sábado, 6 de setembro de 2014

O Brasil além do PIB, por Ladislau Dowbor



Entrevistador: Catia Santana Data: 02-09-2014
Entrevistado: Ladislau Dowbor
A tímida previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil tem tomando conta do noticiário econômico deste ano. O indicador que mede a soma anual dos bens e serviços produzidos,  não mede, no entanto, resultados ou progressos obtidos pelo País. Para Ladislau Dowbor, professor titular no departamento de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, nas áreas de economia e administração, formado em economia política pela Universidade de Lausanne, Suiça; Doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia (1976), consultor para diversas agências das Nações Unidas, governos e municípios , “o PIB é uma cifra que, tecnicamente, ajuda a medir a velocidade que a máquina gira, mas não diz o que ela produz, com que custos ambientais e nem para quem. É ridículo tentar reduzir a avaliação de um País a um número, isso não faz nenhum sentido”.  Em entrevista para o Jus Econômico o professor, fala dos avanços econômicos e sociais alcançados pelo Brasil nas últimas décadas, a importância de se investir nas pessoas e que apesar dos avanços que transformaram o “andar de baixo da economia” ainda há um longo caminho a ser percorrido para a redução das desigualdades do país.

Jus Econômico - Tem sido divulgado amplamente o fraco crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, em 2014. Crescimento fraco de PIB no Brasil é preocupante? Por quê?
Ladislau Dowbor - Seria bom crescer mais, ponto. Agora o objetivo fundamental é as pessoas viverem melhor, o PIB não mede os resultados, mede a intensidade de uso dos recursos. Enquanto o PIB atingiu o recorde em 2010 [ano em que fechou o ano com 7,5%], a Amazônia teve vinte e oito mil quilômetros quadrados derrubados [de floresta], isso gera atividade econômica, isso aumenta o PIB só que é nocivo para o País porque está reduzindo os estoques. Quando são jogados pneus, carcaças de fogão no rio Tietê e isso obriga o estado a contratar desassoreamento dos rios, isso aumenta o PIB. Quando aumenta a criminalidade, mais gente compra grades, cadeados e contrata gente que apita na rua, isso está aumentando o PIB. Quando se melhora o nível de saúde da população e crianças adoecem menos, compra-se menos medicamentos e há menos hospitalização, ocorre redução no PIB e não aumento. Então é importante entender que o PIB não mede resultado, mede a intensidade de uso dos recursos e as pessoas pensam que o PIB é bom porque o associam ao emprego. O que está acontecendo é uma coisa curiosa porque as pessoas ficam confusas sobre como é que o PIB, que ano passado teve crescimento razoável 2,2%, 2,3%, que está na média mundial,  este ano, talvez seja um pouco mais fraco e mesmo assim ainda temos situação de pleno emprego. Na realidade, a composição do Produto [Interno Bruto] está mudando. Nós tivemos, por exemplo, mais de três milhões de pessoas a mais que entraram nas universidades, o Pronatec está com seis milhões e meio de pessoas que passaram a estudar, tivemos uma grande expansão do ingresso na educação em geral, houve um conjunto de investimentos no nível de conhecimento da população. Quando se faz esse investimento de formar as pessoas, vai haver uma nova geração que em dez ou quinze anos será muito mais produtiva, mas o aumento da produtividade das pessoas não é hoje ele vai se dar. Enquanto essas pessoas não entrarem no mercado produtivo, nós continuaremos com uma mão de obra em que o analfabetismo funcional atinge mais de um terço da mão obra que temos o que mantém a produtividade relativamente baixa. Então, fazendo a política certa, é natural e compreensível que não reflita imediatamente no PIB porque se está investindo nas pessoas e na futura capacidade produtiva delas.
Jus Econômico - A conclusão de que um país é rico ou não, para muitos, passa muito também pela avaliação do seu PIB . O PIB é um bom indicador de riqueza de um país?
Ladislau Dowbor - O PIB não é indicador de riqueza, inclusive ele não mede sequer a riqueza. Porque para medir riqueza, se mede patrimônio. Nosso PIB não mede os US$520 bilhões de fortunas brasileiras em paraísos fiscais e não mede inclusive, a concentração do patrimônio, de quem controla a terra, de quem é dono de qual parte do país, por exemplo. O PIB mede apenas a intensidade de uso de recurso durante um ano, mede apenas o fluxo.  Quando se aumenta o estoque de riquezas do país, ele se torna mais rico.  Colocando mais carros nas ruas de São Paulo, onde fica todo mundo paralisado, gastando mais gasolina aumenta o PIB, mas não está melhorando a situação das pessoas. Quando apenas se mede quantos carros foram vendidos e quanto dinheiro circulou durante o ano e não o estoque, tem-se o Produto Interno Bruto que é uma medida anual, não mede a riqueza que é o patrimônio. Inclusive, trabalhamos com o Marcio Pochmann [economista] tempos atrás o conceito de qualidade do PIB, quando, por exemplo, se faz investimento em saúde preventiva que é muito mais produtivo e ajuda com que as pessoas não fiquem doentes, não se aumenta PIB, ao contrário. A Pastoral da Criança, por exemplo, nos quatro mil municípios onde trabalham são responsáveis por 50% da queda da mortalidade infantil isso não aumenta PIB, o que aumenta PIB é a compra de remédios, contratar ambulância e serviços hospitalares. Na realidade, o PIB é uma cifra que, tecnicamente, ajuda a medir a velocidade que a máquina gira, mas não diz o que ela produz, com que custos ambientais e nem para quem.  Os economistas que trabalham hoje de maneira séria como Joseph Stiglitz, Amartya Senden e mais um monte de gente, está revoltada com esse tipo de medida, é ridículo tentar reduzir a avaliação de um país a um número, isso não faz nenhum sentido.
Jus Econômico -   Quais elementos devem ser considerados para medir se as condições econômicas de um país são boas ou ruins?
Ladislau Dowbor – O PIB que mede apenas a intensidade do uso da máquina, mas como avaliação universal de um país, simplesmente, não serve. Quando há investimento em saúde e há menos hospitalizações, menos consumo de remédios, por exemplo, isso não aumenta o PIB. Temos o IDH, medido por municípios, como no Atlas Brasil 2013, que mede não só a renda, mas a saúde e acesso a conhecimento já é uma cifra mais equilibrada, isso que nos dá a evolução constatada entre 1991 e 2010, em que o brasileiro ganhou nove anos em esperança de vida, passou de 65 para 74 anos,  o que é uma imensa transformação. E temos indicadores não só de quantidade mas de expansão de diversos níveis na educação e da generalização do acesso à internet em 3200 municípios, que faz parte do processo de transformação que está em curso. O IDH já ajuda muito. Há indicadores mais detalhados, que saíram há dois meses atrás e pegando o ano de 2013 , em que o Brasil aparece bem na foto, que se chama Indicadores de Progresso Social (IPS), são 54 indicadores que pegam os resultados, não quanto se gasta e sim quanto se tem de resultado no que se refere ao acesso ao conhecimento, de mobilidade social, de redução das situações críticas como as de insalubridade. O Brasil aí está bem na foto, mas está mal em termos de segurança, o indicador que mais puxa o Brasil para baixo. Temos indicadores de área ambiental não suficientemente difundidos no Brasil, como a pegada ecológica, mas temos sim fragmentos indicativos que são indicadores pontuais como a redução do desmatamento da Amazônia que passou de vinte e oito mil metros quadrados em 2002 para atualmente de quatro mil e quinhentos quilômetros quadrados. Em geral, continuamos com os dois maiores desafios do Brasil, o primeiro a desigualdade, ainda somos um dos países mais desiguais do mundo, e o segundo é a destruição ambiental.
Jus Econômico - Ainda nessa linha de indicadores, qual a contribuição do Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil 2013 com relação aos indicadores utilizados.  Comente o que eles mostram sobre os municípios brasileiros.
Ladislau Dowbor - O principal é o que se observou em 1991, quando 85% dos municípios tinha um IDH muito baixo, abaixo do 0,50, e em 2010, sobraram nessa situação catastrófica, apenas 32 municípios. Como o IDH abrange tanto áreas de saúde, como educação e de renda, então trabalhamos esses elementos. A educação foi a área que mais evoluiu no Brasil, mas continua sendo a mais baixa porque era de longe o elemento mais atrasado. Isso felizmente está ocorrendo uma unanimidade no Brasil de que temos que centrar muitos esforços na educação. Nesse período, em termos de capacidade de compra real houve aumento e a cifra que se chegou foi de R$ 346, deflacionados, em termos de capacidade de compra atual, o que como renda domiciliar per capita pode parecer pouco, mas se tivermos uma família com quatro pessoas, quatro vezes R$ 346, significa que se a família está lá em baixo -  quando a família é rica não faz diferença- faz uma imensa diferença na situação da população. Isso se deve apenas em parte ao Bolsa Família, em grande parte ao aumento do salário mínimo e, com isso, indiretamente, por indexação também melhoraram as aposentadorias e se deve, digamos, ao aumento do nível de emprego. O emprego aumentou globalmente, temos o menor desemprego da história do País e, em particular, houve o aumento muito significativo de quase 20 milhões de empregos formais. A formalização do emprego ajuda muito a racionalizar toda a economia.  No Atlas [do Desenvolvimento Humano do Brasil 2013] são esses os eixos mais significativos, ainda há a saúde em que houve uma progressão de nove anos de vida, o que é um avanço absolutamente gigantesco num período tão curto. A metodologia também é interessante porque se para de olhar o PIB então se equilibra a renda e a saúde que não é só serviço de saúde porque isso é resultado das pessoas terem acesso à água limpa, do “Luz Para Todos” que permite que muitas casas que não tinham geladeira, agora podem armazenar alimentos. É um conjunto de melhorias de condições de vida, inclusive, o Minha Casa, em que as pessoas podem viver de maneira decente, tudo isso tem seus impactos. Na educação também, que não é apenas a construção de escolas são diversas formas de inclusão, inclusive, indiretas como o Bolsa Família que está vinculado a manter as crianças na escola. Criou-se uma política de estado de inclusão. É importante nessa pesquisa do Atlas 2013 que ela não compreendeu apenas a partir do governo Lula, ela começou em 1991. Vê-se que há progressos desde a década de 1990 e que se sistematizam a partir da última década. Basicamente, os avanços começam com a Constituição 1988, com a redemocratização, em que se cria um clima de regras do jogo de investimentos para o País começar a caminhar. Uma segunda evolução muito importante foi a ruptura da hiperinflação em 1994 que permitiu às empresas começarem a fazer as contas o que deu mais fôlego às áreas produtivas relativamente às áreas financeiras, que ganhavam muito com a inflação e esses avanços se sistematizam realmente a partir do governo Lula e do governo Dilma quando se transformam num processo muito amplo que não é só Bolsa Família, é Prouni, Luz para todos, Pronatec, PRONAF todos eles tiveram expansão, o aumento do salário mínimo, são basicamente 150 programas articulados que estão transformando o País.

Jus Econômico - Os indicadores específicos por município podem resultar em resolução dos problemas? Como?
Ladislau Dowbor  - Cada município precisa desenvolver sua base de dados, é a mesma coisa de quando se quer administrar bem uma empresa necessita-se de informação gerencial bem organizada. A gente conta nos dedos os municípios que tem um sistema de indicadores adequado. Nós temos um processo articulado em que pegamos as duas décadas e ficam muito mais claras as evoluções das cifras. O Indicador de Progresso Social (IPS), essa metodologia que saiu há dois meses, trabalha não só com as três áreas do IDH (saúde, educação e renda),mas com uma bateria de 54 indicadores, isso ajuda porque amplia[os indicadores], mas não são desagregados para o nível municipal. O município é a unidade básica da federação, temos 5565, se eles não são bem administrados é o conjunto do País que não funciona. O Atlas Brasil 2013 ajuda, porque além de dar o ranking em termos de IDH dos municípios, ele disponibiliza um conjunto de indicadores mais detalhados por município. Isso é um início, uma base para identificar as coisas mais gritantes de cada município, mas na realidade, temos de ir muito além, cada município tem que criar sua base de dados sistemática. Temos o sistema Orbs desenvolvido no Paraná. Temos indicadores muito interessantes desenvolvidos aqui em São Paulo através do Instituto Ethos e do Movimento Nossa São Paulo chamado IRBEM (Indicadores de Bem Estar Municipal), temos também o Indicador de Qualidade de Vida Urbana de Belo Horizonte [MG]. Muitos municípios acordaram para a necessidade de gerar uma transferência interna de quais são os problemas, quais são os potenciais e como estão sendo utilizados os recursos. De certa maneira temos que criar um conjunto de base informativa para uma gestão racional e  adequada de cada município.
Jus Econômico - O senhor defende que se os municípios são os blocos que constroem o país e que se o os municípios não funcionam, o país não funciona. Posto isso, a quantas anda o funcionamento do País partindo dos municípios?
Ladislau Dowbor - Acho extremamente desigual, mas também com muito progresso. Grande parte das iniciativas, realmente por assim dizer, não aparecem na grande mídia que não tem muito o esforço de se meter nos interiores para verificarem como as coisas estão mudando. Com a impulsão da formalização do trabalho, do programa Projeto Empreendedor individual, de acesso a muito mais renda no nível dos municípios e dos estados mais pobres isso tudo gerou condições para que os municípios acelerem o seu desenvolvimento, isso está funcionando, agora, no meu entender, a capacidade de gestão e não a disponibilidade de recursos é que tendiam a ser ainda o elo mais fraco. Não temos praticamente cursos de formação de gestores municipais, temos iniciativas de esforços individuais da Tania Fisher na Bahia, da Tania Zapata de Pernambuco. Temos aqui na FGV curso para administração municipal, mas são coisas muitos pontuais ainda, relativamente às necessidades. Não dá para formar só uma pessoa que aprende administração pública e outra que só aprenda administração de empresas. É necessário pensar em como se administra o território onde as empresas, a administração pública, os movimentos sociais, os recursos naturais e tudo isso será articulado no processo de desenvolvimento sustentável. Acho que estamos aqui muito atrasados.
Jus Econômico - Como os programas de transferência de renda contribuem para o funcionamento dos municípios?
Ladislau Dowbor - Para muitos municípios, em particular, para o nordeste, o Bolsa Família aumentou muito a renda desses municípios, mas isso não resolve. O que se constatou, e isso é uma das coisas mais importantes, é que toda a visão discriminatória que dizia que se o pobre recebe dinheiro ele se encosta ela simplesmente foi negada pelos fatos. Os municípios despertaram porque se gerou mais demanda local. E uma demanda de muitas coisas simples como alimentos, pequenos serviços, acesso à saúde, poder pegar um transporte, pagar a prestação de uma geladeira. Na verdade, isso transformou profundamente o andar debaixo da economia conforme mostram as estatísticas em que quase 40 milhões que saíram do buraco. Eu volto a dizer: o buraco ainda é muito profundo, estamos muito longe de resgatar à desigualdade. E não foi só Bolsa Família, o PRONAF [Programa Nacional de Desenvolvimento da Agricultura Familiar] passou de R$ 2,5 bilhões em 2002 para cerca de R$ 20 bilhões hoje, temos também o acesso dessa população mais pobre às universidades. Esse processo de mudança que está apenas começando a ser estruturar para acelerar o desenvolvimento e aí não é o desenvolvimento do PIB municipal e sim da qualidade de vida. São outros tipos de consumo e isso exige uma força, uma capacidade de gestão pública muito reforçada exige conhecimento, articulação intermunicipal, as diversas institucionalidades que vão se formando. Estive em Minas Gerais, onde já há 64 consórcios intermunicipais de saúde o que ajuda muito em vez de as pessoas ficarem andando de um lugar para outro procurando um serviço médico melhor, com um consórcio intermunicipal fica-se sabendo que município tem uma boa estrutura de oftalmologia, que outro tem melhor para cirurgias. Essa capacidade de gestão está sendo construída.
Jus Econômico - É possível o maior enfoque no desenvolvimento social e manter o desenvolvimento econômico em segundo plano? Como isso funciona?
Ladislau Dowbor - Há uma reflexão profunda nesse sentido, herdamos uma tradição muito ruim da economia que quem produz bonecas Barbie é o produtor que gera emprego, produto e imposto que são utilizados para gasto pelo estado. Hoje invertemos a forma até em particular nos trabalhos de Amartya Senden, nos trabalhos fundamentais da CEPAL [Comissão Econômica para América Latina], em particular, “La ora de la igualdad” [A hora da igualdade] um documento importante para a América Latina e a mensagem básica é a seguinte: não é aumentar o bolo para depois distribuir, a melhor forma de aumentar o bolo é investir nas pessoas então, na realidade, esse esforço que se está fazendo hoje na educação, saúde, cultura etc. na realidade resulta na melhora da capacidade produtiva das pessoas. As pessoas esquecem que quando uma empresa quer uma produtividade melhor ela precisa contratar engenheiros e quando ela contrata um engenheiro de 25 anos ela contrata 25 anos de investimento social naquela pessoa, isso é um esforço brutal. Ou seja, houve imenso investimento social para se ter esses engenheiros. O Japão se desenvolveu mandando milhares de pessoas para diversas partes do mundo para estudar e se formar. A Coreia fez imensos investimentos sociais, a China está fazendo também. Na realidade, se inverteu, não há mais que se esperar o país ser rico para pode financiar educação saúde, cultura se não investir nas pessoas é que nunca vai ficar rico.



quinta-feira, 4 de setembro de 2014

12% dos presos sofrem transtorno psiquiátricos em SP, afirma pesquisa


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Pesquisa inédita divulgada por um grupo de psiquiatras brasileiros aponta que 12% da população carcerária de São Paulo sofre de transtornos psiquiátricos moderados ou graves e precisaria estar sob tratamento especializado.
Isso representa cerca de 24 mil detentos, entre homens e mulheres, dos cerca de 200 mil pessoas encarceradas atualmente em penitenciárias ou centros de detenção provisória no Estado.
Esse número não inclui os presos internados por medidas de segurança em hospitais especializados.
O presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva, que ajuda na divulgação da pesquisa, diz que esses 12% podem ser projetados ao território nacional com seus cerca de 500 mil presos. "São 60 mil em todo o país que deveriam estar em hospitais específicos. Não em cadeias."
Grosso modo, para ele, são milhares de presos com problemas semelhantes ao de Carlos Sundfeld Nunes, o Cadu, assassino confesso de cartunista Glauco Vilas Boas e do filho dele Raoni Vilas Boas, em 2010, e preso novamente sob a suspeita de ter matado outra pessoa.
"Um doente metal coloca em risco a vida dele e a dos outros. Mas o doente mental só é perigoso quando não tem tratamento adequado. Porque não tem noção do que está fazendo", afirmou ele.
"A maioria dos presos, infelizmente, está entregue à própria sorte", completou.
A pesquisa, concluída no ano passado e divulgada agora, utiliza um universo de 1.192 homens e 617 mulheres escolhidos aleatoriamente nas penitenciárias (presos condenados) e centros de detenção provisória do Estado.
Silva disse desconhecer os detalhes de como Cadu acabou voltando às ruas, mas ele defende que as liberações só devam ocorrer após uma rigorosa análise de psiquiatra forense para saber se o grau de periculosidade foi controlado. "Se não for cessada essa periculosidade, a pessoa vai voltar a cometer crimes", disse.
Para ele, porém, quem tem a decisão de soltar uma pessoa nas circunstância de Cadu deve se perguntar."Se você souber que essa pessoa vai morar no mesmo prédio que você, ou onde seu filho mora, você vai soltá-lo?", questiona. 

De forma irregular, cadeias abrigam centenas de "loucos infratores", na CC

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Sociedade

Sistema Prisional


Só nas prisões de São Paulo são mais de 400 pessoas com problemas psiquiátricos. Falta de tratamento adequado dificulta reintegração à sociedade e agrava doença
por Deutsche Welle — publicado 04/08/2014 15:05
Ministério Público do Maranhão
Prisões
Estima-se que as prisões em São Paulo mantenham 430 pessoas com problemas psiquiátricos encarceradas junto aos demais presos
A atendente de telemarketing Joana Neves (*) suportou a dor de quatro agressões para não denunciar o filho. Mas, na madrugada do dia 21 de julho de 2012, ligou para a polícia. Ela havia levado uma cabeçada na boca depois de oferecer uma xícara de café com leite. Quando os policiais chegaram, Felipe Neves (*) dormia, e Joana já não conseguia falar. "Levaram meu filho sem saber que ele é doente. E ele foi preso", lamenta.
O rapaz, hoje com 22 anos, sofre desde os 16 de esquizofrenia hebefrênica, doença ligada a distúrbios afetivos que se manifesta a partir da puberdade. Felipe foi processado por agressão pela Justiça comum. Mesmo com a realização de um laudo que atestou o quadro de insanidade mental, ele ficou preso ilegalmente no Centro de Detenção Provisória de Santo André, na região metropolitana de São Paulo, por um ano e meio.
Além de Felipe, estima-se que outros 430 infratores com problemas psiquiátricos convivem com os demais presos nos estabelecimentos penitenciários do estado de São Paulo – sem remédios específicos nem acompanhamento médico adequado. O Ministério da Justiça não sabe informar quantos se encontram na mesma situação em todo o país.
São pessoas que cometeram crimes por não terem consciência do caráter ilícito do ato que praticaram ou que estavam em pleno surto psicótico. Por falta de vagas na rede pública de saúde e em hospitais de custódia – mais conhecidos como manicômios judiciários –, eles ficam em presídios comuns por tempo indeterminado.
Uma pesquisa pioneira coordenada por professores de diversas universidades brasileiras e publicada no exterior mostra a dimensão do problema: a prevalência de distúrbios psíquicos no sistema penitenciário paulista é duas vezes maior do que na população em geral.
O primeiro levantamento em grande escala sobre o perfil epidemiológico no cárcere aponta que 12% dos detentos possuem transtornos mentais severos. O estudo foi feito com base na análise de cerca de 1.800 presos no estado de São Paulo.
"Eles passam por todo o processo judicial sem que sejam identificados como pacientes graves. Não existe uma triagem", afirma Sérgio Baxter Andreoli, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e autor do estudo.
Um desses pacientes é Rafael Oliveira (*). Portador de transtornos mentais, ele tem o corpo coberto de marcas: se corta e faz novos ferimentos sobre as cicatrizes. Ele está preso no litoral de São Paulo e não recebe qualquer tipo de tratamento psiquiátrico. Por sorte, os colegas de cela entendem a situação e tentam ajudá-lo a se controlar.
Loucura como crime
Pela lei, a pessoa que sofre de transtornos mentais e comete um crime deveria ser absolvida no processo desde que haja um nexo causal entre a doença e o delito. Com base em laudos médicos, o juiz determina o cumprimento de uma medida de segurança em hospitais de custódia ou em serviços ambulatoriais da rede pública de saúde. A determinação é válida por tempo indeterminado, até que fique provado que o paciente não representa mais um perigo e pode voltar ao convívio social.
Em todo o país, no entanto, essas decisões judiciais não têm sido cumpridas. Felipe Neves teve a pena por agressão convertida em medida de segurança em dezembro de 2012, cinco meses após o crime, mas permaneceu na prisão. Um pedido do Ministério Público para que ele fosse solto foi indeferido pela Justiça.
Na decisão, a magistrada argumenta que seria preciso aguardar a disponibilidade de vagas, pois são "insuficientes para atender a crescente demanda" e ressalta que a "lista cronológica é o único meio justo" para o controle das inclusões dos pacientes em estabelecimentos de tratamento psiquiátrico.
No final de 2013, 917 pessoas estavam na fila por uma vaga em manicômios judiciários no estado de São Paulo, incluindo os 431 pacientes que estão em prisões. Os dados estão em uma lista da 5ª Vara de Execuções Criminais, obtida pela DW.
A Defensoria Pública já fez mais de 400 pedidos de habeas corpus na Justiça, ganhou a maioria dos casos em primeira ou segunda instância, mas as determinações para a retirada dessas pessoas do sistema penitenciário não estão sendo respeitadas.
"É inadmissível que esses pacientes estejam nos presídios. Tudo por causa da falta de estrutura do sistema", diz o defensor público Patrick Cacicedo.
Hospital como prisão
O jovem Felipe conseguiu deixar o presídio apenas em abril deste ano. Ele agora cumpre a medida de segurança em uma ala que funciona como manicômio judiciário na Penitenciária 3 de Franco da Rocha, na Grande São Paulo. "É igual a um presídio comum. A diferença é que eles amontoam quem tem problemas mentais num mesmo lugar", diz a mãe do rapaz.
Joana Neves faz uma viagem de cerca de três horas para ver o filho. E cada visita é uma cicatriz a mais. "É como cachorro num canil. Todos são colocados em uma jaula. Felipe está num estoque de gente. Dá para se ter ideia do que é ter um filho num lugar desse?", questiona.
Desde que chegou ao hospital de custódia, ela percebe que o filho está com o comportamento alterado. "Eles dão o mesmo remédio para todos, um calmante de dia e outro à noite. Felipe está sempre chorando, se sentindo acuado, com medo de conversar com as pessoas."
Uma fiscalização do Conselho Regional de Medicina de São Paulo realizada no ano passado nos três estabelecimentos de custódia do estado mostra que esses espaços quase nada têm de terapêuticos: nem sempre há equipes de plantão, os prontuários não são preenchidos adequadamente e as dependências são precárias.
"O cheiro fétido na cozinha se mistura ao cheiro de dejetos humanos e de cigarro das alas. Muitos levam restos de comida consigo e guardam para se alimentar depois e essa comida fica apodrecendo", conta Quirino Cordeiro, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria. "Eles também não recebem atenção mínima em relação à saúde clínica. Vimos um paciente com HIV que não tinha sequer passado por exames. A situação é deprimente."
De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 3.688 pacientes cumprem medida de segurança em 33 hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico do país.
Felipe está na lista de pedidos de habeas corpus da Defensoria Pública de São Paulo. O objetivo é que ele deixe de cumprir a medida de segurança e seja tratado na rede pública de saúde. Os advogados argumentam que, desde que foi preso, ele não passou por nenhuma reavaliação clínica para se saber se ainda deve permanecer internado no hospital de custódia.
"As conseqüência da medida de segurança são absolutamente gravíssimas. Assemelha-se, em muito, a uma condenação a prisão perpétua", afirma o defensor público Marcelo Carneiro Novaes.
A mesma estratégia é utilizada para o caso de Lucas da Silva (*), de 19 anos. Portador de retardo mental e acusado de tentativa de assalto, ele está preso no Centro de Detenção Provisória de Santo André, na Grande São Paulo, desde janeiro.
Os defensores se recusam a dar notícia da doença à Justiça para impedir a medida de segurança e evitar que o rapaz fique mais tempo preso do que a pena estabelecida para o crime pelo qual ele é acusado. "Meu filho precisa de tratamento. Que não demore muito", diz Genole Silva (*), mãe do rapaz.
Esquecidos
Um em cada quatro indivíduos internados não deveria mais estar nos manicômios judiciários, por diferentes motivos: porque o laudo atesta a cessação de periculosidade; porque a sentença judicial determina a desinternação; ou porque a medida de segurança está extinta.
O estudo A custódia e o tratamento psiquiátrico no Brasil – Censo 2011, organizado pela antropóloga Debora Diniz, também aponta que ao menos 18 pessoas estavam abandonadas nos manicômios judiciários do país havia mais de 30 anos. O levantamento investigou todos os dossiês existentes no ano de 2011.
"Eles acabam se tornando institucionalizados e é muito difícil pensar em alternativas para que esses indivíduos voltem a conviver em sociedade", diz Luciana Brito, pesquisadora do Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero), que participou do censo.
Segundo ela, existe uma inércia em todo o sistema envolvido na medida de segurança, desde a falta de peritos à demora para sair a sentença. "Depois de tanto tempo ali, eles deixam de ser perigosos e entram na categoria de abandonados até ganhar o status de desaparecidos. Ninguém se lembra mais deles", comenta.
Para Maria da Conceição Paganele é difícil recordar o período de seis meses em que o filho esteve internado em um hospital de custódia. Daniel (*) é dependente de crack há 18 anos. "O manicômio é uma verdadeira loucura. É muito cruel. Eu saía de lá adoecida", afirma a mãe.
No início de maio, Conceição acompanhava o filho até uma clínica psiquiátrica particular em Cotia, no interior de São Paulo. Seria a 20ª internação.
No meio do caminho, uma viatura da Polícia Militar parou o carro. Os policiais tinham um mandado de busca contra Daniel, que cinco anos atrás tentou furtar a bolsa de uma mulher, sob o efeito da droga. Ele foi preso e está sem tratamento em uma cadeia pública. "A única coisa que o Estado me ofereceu até agora foi punição", diz a mãe do dependente químico.
(*) Os nomes foram alterados para preservar a identidade
  • Autoria Karina Gomes
  • Edição Rafael Plaisant / Alexandre Schossler