados na linha de frente dos protestos de sem-teto marcados para acontecer na cidade a partir de terça-feira.
Atualmente, 17 movimentos de luta por moradia - entre eles Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Luta por Moradia Digna (LMD), Movimento Moradia Para Todos (MMPT) e Frente de Luta por Moradia (FLM) - pressionam vereadores a incluir no novo Plano Diretor proposta que reserva novos terrenos para a construção de conjuntos populares, até mesmo em áreas nobres e de preservação ambiental. Os atos prometem mais uma vez parar o centro, como vem acontecendo há três meses.
Para conseguir entrar em algum programa habitacional, como o Minha Casa Minha Vida, porém, o estrangeiro precisa ter pelo menos 5 anos de residência fixa e legal no Brasil, além de filho matriculado em escola, entre outras exigências. É essa esperança que move o haitiano Wadson Jean, de 34 anos. No País desde 2011, ele quer arrumar logo uma mulher e ter um filho. Jean mora no prédio do Cine Marrocos desde o fim do ano passado e já viveu em duas favelas. "Não perco um protesto", afirma o haitiano.
Os principais movimentos estimam que africanos e latinos representem hoje 10% dos moradores dos 50 prédios da região central que viraram ocupações desde outubro de 2012. Segundo a Prefeitura, são 20 mil moradores fixos nos edifícios - 2 mil são estrangeiros.
Africanos que perambularam nos últimos anos em favelas da zona leste encontraram refúgio nos prédios invadidos do centro, onde as mensalidades cobradas dos movimentos de sem-teto variam de R$ 30 a R$ 220, valores bem mais baixos do que o aluguel na periferia. O mesmo aconteceu com bolivianos e peruanos que moravam em cortiços e pensões na região central.
Os camaroneses também não param de chegar às ocupações. Sylvie Aristide Tchocgnia, de 30 anos, está no País desde 2012. Em seu apartamento de 30 metros quadrados no Cine Marrocos chama a atenção um longo sofá vermelho e dois tapetes aveludados verdes, com estampa de tigre. "Minha patroa que deu o sofá. Ela veio aqui. Nem acreditou na organização do prédio, na limpeza. Os tapetes eu trouxe de Garoua", relata a camaronesa, citando sua cidade natal.
Sylvie mora com a filha de 3 anos e trabalha na limpeza de uma galeria comercial da Rua São Bento. Antes, ela morou por 15 meses em uma favela no Jaçanã, na zona norte. "O pessoal nos bairros tem preconceito com a gente", diz.
Sonho. Os estrangeiros também ocupam andares inteiros no número 138 da Rua Marconi, no 10 da Avenida Rio Branco e no 908 da Avenida Ipiranga. Eles afirmam se sentir mais "confortáveis" com pessoas da mesma nacionalidade. Muitos dizem ter sofrido preconceito em outras áreas da cidade.
A divisão, segundo as lideranças, facilita a convivência das famílias e a divisão de tarefas. "São pessoas sofridas. Chegaram ao País sem condição de trabalhar ou alugar um imóvel. Eles se sentem mais amparados quando estão perto de parentes", afirma a líder Welita Caetano, de 29 anos.
Prestes a completar 5 anos de Brasil no dia 9 de setembro, o casal de peruanos Carmem Paredes, de 32 anos, e seu marido, Richard Torres, de 33, não deseja mais nada na vida além de uma casa própria. Eles moram com o filho, Luis Gustavo, de 4 anos, e nunca faltam em protestos do MSTS. "Quando não consigo ir, por causa do filho, meu marido vai. A gente não falta em nenhum. O próprio artigo 6.º da Constituição assegura moradia a todos os cidadãos do País, não diz que estrangeiro não pode", afirma Carmem, repetindo um mantra adotado pelos moradores de ocupações do centro.
O texto constitucional é repetido também pelos moradores de andares reservados a homossexuais e idosos. "Eu fiquei 15 dias acampado na frente da Prefeitura no ano passado, quando cortaram nossa luz. Eu vou para todo protesto. Todo mundo tem direito à moradia digna", diz Alessandro Feitosa, de 38 anos, que trabalha no Aeroporto de Cumbica e decorou seu quarto no Cine Marrocos com capas de gibis. Antes ele morava em um albergue na zona norte.
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