quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Estado de SP está mais violento do que era há 20 anos? Veja como o crime evoluiu no Estado, OESP

 O Estado de São Paulo registrou queda de homicídios e roubos em 2023, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública divulgados na sexta-feira, 26, mas revelam também uma alta de estupros e feminicídios.

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Os registros criminais no Estado têm divulgação uniformizada desde 2001, ano em que se iniciou a série histórica comparativa levada em conta até hoje para analisar a variação dos indicadores.

Desde então, cada tipo de crime se comportou de modo distinto. No caso dos homicídios, a tendência geral é de queda. Nos crimes patrimoniais, como furtos e roubos, o patamar hoje é mais elevado do que há duas décadas.

A seguir, sete gráficos mostram essa variação no período.

Homicídios

Ao todo, houve 2.728 assassinatos em cidades paulistas ao longo de 2023, enquanto no ano anterior o número havia ficado em 3.044. O dado é o menor desde que os registros passaram a ser divulgados de modo uniformizado, em 2001. Naquele ano, 13.133 foram vítimas de homicídio doloso, dado que vem caindo paulatinamente desde então.

Especialistas apontam que a hegemonia do Primeiro Comando da Capital (PCC) no mercado de produtos ilegais do Estado, principalmente no tráfico de drogas, ajuda a explicar a ausência de confrontos volumosos que poderiam afetar o indicador total de homicídios.

Em outros Estados, é a disputa entre diferentes facções que desencadeia mortes e ciclos de vingança, fazendo o quantitativo de vítimas subir, como mostra estudo de pesquisadores de várias universidades sobre a dinâmica do sobe-desce de homicídios no País.

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Já a polícia paulista destaca a sua capacidade investigativa e a prisão de criminosos contumazes como responsáveis pela queda dos registros ao longo dos anos.

Padrão de queda também foi notado nos crimes de latrocínio (roubo seguido de morte), ainda que de maneira menos uniforme. A partir de 2011, os registros passam por uma alta e só voltam a cair de forma consistente em 2017.

Estupro

Os dados em queda contrastam com resultados negativos em outras áreas. O Estado teve 14.504 casos de estupro no ano passado, o maior número da série histórica para esse crime. É um aumento de 9,55% ante 2022.

Dos 14,5 mil registros, 11,1 mil são referentes a estupros contra pessoas vulneráveis (crianças, adolescentes e outras vítimas consideradas incapazes de defesa). Especialistas apontam que esse tipo de crime tem alto índice de subnotificação. Em grande parte dos casos, o autor do abuso é familiar ou conhecido da vítima.

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“Envolve muito mais do que apenas o crime em si, mas toda uma situação que faz com que essa vítima tenha vergonha, medo e não entenda que está sendo vítima desse tipo de crime”, afirma ao Estadão a delegada Jamila Ferrari, que coordena as delegacias da mulher de São Paulo.

Além disso, os registros de crimes dessa natureza têm a influência de mudanças legislativas. A partir de 2009, o crime de estupro passa a englobar mais práticas criminosas que antes não se enquadravam na denominação. A alteração faz o número de casos saltar.

Jamila lembra também que, até setembro de 2018, o crime de estupro dependia de representação da vítima, o que fazia com que as denúncias fossem ainda mais restritas. “Antes, as vítimas que tinham que, efetivamente, pedir para a polícia investigar, ir atrás e denunciar os seus agressores”, disse.

O Estado tem 140 Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs), mas só 11 funcionam durante 24 horas. O governo federal editou lei para que todas as DDMs funcionem ininterruptamente, mas o governo estadual não tem prazo para se adequar à norma.

Para a diretora executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, as DDMs precisam ser integradas a outras áreas. “Sabemos que os casos chegam na saúde, na escola, casos de crianças e adolescentes, e é preciso uma política para fazer a articulação com outras pastas. A segurança pública está focada na PM, em ações de visibilidade. Os crimes sexuais ficam em segundo plano.”

Roubos

Os números da SSP mostram que o Estado registrou 228.028 roubos, o equivalente a 624 crimes dessa natureza por dia. O número é 6,2% menor do que o registrado em 2022, quando foram notificados 242 mil roubos.

Ao contrário dos crimes contra a vida, que tiveram sensível queda desde 2001, os crimes patrimoniais não repetiram essa tendência. O dado de 2023, por exemplo, é maior do que o do primeiro ano da série histórica.

A partir de 2014, os registros sofrem alta significativa, o que foi justificado na oportunidade como um movimento ligado à implementação da delegacia virtual, facilitando as queixas das vítimas.

Quanto aos furtos, que se diferenciam dos roubos por serem cometidos sem violência, os dados vêm em alta no pós pandemia e chegaram ao maior número da série histórica em 2023: 576 mil casos. Em 2001, o patamar estava em 440 mil registros.

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Pesam também na alta os roubos e furtos de celulares. Além do interesse no próprio aparelho, os telefones se tornaram uma ferramenta que permite fazer transações financeiras rápidas, como o Pix.

“A maioria das pessoas não anda com dinheiro, mas leva celular e faz o Pix. Cartão de crédito não é interessante porque a pessoa consegue bloquear rápido”, afirma. “Já o celular é muito furtado porque é fácil, as pessoas usam na rua, sem pensar onde estão”, afirma Guaracy Mingardi, especialista em segurança pública e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Quando a análise se detém sobre roubo de veículos, é possível notar a queda que esse tipo de crime tem a partir de 2014. É o ano em que se implementa em São Paulo uma legislação mais dura contra desmanches ilegais, fechando o cerco contra o roubo de carros para revenda de peças, por exemplo. Desde então, os dados estão em queda, com um leve aumento em 2022.

Segundo o analista, o roubo de celular é melhor negócio para o ladrão e para o receptador. “O custo-benefício é melhor que o do carro, que envolve mais risco e as pessoas já não precisam tanto de peças usadas, o que alimentava o furto”, aponta Minguardi.

O roubo de carga, que já foi objeto de preocupação do governo ao longo da década passada, hoje observa queda. Até 2017, o padrão apontava altas consecutivas. Posteriormente, o crime passa a cair em quase todos os anos. Em 2023, a redução foi de 4%.

Governo destaca ações para redução do crime

Os dados positivos sobre homicídio foram destacados em nota divulgada pela SSP. “As reduções consecutivas são resultado das políticas criadas pela gestão para combater este tipo de delito, como o Sistema de Informação e Prevenção aos Crimes Contra a Vida (SPVida)”, afirma a pasta.

Os dados positivos sobre homicídio foram destacados em nota divulgada pela SSP. Na imagem, entrega de viaturas pelo governo
Os dados positivos sobre homicídio foram destacados em nota divulgada pela SSP. Na imagem, entrega de viaturas pelo governo Foto: Alex Silva/Estadão

Lançada em fevereiro, a plataforma, segundo o governo, automatiza os dados e “auxilia as polícias a analisarem a dinâmica criminal dos crimes contra vida, para que, desta forma, seja possível elaborar diagnósticos e planos de ações com o intuito de reduzir as mortes”.

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Outra ação para combater a criminalidade, ressaltou a pasta, “foi o aumento do policiamento ostensivo com a Operação Impacto, que colocou 17 mil policiais nas ruas diariamente”.

Sobre o patamar de estupros, o governo disse contar com 140 unidades territoriais de Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), DDMs online e 77 salas DDM em plantões policiais.

“A pasta proporciona atendimento 24h por dia, permitindo o registro de ocorrências via videoconferência com delegadas mulheres. A DDM está integrada em outras esferas governamentais, participa de operações nacionais e mantém parcerias com a Secretaria de Políticas para a Mulher, que tem, entre suas ações, o protocolo ‘Não se cale’.”

“É consenso entre especialistas que o crime - que muitas vezes acontece no ambiente familiar - é o que tem maior índice de subnotificação. Para combater este problema, o governo faz campanhas frequentes para incentivar as mulheres a denunciar os agressores”, declarou a Secretaria da Segurança.

Casa de Francisca terá bar no calçadão e cine-teatro no porão, no centro de São Paulo, FSP

 31/01/2024 Horário 15h14

SÃO PAULO

No ano em que completa 18 anos de sua criação, a Casa de Francisca —que nasceu com o apelido de "menor casa de shows de São Paulo" e se tornou um dos espaços mais celebrados da cena musical da cidade— comemora a maioridade com mais uma etapa da sua trajetória.

O Largo, novo espaço nos pés da Casa de Francisca, no Centro de SP
Criação em 3D do que será o Largo, novo espaço nos pés da Casa de Francisca, no Centro de SP - Matheus Alves/Divulgação

As novidades são um bar voltado para a rua, no calçadão do largo da Misericórdia, e um cine-teatro no porão. Serão abertas no mesmo Palacete Tereza Toledo Lara que a casa ocupa desde 2016, quando se mudou de sua pequena sede original, com capacidade para 44 pessoas nos Jardins, para a região central.

Elas se somam ao palco baixo e elegante no primeiro andar, de onde cerca de 350 shows foram vistos por 100 mil pessoas no ano passado. A ideia é levar a mesma curadoria que norteia as apresentações musicais para novas frentes —uma seleção de DJs, cinema, festas, rodas de samba e conversa e um diálogo mais afinado com as ruas do centro.

A abertura dos espaços já dá esse tom. No dia 8 de março, quando é comemorado o Dia Internacional da Mulher, Lia de Itamaracá celebra seus 80 anos em um grande show de graça e na rua, ao lado das cantoras Juçara Marçal, Alessandra Leão e Mônica Salmaso.

É uma significativa expansão que o criador do espaço, Rubens Amatto, prefere encarar como um desdobramento da história da Francisca, que já teve outro momento como esse quando migrou para o prédio.

O novo Porão que fará parte da Casa de Francisca, no Palacete Tereza Toledo Lara, em SP
O novo Porão que fará parte da Casa de Francisca, no Palacete Tereza Toledo Lara, em SP - Matheus Alves/Divulgação

"As coisas foram acontecendo de maneira muito natural. Se eu pudesse, teria ficado para o resto da vida no meu primeiro endereço, mas passamos a ter uma dimensão de que a casa precisava encontrar um espaço maior para que ela pudesse durar", conta.

A pandemia também trouxe para Amatto a noção do quanto o lugar era querido pelo público paulistano. Penando para se manter de pé, assim como muitos palcos pequenos e médios da cidade, a casa foi salva graças ao apoio massivo de artistas que já tocaram lá de uma campanha de financiamento coletivo com 1.500 mantenedores —alguns deles colaboram até hoje.

Enquanto isso, ao redor do próprio palacete que fica na Quintino Bocaiúva, lugar que nos anos 1950 era conhecido como a esquina musical de São Paulo, outros pontos não conseguiram se manter de pé.

Foi o caso da loja do térreo e o porão do espaço, que ficaram vagos. O dono da Casa de Francisca, então, decidiu tentar uma linha de crédito do governo do estado e outros esforços de arrecadação para botar em operação um palacete que fosse dedicado à cultura e à gastronomia.

"É natural ocupar mais partes de um lugar tão emblemático num largo tão importante e que foi completamente abandonado", diz Amatto.

No térreo, a casa abre o Largo, um bar regido pela discotecagem em vinil para que a cultura dos discos —vendidos por décadas na Bevilacqua, que existia ali— seja retomada no lugar.

A programação estará presente de graça de terça a sexta, aos cuidados dos DJs que mostrarão suas pesquisas de música brasileira, latino-americana e africana voltados para a rua. Aos sábados e domingos o espaço sediará rodas de samba, cirandas e outros gêneros musicais.

Embaixo, no porão, um cineteatro terá debates com temas voltados à cidade, literatura, dança e inclusão social, mas também exibirá filmes e terá festas, shows e outros tipos de apresentações. Durante o dia, enquanto a programação não se desenrola, a ideia é que o lugar esteja sempre aberto, servindo como um ponto de encontro no centro da cidade.

"Eu quero que as pessoas venham aqui e falem ‘o que tá acontecendo no primeiro andar? E no porão? E na rua?’. Que seja um espaço de convivência, com agenda muito viva e diversidade de gêneros também", diz o dono da Francisca.

Todas as novidades buscam girar em torno do estreitamento da relação do espaço cultural com as ruas do centro de São Paulo e da criação de políticas de inclusão mais firmes.

"Ocupar as ruas é o que traz segurança, e o centro tem esse potencial incrível. A gente deseja que ele esteja vivo de noite e de dia, mas também estamos atentos à discussão da gentrificação que isso traz. Temos o desejo grande de uma cidade menos impessoal e mais afetiva. Queremos ser um lugar o mais democrático e inclusivo possível", diz Amatto.

O Largo, novo espaço nos pés da Casa de Francisca, no centro de São Paulo
Imagem em 3D do que será a fachada o Largo, bar que integrará a Casa de Francisca - Matheus Alves/Divulgação

Sem churrasco, a Argentina pega fogo?, FSP

 Marcos Nogueira

SÃO PAULO

Certa vez me hospedei numa fazenda no interior da Argentina, província de Mendoza. Um lugar perdido no deserto, colado à cordilheira dos Andes, onde o único passatempo era cavalgar.

Todos os almoços e jantares consistiam em churrasco, pão, tomate e vinho; nos desjejuns, o cardápio era pão, doce de leite e café. Eu não reclamo dessa dieta, pelo contrário. Então soube que duas agentes de viagem da cidade de Mendoza chegariam na manhã seguinte. Uma delas era vegetariana.

Perguntei ao fazendeiro se estava preparado para receber hóspedes que não comem carne. Ele pensou por um segundo, esboçou um sorriso e, sem cerimônia, respondeu que tinha pão e tomate para os vegetarianos.

Morcilla (chouriço de sangue) e chinchulines (tripas bovinas) em churrasco feito na rua em Buenos Aires
Morcilla (chouriço de sangue) e chinchulines (tripas bovinas) em churrasco feito na rua em Buenos Aires - Heloisa Lupinacci/Folhapress

E assim foi, quando a hóspede vegetariana chegou.

Fiquei pensando na dureza que deve ser a vida de um vegetariano na Argentina. As ruas de Buenos Aires, sem exagero algum, têm cheiro de carne e carvão.

E agora os argentinos estão deixando de comer seu asado, não porque ficou com pena das vaquinhas. Simplesmente não pode mais pagar por carne. Passamos por isso no Brasil, mas nossa alimentação é mais variada. Seguramos bem a onda com outras comidas.

Sempre me disseram que o argentino tolera quase qualquer perrengue –o país, afinal, vive em crise permanente–, desde que não mexam no seu churrasco. Governo atrás de governo segurou artificialmente o preço da carne bovina, com receio de uma revolta popular incontrolável.

Agora o doido do Milei pagou para ver e mandou às favas o pacto social parrillero argentino, a Pax Argentina.

Óbvio que a queda livre da Argentina é bem mais grave do que um racionamento de bife de chorizo. Milei aperta o garrote no limite do estrangulamento fatal. Um comentarista chegou a sugerir, ao vivo na TV, que o povo pulasse uma refeição por dia até o pior passar.

O exemplo do churrasco, contudo, é simbolicamente destruidor. Fere a alma dos argentinos.

Por enquanto não há sinal de guerra civil. A acompanhar os próximos meses.