domingo, 30 de outubro de 2016

A anistia vem a galope - BERNARDO MELLO FRANCO, FSP


FOLHA DE SP - 30/10

BRASÍLIA - Enquanto a torcida se distrai com as eleições municipais, os deputados articulam uma nova jogada na Câmara. O plano é driblar o Ministério Público e aprovar uma anistia geral ao caixa dois. Se der certo, será um gol de placa do sistema político ameaçado pela Lava Jato.

A ideia é ousada: usar um pacote moralizador para legalizar o financiamento ilegal de campanhas. Os parlamentares prometem aprovar a criminalização do caixa dois, uma das chamadas dez medidas contra a corrupção. Parece boa notícia, mas há um detalhe. Ao proibir o trambique no futuro, a Câmara quer perdoar quem o praticou no passado.

O lance já foi ensaiado em setembro. A bola não entrou graças a deputados da Rede e do PSOL, que se insurgiram contra o acordo fechado pelos grandes partidos. Agora a anistia ameaça voltar a galope. O motivo da pressa é a delação da Odebrecht, que deve entregar mais de 200 políticos de todas as siglas.

O novo acordão para "estancar a sangria" tem o aval do governo Temer e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Na quarta (26), ele repetiu uma tese dos réus do mensalão: caixa dois e corrupção seriam "coisas distintas", sem ligação entre si.

Em entrevista a Mario Sergio Conti, na Globo News, o deputado indicou que apoia o perdão ao financiamento irregular das eleições passadas. "Nós temos que dar um corte e dizer que daqui para a frente está criminalizado", disse, apesar de a lei já prever punições ao caixa dois.

Questionado se estava defendendo uma anistia a criminosos, Maia abriu o jogo: "Alguma solução vai ter que ser dada. Eu acho que anistia é uma palavra forte". De falta de transparência, não poderemos acusá-lo.

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Na véspera da decisão entre Crivella e Freixo, brancos, nulos e indecisos ainda somavam 27% dos cariocas, segundo o Datafolha. Eles vão escolher o novo prefeito do Rio —seja por ação ou por omissão.

Curva de aprendizagem - HÉLIO SCHWARTSMAN, FSP


FOLHA DE SP - 30/10

SÃO PAULO - O eleitor é um bicho que aprende com a experiência. Talvez não o suficiente para aposentar de vez todos os demagogos que tentam ludibriá-lo nem para driblar as peças mais sutis pregadas pelo acaso, mas ele sai um pouquinho mais esperto a cada pleito que passa.

Eu não chegaria a dizer que essa curva de aprendizagem contém a salvação da democracia. Ela, porém, parece ser robusta o bastante para nos livrar de erros muito grosseiros e de populismos que já fracassaram.

Excluídas situações muito excepcionais, democracias rejeitam os candidatos mais extremistas. E isso pode ser visto como algo positivo, já que os radicais tendem a tentar fazer com que o mundo se adapte às suas teorias e não o contrário. Raramente uma teoria é tão boa que consiga dar conta de toda a realidade.

Outra propriedade notável da aprendizagem democrática é que fica difícil enganar o eleitor duas vezes com o mesmo truque. Seria improvável, hoje, alguém vencer uma disputa propondo um congelamento de preços, por exemplo. As pessoas aprenderam que isso não funciona, o que força o demagogo a pelo menos buscar novas mandracarias. Não resolve o problema do populismo, mas torna a vida menos monótona.

Algo que ficou claro neste pleito municipal, que já se insinuava em eleições anteriores, é que o cidadão está descobrindo que, se quiser, pode deixar de votar, apesar do dispositivo legal que o força a fazê-lo. Basta que se justifique ou que pague uma multa, que raramente ultrapassa o valor irrisório de R$ 3,51.

Com isso, o voto obrigatório vai cada vez mais se convertendo em justificativa obrigatória. É um sinal claro de que já passa da hora de o Congresso eliminar a anacrônica necessidade de o cidadão dar satisfações à Justiça, sob pena de transformar a eleição —momento culminante da democracia— em mais um dos inúmeros incômodos burocráticos a que o Estado submete o cidadão.

STF e PEC do gasto mostram que crescimento virou prioridade - SAMUEL PESSÔA, FSP


FOLHA DE SP - 30/10

No último mês, o Supremo Tribunal Federal se pronunciou favoravelmente sobre três temas pendentes havia muito tempo: a execução da pena após condenação em segunda instância; a não permissão da revisão do benefício previdenciário após a aposentadoria de trabalhadores que permaneceram no mercado de trabalho; e a permissão do corte da remuneração dos dias parados de servidores públicos em greve.

As três decisões caminham na direção da responsabilização dos indivíduos pelos seus atos.

A execução após a segunda instância contrabalança o fato de que as quatro instâncias da Justiça (primeiro grau e três recursais) praticamente inviabilizam a responsabilização dos indivíduos, principalmente em crimes do colarinho branco.

Estes, em geral, envolvem pessoas com acesso ilimitado a recursos e a advogados. São crimes cuja responsabilização raramente se faz baseada em provas cabais, mas sim circunstanciais. A razão é que em geral esse tipo de crime não produz provas cabais, diferentemente dos crimes violentos.

A rejeição da desaposentação fará com que o candidato a requerer o benefício previdenciário pondere com mais responsabilidade a oportunidade ou não de fazê-lo. Considere até a possibilidade de se manter no mercado de trabalho e atrasar o início da fase inativa.

Nosso sistema previdenciário é de repartição com o princípio da solidariedade, e a aposentadoria é seguro para a perda de capacidade laboral. Não se trata de sistema de contas individuais.

Finalmente, o direito irrestrito de greve, sem que o funcionário público incorra em nenhum custo, além de caracterizar férias, e não greve, dá ao servidor um poder de barganha absolutamente desproporcional. Um enorme poder de impor, sem nenhuma sanção, danos aos cidadãos comuns, em geral os mais pobres, que são os usuários dos serviços públicos.

As três decisões do STF fazem com que os custos e os benefícios das ações individuais que recaem sobre as pessoas que as praticaram se aproximem dos custos e dos benefícios dessas mesmas ações sobre a sociedade. No jargão da profissão, as três medidas alinham os retornos individuais com os retornos sociais.

Há evidências de que as sociedades que conseguiram construir marcos legais e institucionais que promovam maior alinhamento entre retornos individuais e sociais apresentam desenvolvimento sustentável no longo prazo.

Parece que a agenda da sociedade está mudando, e o STF reflete essa mudança.

Logo após a redemocratização, a agenda da sociedade foi a criação e a expansão de direitos.

Essa agenda contribuiu para gerar a hiperinflação da primeira metade dos anos 1990, mas também foi um fator de redução da desigualdade e da pobreza após a estabilização da economia.

No entanto, em todos os períodos citados, o crescimento econômico foi medíocre, com exceção de uma curta fase na década passada, em que colhemos crescimento maior em razão de diversas políticas de liberalização dos mercados. Essas políticas também têm a característica de promover melhor alinhamento entre retornos individuais e sociais.

Tanto a facilidade surpreendente de aprovação do projeto de emenda constitucional (PEC) que estabelece por dez anos um teto para o crescimento do gasto primário da União como as três decisões do STF sugerem que o crescimento econômico virou prioridade da sociedade.