quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Com subsídio, SP terá escola internacional francesa de tempo integral por R$ 3.000, FSP

Fusão de colégios na Vila Mariana dará lugar ao Grand Lycée Pasteur

Angela Pinho
SÃO PAULO
Cônsul geral da França em São Paulo, Brieuc Pont recorre a um pensamento do estilista alemão Karl Lagerfeld (1933-2019) para defender a importância do ensino de francês em um mundo no qual o inglês virou pré-requisito. “Ele dizia: hoje em dia, falar só duas línguas é brega”, afirma.
Filho de diplomata e ex-aluno do Lycée Pasteur, em São Paulo, Pont, 45, é um entusiasta de um projeto milionário que será inaugurado nesta semana e pode movimentar o mercado de escolas bilíngues na capital paulista.
Trata-se da fusão do Lycée, de currículo bilíngue, com o Liceu Pasteur, com aulas predominantemente em português, ambos na Vila Mariana (zona sul de São Paulo).
A unificação, com investimento de R$ 150 milhões, incluiu a reforma do prédio da unidade da rua Mairinque, projetada por Ramos de Azevedo (1851-1928). Ela irá sediar a nova instituição, que passará a ser chamada de Grand Lycée Pasteur.
O currículo será o plurilíngue, já adotado atualmente no Lycée. Todas as aulas serão em francês, com exceção de educação física, música, língua portuguesa e história e geografia do Brasil.
Haverá ainda cursos obrigatórios de inglês e optativos de alemão, espanhol, grego e latim.
Prevista para terminar em 2023, a fusão de currículos começou em 2018, com a educação infantil, e será gradual para os já matriculados no ensino fundamental no curso brasileiro.
A mensalidade, na faixa de R$ 3.000 para período integral, ficará abaixo da média de outros colégios de elite em São Paulo, em parte porque o governo francês dá um subsídio de cerca de € 3.000 ao ano por aluno (em torno de R$ 13 mil).
Pont diz esperar que o valor seja um diferencial. “Queremos ser a melhor escola internacional com preço acessível”, afirma. Sem citar a Avenues, com unidade em São Paulo inaugurada no ano passado, ele faz referência velada à escola americana que se propõe a formar “líderes globais” e menciona a rede de liceus franceses pelo mundo.
"Vejo escola dizendo que cobra mensalidade de R$ 10 mil, mas que o aluno terá acesso a mais de cinco unidades pelo mundo”, afirma. “Nosso sistema tem 496 escolas em 137 países.”
Além do crescimento do mercado de escolas internacionais, outra motivação para a fusão foi a constatação de que outros colégios tradicionais da capital paulista, como o Bandeirantes e o São Luís, estavam em transformação, diz o diretor geral do Liceu, Cláudio Kassab.
Eles esperam que, com as mudanças, o número de alunos aumente dos atuais 1.600 estudantes para 2.500.
O objetivo é atrair um público que vá além da comunidade francesa em São Paulo.
Para isso, Pont já tem uma lista de argumentos à mão: em 2050, segundo projeções, o francês será a terceira língua mais falada do mundo, e empresas do país estão entre os grandes empregadores estrangeiros no Brasil.
“Falar inglês é o mínimo que se exige hoje. Para ter um diferencial e dominar um terceiro idioma falado por milhões de pessoas, qual escolher? Chinês, árabe? Nós propomos o francês”, diz.
Para convencer as famílias disso, haverá outro incentivo: o ensino de francês para os pais que assim quiserem e desconto na Aliança Francesa.
A escola afirma que o conteúdo em português não será negligenciado, e que o aluno será preparado tanto para vestibulares do exterior como para o de universidades brasileiras.
Além do idioma, o currículo terá ainda outras matérias com uma pitada francesa.
Em consonância com o sistema educacional de seu país, filosofia e história são consideradas matérias prioritárias, segundo Pont, para que o aluno compreenda o mundo.
“A Caverna de Platão, por exemplo, nos faz pensar na internet”, afirma, em referência à metáfora criada pelo filósofo grego, de homens acorrentados em uma gruta que pensam que a realidade são as sombras que veem projetadas.
Nesse contexto, a tecnologia tem um papel delimitado na escola. Embora esteja presente nos laboratórios, sistemas de projeção e laptops em diversas salas de aula, não é protagonista absoluta. “Como dizia [o filósofo Jean-Jacques] Rosseau, ciência sem consciência é a ruína da alma”, diz Pont. “Tecnologia é muito importante, desde que o aluno tenha consciência do que está fazendo.”
A proposta se reflete na reforma do espaço, com projeto do estúdio NPC arquitetura. O objetivo, segundo a arquiteta Maria Coccoli, foi modernizar o prédio antigo, que havia sido descaracterizado, mas manter as marcas do tempo.
Para recuperar o projeto original, a equipe fez uma pesquisa nos arquivos da prefeitura. Entre outras descobertas, encontraram vãos que haviam sido fechados para virar salas de depósitos.
Mantiveram algumas características, como o piso de peroba e o armário e a chapeleira da sala dos professores, e recuperaram ou adaptaram outras. A pintura das colunas da biblioteca foi retirada para deixar à mostra os tijolos originais. Prateleiras antigas da biblioteca foram sustentar o palco no pátio dos alunos.
Para manter o forro de estuque das salas de aula sem que o barulho dos alunos tomasse conta do ambiente, foram encomendadas placas acústicas da Suécia.
Com o investimento, a escola e o governo francês pretendem resgatar o prestígio da instituição, que tem entre seus ex-alunos nomes como a cantora Rita Lee e o maestro João Carlos Martins.
“Precisamos reconquistar esse público e mostrar que o francês é uma língua moderna dos negócios e da intelectualidade”, afirma o cônsul, para em seguida voltar a citar o estilista alemão. “Lagerfeld sabia tudo”, brinca.
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Os Brasis da nova Previdência, FSP


Reforma teria os idosos mais ricos na capitalização e os mais pobres na renda básica


O texto da Nova Previdência tem pontos positivos e negativos. A despeito da gravidade de nossos problemas fiscais atuais e das iniquidades remanescentes no sistema previdenciário em vigor, a proposta deve ser analisada sobretudo naquilo que supõe e que constrói para o futuro do país.
Nesse sentido, a pergunta a ser feita é menos "qual a economia gerada nos próximos anos", e mais, "quais tendências socioeconômicas o sistema previdenciário desenhado na proposta permitiria acomodar"?
A resposta mais óbvia é o envelhecimento populacional: quanto maior é a expectativa de sobrevida das pessoas após a aposentadoria, maior é o total de benefícios recebidos em relação às contribuições de quem está na ativa.
Para acomodar essa mudança demográfica, os sistemas ao redor do mundo têm sido reformados em três direções: adiar a idade de aposentadoria, reduzir o valor dos benefícios e/ou aumentar a contribuição de quem está na ativa.
Nos casos do aumento da idade mínima, com regra automática atrelada à expectativa de sobrevida, e das alíquotas progressivas de contribuição dos servidores, por exemplo, esse objetivo é cumprido sem prejudicar tanto os mais pobres.
Afinal, a criação de uma idade mínima atinge sobretudo quem hoje se aposenta por tempo de contribuição, ou seja, os trabalhadores que ficaram muito tempo em empregos formais.
Dado o enorme dualismo de nosso mercado de trabalho, os mais pobres já costumam se aposentar por idade (aos 65 anos para homens e 60 para mulheres), pois não conseguem acumular tempo de contribuição suficiente.
O problema é que diversos elementos da proposta não atuam apenas no sentido de se adaptar a mudanças demográficas, e sim a outras tendências —não desejáveis e tampouco inexoráveis— observadas em nossa economia nos últimos tempos, como o desemprego, a queda no grau de formalização das relações de trabalho e um dualismo cada vez maior na relação dos indivíduos com o Estado (educação e saúde privadas versus públicas, etc).
Ao aumentar o tempo mínimo de contribuição de 15 para 20 anos, o novo sistema impediria a aposentadoria de uma massa de trabalhadores pobres, sobretudo mulheres, que, além de passar muito tempo no mercado informal de trabalho, também costumam parar de trabalhar por alguns anos para cuidar dos filhos. Hoje as mulheres que se aposentam com um salário mínimo têm, em média, 15 anos de contribuição apenas.
Mas a aparente contradição entre exigir mais tempo de contribuição quando há queda no grau de formalização é denunciada em outro ponto do texto: a ideia é transferir uma massa cada vez maior de trabalhadores com menor tempo de vínculo formal de trabalho da atual aposentadoria por idade (com benefício de um salário mínimo) para o BPC (Benefício de Prestação Continuada), com valor de R$ 400 até os 70 anos e de um salário mínimo depois.
Do outro lado do abismo, a reforma abre espaço para que os mais ricos optem por poupar exclusivamente para a sua própria aposentadoria por meio de um sistema de capitalização de caráter obrigatório para quem aderir (em vez de apenas complementar), reduzindo assim a base de arrecadação do sistema de repartição e, eventualmente, o valor dos benefícios.
No dualismo abissal do Brasil previsto e estimulado pela nova Previdência, conviveriam, de um lado, os idosos mais ricos, que conseguirem poupar no regime de capitalização, e os mais pobres, que passariam a depender de uma espécie de renda básica não universal.
Laura Carvalho
Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico".
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