quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Distritão, que ajuda deputados a se reeleger, ganha força na reforma política , O Globo

BRASÍLIA - Apontado como o sistema eleitoral mais fácil para os atuais parlamentares se reelegerem, o chamado distritão pode ser adotado como modelo definitivo para as eleições de deputados e vereadores a partir do próximo pleito. As articulações de bastidores, sobretudo entre parlamentares do centrão, indicam apoio a essa mudança sem respeitar o acordo estabelecido com o PSDB e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de se adotar o sistema distrital misto a partir de 2022. O tema faz parte da reforma política, que deve ter a votação iniciada hoje em comissão especial.
Usado em apenas quatro países — Afeganistão, Jordânia, Vanuatu e Pitcairn —, o distritão elege para o parlamento os candidatos mais votados, independentemente do apoio que seus partidos recebam. Hoje, as cadeiras de deputados e vereadores são distribuídas primeiro de forma proporcional aos votos recebidos pelos partidos ou coligações e ocupadas pelos candidatos mais votados desses grupos.
No distrital misto que, pelo acordo, começaria a valer em 2022, o eleitor votaria duas vezes: em um representante de seu distrito e em um partido político, que apresentaria uma lista fechada. Metade das vagas seriam preenchida pelos distritais, metade pelos candidatos das listas. Para aprovar qualquer mudança, são necessários 308 votos entre os 513 deputados e 49 entre os 81 senadores.
TEMER APOIA O DISTRITÃO
Rejeitado em 2015 pela Câmara quando o ex-presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ) patrocinava a mudança, o distritão ganhou adeptos recentemente diante da perspectiva de uma grande renovação da Casa devido às denúncias de corrupção contra dezenas de deputados na Operação Lava-Jato. O sistema é o preferido do presidente Michel Temer. A avaliação é que o modelo favorece candidatos conhecidos, ainda mais com as regras já aprovadas que reduziram o tempo de campanha. A ideia, no entanto, era usar o sistema apenas como uma transição.
— O que eu estou tentando trabalhar é um sistema eleitoral que faça a transição em 2018 para que a gente tente chegar ao distrital misto em 2022, que atende à maioria da sociedade brasileira — afirmou Rodrigo Maia.
O líder do PMDB na Câmara, deputado Baleia Rossi (SP), sustenta que o distritão é a única alternativa possível. Deputados e senadores de diferentes partidos, da base aliada e da oposição, fizeram reunião na noite de ontem, na residência do presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), para discutir a reforma.
— A tendência é fechar com o "distritão", mesmo sem saber se haverá 308 votos em plenário. Mas este é o único caminho — disse Baleia ao chegar à casa de Eunício.
Há, no entanto, resistências na Casa ao sistema desejado pelos tucanos, movimento que começa a ganhar corpo.
— O distritão é o que aproxima mais, o que tem ampla maioria. O distrital misto não dá nem para pensar. A gente não vai aprovar isso — afirmou o líder do PTB, Jovair Arantes (GO), um dos principais líderes do centrão.
Parlamentares desse grupo afirmam que a derrubada do distrital misto pode acontecer de duas formas: na votação da reforma política agora ou, eventualmente, na próxima legislatura.
— A verdade é que tem gente querendo só enganar o PSDB. Vota agora como eles querem e depois tira o misto — afirmou um líder do centrão.
ALCKMIN CRITICA NOVAS REGRAS
Autor da emenda que institui o "distritão", o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) rebate as críticas e minimiza o fato de apenas poucos países periféricos adotarem este modelo:
— O povo não tem mais controle sobre o que se passa na Câmara e passará a ter, fiscalizando. Aliás, o povo já pensa que é assim, que quando são dez vagas entram os dez mais votados.
A adoção desse sistema é criticada mesmo por correligionários de Miro, como Alessandro Molon (Rede-RJ):
— A Câmara está voltada para impedir a renovação. Esse sistema piora em muito a representatividade, porque grande parte dos votos são simplesmente jogados no lixo, sem ajudar a eleger alguém por um partido.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) é outro que já fez críticas severas ao modelo:
— Distritão é um absurdo. O nome está errado, não é distritão, é estadão, é o estado inteiro, a campanha fica mais cara.
Os debates na Câmara abrangem também o financiamento público de até R$ 4 bilhões para campanhas e a cláusula de barreira para retirar benefícios de legendas com menos de 1,5% dos votos válidos para deputado federal em nove estados.


Leia mais: https://oglobo.globo.com/brasil/distritao-que-ajuda-deputados-se-reeleger-ganha-forca-na-reforma-politica-21685113#ixzz4pFpNHzsv 
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segunda-feira, 7 de agosto de 2017

‘Defender la Tierra’ põe Brasil líder em mortes por conflitos fundiários, OESP (pauta AL)


Relatório da Global Witness revela que em 2016 País registrou 49 assassinatos de defensores do direito à terra e faz recomendações para conter a violência no campo






Luiz Vassallo e Julia Affonso
07 Agosto 2017 | 20h09

Foto: Repdorução
O relatório “Defender la Tierra – Asesinados globales de defensores/as de la tierra y el medio ambiente en 2016”, produzido pela Global Witnesss, indica que embora os conflitos agrários sejam um fenômeno mundial, 60% das mortes no campo em 2016 ocorreram na América Latina. O documento mostra que o Brasil lidera o ranking de assassinatos (49), seguido por Colômbia (37), Filipinas (28), Índia (16), Honduras (14), Nicarágua (11), República Democrática do Congo (10), Bangladesh (7), Guatemala (6) e Irã (3).

Documento

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Os dados foram divulgados pela Assessoria de Comunicação e Informação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.

A Global Witnesss é uma organização internacional que avalia vínculos entre conflitos e a exploração de recursos naturais, pobreza e direitos humanos.
Desde que a instituição passou a publicar seus dados, este foi o ano com maior registro de mortes, ‘evidenciando uma tendência de expansão preocupante’. “Enquanto o relatório de 2015 apontou casos semelhantes em 16 países, em 2016 o número saltou para 24 nações”, destaca a Global Witnesss.
Segundo o documento, a onda de violência ‘é impulsionada por uma intensa luta pela terra e recursos naturais, com destaque na atuação de grandes empresas, sendo a mineração o setor mais mencionado’.
“À medida em que mais projetos de extração foram impostos às comunidades, muitas das pessoas que se atreveram a levantar a voz e a defender seus direitos foram brutalmente silenciadas”, aponta o documento.
De acordo com o estudo, o Brasil ‘tem sido sistematicamente o país mais funesto para defensoras e defensores do meio ambiente e da terra’.
“Apesar do chocante e crescente número de assassinatos, o governo brasileiro tem, na verdade, diminuído a proteção a defensores ambientais”, denuncia a Global Witness ao criticar o que classifica de ‘desmantelamento do Ministério dos Direitos Humanos e o Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, que conta com poucos recursos e é ineficaz’.
O relatório traz uma série de recomendações a governos e atores do sistema de justiça para o desenvolvimento de ações voltadas à prevenção e enfrentamento ao problema.
Entre elas, a necessidade de que os poderes públicos ‘adotem medidas para reconhecer o importante papel dos defensores do direito à terra, proporcionando condições para sua atuação e proteção’.
O documento também pede que os envolvidos em ações de violência ‘sejam responsabilizados e que o direito à terra seja respeitado e protegido, especialmente áreas indígenas e de comunidades tradicionais’.
A necessidade de ações voltadas ao combate à violência no campo e à proteção do direito à terra tem mobilizado esforços da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal.
Uma das primeiras medidas adotadas pela nova gestão da Procuradoria assumida em 2016 foi a instalação do Fórum por Direitos e Contra a Violência no Campo. Inspirado em experiência da década de 1990, o colegiado ressurgiu como ‘agente articulador dos diversos segmentos afetados pelo encolhimento dos espaços de diálogo e pela desarticulação de estruturas voltadas à questão do campo no Brasil’.
“O diálogo estabelecido com os movimentos e organizações que atuam na área subsidiou a atuação da Procuradoria Federal dos Direitos para cobrar de órgãos governamentais ações para impedir o desmonte de políticas públicas destinadas à reforma agrária, à delimitação das terras dos remanescentes das comunidades quilombolas e à promoção do desenvolvimento sustentável dos agricultores rurais familiares”, diz a Procuradoria.
COM A PALAVRA, O GOVERNO FEDERAL
A reportagem enviou e-mails para o Ministério da Justiça e para a Secretaria Nacional de Direitos Humanos. O espaço está aberto para manifestação.

O UTOPISTA, Piauí

Carvalhosa (ao centro): Estimulado por amigos a se candidatar, ele aceitou na hora. “Eu sou assim, meio doido.”FOTO: DIVULGAÇÃO
Na noite de quarta-feira, 2 de agosto, enquanto o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, anunciava em Brasília o fim da votação que sepultou a investigação contra o presidente Michel Temer – acusado de corrupção passiva –, o advogado paulista Modesto Carvalhosa também dava o seu recado no palco do Colégio Rio Branco, em Higienópolis, São Paulo. Preparava-se para um discurso de agradecimento por ter sido condecorado com o Título Paul Harris, a mais distinta homenagem a um integrante do Rotary International. Naquele momento, alguém cochichou o placar: 263 a favor do arquivamento da denúncia, 227 contra. Carvalhosa murchou. Ele esperava ao menos um empate, o que, acreditava, fortaleceria seu plano de se tornar presidente do Brasil.
O advogado e professor aposentado do Largo de São Francisco já esperava pela absolvição de Temer. “Só que é aquela coisa, é como um paciente terminal: a gente sabe que vai morrer, mas quando morre, fica o choque”, comparou. Sem partido, sem coligações e com rasos apoios na classe política, Modesto Carvalhosa, de 85 anos, óculos de armação redonda e um bigode vistoso completamente branco, acredita que o Brasil depende dele para sair da crise política que parece não ter fim. Em seus planos, Temer – que ele ainda acredita que vai ser afastado por conta de outros processos – sai da presidência, ele é eleito presidente interino e faz as reformas que o país precisa antes das eleições de 2018. “A conjuntura política é tão imprevisível que essa possibilidade tem que ser perseguida. A campanha é para valer.”
A seu ver: formular uma nova Constituição – a ser levada a cabo pelo próximo presidente –, eliminar o foro privilegiado, adotar o voto distrital puro, extinguir os cargos de confiança, acabar com o fundo partidário, pôr fim a emendas parlamentares e proibir coligações. A vitória de Temer na Câmara, para ele, é apenas uma batalha de uma longa guerra. “Ele pode ser alvo de outras denúncias, ou renunciar”, disse-me depois do evento.

Olançamento oficial da campanha Carvalhosa Presidente – que começou há dois meses – aconteceu no último domingo de julho. Fazia 22 graus na Avenida Paulista quando ele subiu em um caminhão de som e discursou como postulante à Presidência do Brasil. Com ele estava Hélio Bicudo, jurista signatário do pedido que deu origem ao processo de impeachment de Dilma Rousseff. Carvalhosa vestia um casaco com o zíper aberto que deixava à mostra uma camiseta com a inscrição “Quero um Brasil Ético”.
“Precisamos fazer com que o povo brasileiro volte a acreditar que é possível viver neste país”, disse ao microfone, mexendo vigorosamente as mãos. Foi aplaudido por algumas dezenas de pessoas, amigos e conhecidos em sua maioria. “O poder está nas mãos do crime!”, bradou do caminhão de som, para mais aplausos.
O discurso daquele domingo foi seu primeiro compromisso público como candidato. A fala indomada no caminhão de som não parecia ter saído do mesmo sujeito afável e de riso fácil que me atendera uma semana antes, por telefone, quando eu me propus a acompanhar os dias que antecederam o lançamento oficial de sua campanha. Depois de topar a proposta, ele disse: “Mas você não vai dormir comigo, não, né?”
Nos encontramos na manhã da terça-feira anterior ao evento na Paulista, numa sala entulhada de imagens de santos com feições de agonia, no Santuário Nossa Senhora Mãe de Deus. Carvalhosa chegara antes, acompanhado de parte de seu comitê – cerca de quarenta pessoas que têm tarefas administrativas, de divulgação e de levar o advogado aos compromissos.
O bispo emérito da Diocese de Santo Amaro, Dom Fernando Antônio Figueiredo, nos esperava. Ele é “um homem muito influente na Cúria”, disse-me um assessor do candidato, “em uma entidade [a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil] que só faz política”. A dupla conversou por meia hora.
“Viu a pouca-vergonha que é um deputado usar jatinho da FAB, bispo?”, provocou Carvalhosa, saindo do tom de voz quase sempre sereno para comentar o uso de aviões da Força Aérea Brasileira por Rodrigo Maia. O bispo emérito balançou a cabeça e comentou: “Não se respeita mais ninguém hoje em dia…” Carvalhosa seguiu: “E o aumento da velocidade nas marginais, que o Doria permitiu? Uma infantilidade!” O bispo consentiu sem dizer nada.
O encontro deu o tom do que seriam os demais compromissos do candidato durante a semana: assuntos genéricos jogados ao vento, conversas rápidas e nenhum pedido de apoio formal à candidatura. Ao se despedir, o bispo recitou a bênção de São Francisco de Assis. Carvalhosa, que é ateu, ouviu ainda um Pai-nosso antes de sair do local.
“Ele não quer propriamente angariar apoio à candidatura”, disse a jornalista Ana Pessoa, assessora do comitê de campanha, “mas quer cavar espaço, tornar nossas pautas relevantes.” É uma campanha de meio expediente: as reuniões acontecem nas horas vagas, fora da agenda de compromissos jurídicos “para não prejudicar o ganha-pão do professor”, comentou a advogada Beyla Fellous, integrante do grupo  que gravita em torno de Carvalhosa, a maioria gente do direito – todos trabalhando sem remuneração, segundo ela. O expediente em meia fase é também justificado pela idade do postulante ao cargo. “Não há condições de fazer uma campanha exaustiva. No meu caso, é uma questão de curto prazo. Força e energia eu tenho. Dizer que velho não tem condições é bobagem.”
No caminho de volta do santuário, no carro, o candidato fez uma pergunta retórica: “Quer coisa mais cafona que essa busca por poder?” Poucos escapam de suas críticas. Na intimidade, ele gosta de usar o adjetivo “idiota” – com a letra ó bem aberta – para se referir a alguns políticos, entre eles Michel Temer, os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Fernando Henrique Cardoso, o deputado federal Jair Bolsonaro e o prefeito de São Paulo, João Doria. “Poderrr Legislativo, Poderrr Executivo…”, exagerou, impostando a voz nos erres.

Acorrida pela vaga aberta com uma eventual cassação ou renúncia de Michel Temer começou na tarde de 25 de maio, entre taças de vinho e de tiramisu, no salão do restaurante Santo Colomba, nos Jardins. Os advogados e juristas que ali se encontram todas as quintas-feiras – alguns renomados, como Flávio Bierrenbach, ex-ministro do Superior Tribunal Militar, e José Carlos Dias, ministro da Justiça no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso – estavam estupefatos com a divulgação, dias antes, da gravação de Joesley Batista, sócio da JBS.
O áudio potencialmente incriminatório “nos deu a impressão de que a queda [do presidente] seria iminente”, afirma Carvalhosa, com voz de confessionário.
Os amigos confabulavam sobre o descalabro de uma eleição direta – “o que seria completamente inconstitucional, um verdadeiro golpe”, segundo Fellous, presente à mesa. Também tratavam de como não havia, na classe política, personagem algum com retidão moral, na visão deles, para o exercício do cargo que logo vagaria. Semanas antes, um manifesto em favor de uma assembleia constituinte, assinado por Carvalhosa, Bierrenbach e Dias, foi publicado no jornalO Estado de S. Paulo.
No texto, eles defendiam que o sistema político-constitucional precisa mudar, por seguir um “modelo obsoleto, oligarca, intervencionista, cartorial, corporativista e anti-isonômico, que concede supersalários, foros privilegiados e muitos outros benefícios a um pequeno grupo de agentes públicos e políticos”.
A conclusão era óbvia: o candidato teria de vir da sociedade civil, não da classe política. Um dos advogados, Thiago Neves, levantou-se da cadeira e improvisou um discurso inflamado sobre os três grandes nomes do direito ali presentes, e como um deles deveria assumir a tarefa de conduzir o país até 2018. “E não aceitaremos não como resposta”, finalizou Neves, aclamado pelos pares. Dias, então, decretou: deveria assumir o fardo aquele de maior idade. Todos olharam para Modesto Carvalhosa.
“Fiquei chocado”, contou o advogado, esbugalhando os olhos verdes. “Nunca poderia imaginar que alguém me faria uma proposta assim. Mas eu disse ‘topo’, na hora. Eu sou assim, meio doido”, contou, na noite de quarta-feira, quando me recebeu para uma conversa em sua casa de aproximadamente 450 metros quadrados em Pinheiros. Com um jazz suave vindo de uma caixa de som na estante, ele contou sobre o início frenético da candidatura.
Eram quase cinco da tarde quando o grupo reunido no Santo Colomba rumou para o escritório de Carvalhosa, em Pinheiros. Havia um senso de urgência na proposta – que, vista de fora, parecia apenas um delírio entre amigos. A primeira medida foi caseira: avisar a tradutora Claudia Silveira Corrêa, mulher de Carvalhosa há vinte anos. “Quando ele me ligou falando que havia aceitado ser candidato à Presidência eu fiquei zonza. Deu medo”, disse ela, sentada no sofá próximo à vidraça que dá para o jardim da casa. “Fiz apenas uma exigência: nossa residência não viraria comitê de campanha”, lembrou, aos risos.
Naquela noite de maio, alguns dos advogados passaram a ligar para seus contatos na imprensa. Pontualmente às 19h11, a primeira nota: trinta palavras no site de política O Antagonista. Algum tempo depois, o Estadão publicou declarações de Carvalhosa sobre o assunto. Nove horas separaram o sim do jurista de sua primeira entrevista como candidato à Presidência.

No dia seguinte, Carvalhosa se encontrou com empresários e médicos em um evento anual promovido pela Unimed paulista. Sua apresentação fora marcada havia meses, antes do anúncio da candidatura. Foi convidado como advogado, mas aproveitou o evento para se apresentar como potencial chefe de Estado.
Das cinquenta pessoas acomodadas no anfiteatro asséptico de um prédio na Alameda Santos, no Jardim Paulista, aquelas que não estavam absortas nos celulares puderam ouvi-lo falar sobre como “Luís XIV ficaria com inveja da classe política brasileira”, como “partidos são organizações criminosas”, como “a rejeição a políticos de carreira é um fenômeno mundial”, como “é preciso acabar com a profissão de político; são vagabundos que não fazem nada para o interesse público”.
O discurso pareceu pouco sedutor para os presentes. Dois dirigentes comentaram entre si, lançando mão de jargões médicos: “A doença está diagnosticada corretamente, mas a questão que fica é qual procedimento que deve ser adotado.”
Da plateia, Alexei Gobbi, médico urologista e vice-presi​dente do Conselho de Administração da Unimed de Porto Alegre, emergiu com o microfone em mãos. “Até Jesus Cristo se corromperia com a classe política que nós temos”, disse. Todos concordam com a cabeça. Publicamente, no entanto, nem a Unimed e nenhum dos presentes declarou apoio ao candidato.
Saímos de lá e andamos algumas quadras no mesmo bairro para o segundo encontro do dia, um almoço com o historiador Marco Antonio Villa, a colunista de direita Joice Hasselmann e o repórter Thiago Uberreich, todos da rádio Jovem Pan. Augusto Nunes, uma das estrelas da programação da emissora conservadora, também fora convidado, mas faltou.
A prisão do ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras, Aldemir Bendine, era a notícia da semana e dominou a conversa inicial. Entre pratos de rabada desfiada com creme de mandioca e taças de vinho no restaurante Santo Colomba, Villa disse: “Acho que podemos aplicar aí o pensamento lombrosiano.” O mais falante dos convidados se referia ao italiano Cesare Lombroso, famoso por seus estudos que determinavam, erradamente, que criminosos poderiam ser reconhecidos pelo formato do rosto. “Aquele ali tem cara de corrupto, e é corrupto”, anotou Villa. “Ele e muitos outros”, complementou Carvalhosa, sem citar nomes.
Hasselmann parecia a mais curiosa sobre o motivo central do almoço, especialmente sobre a viabilização jurídica de uma candidatura avulsa, sem vínculo partidário. “Pela Constituição, a filiação é uma exigência para concorrer a uma eleição”, lembrou. A advogada Beyla Fellous, assistente de Carvalhosa e presente à mesa, contesta com voz imponente: “O Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, prevê o direito fundamental de todo cidadão votar e ser votado”, disse, “e o Supremo Tribunal Federal já tem entendido que essa convenção se sobrepõe à Constituição, quando é mais benéfico ao cidadão.”
Villa sugeriu a Carvalhosa que concorresse ao Senado: “Por que o senhor não se candidata em 2018?” Carvalhosa respondeu de pronto: “Porque eu não conseguiria fazer as mudanças que quero como senador. Eu quero implodir esse sistema.” Todos riram.
Ao final, nenhum dos presentes declarou apoio, e Carvalhosa pagou sozinho a conta de mais de 2 mil reais. Antes de se despedirem, Hasselmann aproveitou para marcar uma entrevista para seu programa na rádio. “Eu o consideraria uma opção”, me disse a colunista, dias depois, por telefone. Entretanto, ela descartou suporte explícito: “Como colunista de política, não posso apoiar ninguém.”
Marco Antonio Villa, também por telefone, disse não ter se convencido. “A candidatura é inócua. Seria mais eficaz ele centrar fogo em dois, três princípios, para melhorar a qualidade do gasto público, pressionar isso no Congresso Nacional.” O almoço encerrou a agenda do dia.

Apesar das críticas ao cenário político, Carvalhosa sabe que, como candidato sem partido, deve conquistar deputados e senadores, seu eleitorado no caso de um pleito indireto. Ele faz pouco, no entanto, para intensificar o corpo a corpo com os parlamentares. Não se encontra deliberadamente com caciques pois “esses não me dariam ouvidos”. Um dos poucos políticos com quem mantém interlocução é o deputado tucano de Goiás Fábio Sousa. “Poucos de nós aceitariam um candidato da sociedade civil’, disse o deputado, por telefone.
Carvalhosa encontrara com ele em Brasília havia pouco mais de um mês, numa reunião em seu gabinete. “A maioria vai entrar nessa [eleição indireta] pensando em [eleger um] parlamentar”, disse Sousa.
Ele se mostra alinhado aos planos do advogado. “Tinha que ser alguém da sociedade civil, e o nome dele é bem interessante. Ele é um dos maiores juristas do país. Sou entusiasta da ideia.” Até agora, no entanto, Sousa não declarou apoio público. “Seria precipitado”, alegou.
Outro deputado que mantém afinidade com o candidato é o também tucano Pedro Cunha Lima, da Paraíba. Por telefone, ele disse não garantir o voto em Carvalhosa. Confessou, porém, estar alinhado com o plano de abertura eleitoral para candidatos sem partido. “A carência na política é tão grande que o único manifesto que um cidadão pode fazer hoje é receber Bolsonaro no aeroporto.”
O candidato foi duas vezes a Brasília para uma rodada de conversas com parlamentares – sem revelar os nomes dos interlocutores. Planeja agora uma terceira viagem para os próximos dias. Numa dessas idas, encontrou-se com o senador Cristovam Buarque. Combinaram um café na capital paulista e, há cerca de um mês, almoçaram no restaurante da Universidade de São Paulo, para que Carvalhosa pudesse expor suas ideias. Buarque se mostrou moderadamente interessado.
“Apoio o fato de alguém de fora da política se lançar candidato, essa predisposição que ele tem…”, disse, por telefone, medindo as palavras. “Se houver eleição indireta nós devemos escolher alguém de fora da classe política, alguém da sociedade civil ou do Poder Judiciário. Nós fizemos o impeachment [de Dilma Rousseff] e, se agora escolhermos um de nós… Imagine se for escolhido um que foi a favor do impeachment? Pegaria muito mal…”

“Ruth tinha muita integridade, muito caráter, foi extraordinária”, disse o candidato quanto fatiava um bolo de chocolate na tarde de sexta-feira, sob o olhar opaco de Ruth H. M. Leão, personagem retratada por Candido Portinari em um quadro pendurado na parede de seu escritório, uma espaçosa sala no 10º andar de um prédio espelhado no bairro Cerqueira César. Carvalhosa, no entanto, não se referia à personagem do artista, mas à ex-primeira-dama Ruth Cardoso.
Eles mantinham uma grande amizade, surgida ainda na década de 70, quando o jurista era presidente da Associação dos Docentes da USP e ela, acadêmica da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. A relação entre ambos foi fator preponderante para que Carvalhosa aceitasse ajudar Fernando Henrique Cardoso durante a campanha à Presidência em 1994.
Na época, com o fracasso da CPI Mista do Orçamento – que cassou apenas seis dos dezoito parlamentares acusados de fraude e desvio de recursos públicos –, o jurista integrava um grupo de notáveis da sociedade civil convidados pelo então presidente Itamar Franco para encontrar mais irregularidades no Governo Federal.
O trabalho deu algum resultado: a comissão descobriu, por exemplo, que contratos semelhantes firmados entre o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem e uma mesma empreiteira podiam ter valores com diferenças de até 1,172%. As descobertas, contadas em O Livro Negro da Corrupção, renderam a Carvalhosa o terceiro lugar na categoria reportagem do prêmio Jabuti, em 1996.
Fernando Henrique, em campanha, estava em busca do apoio de intelectuais – “os caras da USP que apanharam na ditadura”, nas palavras do jurista – que não tivessem vínculos partidários. Queria mostrar uma espécie de união nacional para além de siglas e ideologias. Carvalhosa aceitou o convite para presidir o comitê informal  apartidário. “Fazíamos comícios e tal. Eu mais emprestava o nome, na verdade. Eu detestava política e políticos em geral, mas eu achava que Fernando Henrique iria fazer um grande governo.”
Em 1º de janeiro de 1995, ao tomar posse no Congresso, Fernando Henrique invocou o trabalho do governo Itamar Franco contra a corrupção como uma “limpeza desses parasitas”. Dezoito dias depois da cerimônia, extinguiu o grupo do qual Carvalhosa fazia parte. E, algum tempo depois, revogou o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, documento redigido por Carvalhosa para pautar a conduta dos funcionários do Planalto e que entrara em vigor em 22 de junho de 1994, por decreto assinado por Itamar Franco. O jurista se sentiu traído – ele e FHC nunca mais se falaram. “Ele é um grande sacana!”, me disse, sobre sua primeira grande decepção sobre a classe política.
A segunda ocorreu oito anos depois, quando Lula se elegeu. A convite de um amigo em comum entre ele e o então candidato petista, o jurista aceitou escrever algumas linhas sobre o combate à corrupção que Lula leria em seu discurso de posse. O petista escolheria apenas alguns trechos, mas, para a surpresa de Carvalhosa, Lula leu o texto na íntegra.
“O combate à corrupção e a defesa da ética no trato da coisa pública serão objetivos centrais e permanentes do meu Governo”, diz um trecho. “Ficamos emocionados”, lembrou Claudia Silveira Corrêa, revirando os olhos.
No primeiro semestre de 2003, com o que para o casal era um sonho de um governo redentor, o advogado recebeu uma ligação de um sujeito que queria reservar um quarto na Fazenda do Pinhal, em São Carlos, interior de São Paulo – a propriedade do século XVIII pertencia a ele e sua ex-mulher, a artista plástica Helena Carvalhosa, bisneta do conde de Pinhal. Ele e Claudia juram que não se lembram do nome do hóspede, mas é vívida a lembrança das demandas que ele fez: boa carta de vinhos e espaço para pousar um helicóptero.
Ao encontrar o visitante no dia combinado, o casal se espantou: “Era um comunista conhecido, petista roxo, tido como corretíssimo que, depois de poucos meses trabalhando no Ministério da Ciência e Tecnologia do governo Lula, já tinha virado um grande corrupto – desses que chegam dando tapinhas nas costas de todo mundo”, contou Claudia. “Ele estava na fazenda para receber o dono de uma rede de escolas. Ficaram confabulando a noite inteira. A gente sacou o que era.” O casal teve certeza, naquele momento, de que um governo do Partido dos Trabalhadores não seria diferente dos anteriores. “Acreditar que Lula salvaria o Brasil foi uma imensa ingenuidade nossa.”

Modesto Carvalhosa fora convidado inúmeras vezes para entrar na vida política – sobretudo pelo ex-governador paulista Franco Montoro, cofundador do Partido da Social Democracia Brasileira, de quem era bastante próximo. Nunca aceitou. “Aqui em casa ninguém se interessa pelo jogo da política”, disse, enquanto tirava os sapatos e esticava os dedos dos pés após o jantar em sua casa na quarta-feira. Então veio a convulsão de 2013 que, segundo o professor, teve ao menos o efeito positivo de politizar a sociedade, a ponto de fazê-la tomar as ruas.
Ele próprio participou de alguns atos à época, e se dispõe a ir para as ruas ainda hoje. No dia 13 de março do ano passado, na Avenida Paulista, em um evento promovido pelo movimento Vem pra Rua, ele discursou em um carro de som: “Vamos pedir aos deputados e senadores que ponham essa corja na rua imediatamente”, bradou ao microfone. Sua fala foi ovacionada pelos manifestantes favoráveis ao impeachment de Dilma Rousseff, e seguida por gritos de “Fora, PT”.
A aversão a partidos, ele diz, não é exclusividade de uma sigla – tanto que se negou a endossar o pedido de impeachment redigido pela advogada Janaina Paschoal, apresentado à Câmara dos Deputados em setembro de 2015. “Ela foi ao escritório com outros advogados e disse: ‘Você vai assinar aqui, é a petição de impeachment.’ Eu respondi: ‘Eu não vou assinar nada’”, narrou, com ênfase no não. Recomendou que ela fosse procurar outro jurista, no caso, Hélio Bicudo, cujo escritório ficava a cinquenta metros do seu. Bicudo acabou assinando o pedido que derrubaria Dilma e levaria Temer ao poder. Para se tornar presidente, Modesto Carvalhosa precisa de outra queda.