domingo, 22 de junho de 2014

O fogo de artifício das faixas

O Estado de SP| O Estado de SP

EDITORIAL
Não demorou muito para que os fatos - contra os quais, como se diz, não há argumentos - começassem a desfazer a encenação montada pela Prefeitura, com estardalhaço e claros objetivos eleitorais, para levar os paulistanos a acreditar que as faixas exclusivas eram uma solução milagrosa, capaz de dar maior velocidade aos ônibus e melhorar assim esse serviço. Tal como a mentira, da qual é parente próximo, esse embuste também tinha pernas curtas, como acabam de comprovar dados da própria São Paulo Transportes (SPTrans), empresa que gerencia aquele serviço.
As faixas situadas à direita de vias importantes possibilitaram um aumento muito pequeno da velocidade média dos ônibus - apenas 1 km por hora -, o que, decididamente, não compensa o esforço para sua implantação nem a perda para o sistema de transporte como um todo com a lentidão acarretada pela redução do espaço para os demais veículos. No ano passado, quando foram implantados a toque de caixa 300 km de faixas - o dobro do previsto para todo o mandato do prefeito Fernando Haddad -, os ônibus rodaram à velocidade média de 17 km/h no horário de pico da manhã em comparação com os 16 km/h registrados entre 2009 e 2012. No horário de pico da tarde, a velocidade média foi de 16 km/h para 15 km/h naquele mesmo período, como mostrou o Estado.
O fato de em algumas faixas o aumento da velocidade ter sido bem maior do que a média não serve de consolo. Primeiro, porque, em compensação, é claro, a velocidade nas demais é muito menor - daí a média tão baixa, muito aquém do esperado. Em segundo lugar, porque tal diferença é mais uma indicação da improvisação que marcou a iniciativa. Desde o início, a impressão - que agora se confirma - foi de que as vias em que elas foram implantadas foram escolhidas sem planejamento ou estudos técnicos. Se eles existiram, deles a população não teve conhecimento. Não que um plano bastasse para justificar medida polêmica como essa, mas ao menos mostraria que a Prefeitura tentou acertar, agiu com seriedade.
Além da escolha ao acaso das vias, outro aspecto das faixas que chama a atenção e até agora não teve explicação da Prefeitura é a questão do seu piso. O dos corredores merece cuidados especiais para que resista ao tráfego pesado dos ônibus. Além disso, é periodicamente reformado. Como é possível, então, esperar que o piso das faixas, que deve suportar carga semelhante, resista sem nenhum reforço? Ou a Prefeitura tem uma explicação escondida para isso ou o bom senso sugere que em pouco tempo ele estará desgastado.
O ar triunfante do prefeito Fernando Haddad e de seu secretário de Transportes, Jilmar Tatto, anunciando a panaceia das faixas - está se vendo -, não resistiu muito. Ele tinha gás para durar apenas o tempo de um fogo de artifício. Tatto, em especial, se esmerou nos exageros. Espalhou, como se fosse novidade, que é preciso dar prioridade ao transporte coletivo, daí a necessidade das faixas. E não perdeu a oportunidade de fustigar demagogicamente os carros, como se eles fossem os vilões das dificuldades de locomoção da capital. Ora, a imensa maioria dos que usam carros só o faz por falta da opção de transporte coletivo de qualidade.
Melhorar esse transporte - o de ônibus, no caso da Prefeitura - é coisa que exige mais seriedade e menos fanfarronice. Se essa fosse a postura da atual administração, ela teria cuidado mais dos corredores de ônibus - mais caros, mas que desempenham papel importante - em vez de perder tempo com as faixas. É verdade que Haddad promete 150 km de novos corredores. Mas antes que eles virem realidade é preciso cuidar melhor dos já existentes.

A velocidade média dos corredores nos horários de pico caiu no primeiro trimestre deste ano, em comparação com igual período de 2013. Na opinião de especialistas, para aumentar seu rendimento é preciso, entre outras coisas, fazer a sempre prometida e adiada reorganização das linhas de ônibus. O que se pode e deve fazer para melhorar o transporte é sabido. Mas para isso é preciso seriedade e vontade.

Custos do pleno emprego, por Celso Ming no Estado


Celso Ming - OESP
Na impossibilidade de entregar inflação baixa e um mínimo de crescimento econômico sustentável, o governo alardeia que, pelo menos, conseguiu a façanha de produzir o pleno-emprego. 
Pois, nas atuais circunstâncias, o pleno-emprego é mais problema do que solução. Primeiramente, porque é grave fator de custo para todo o setor produtivo. A principal razão da disparada dos preços não é a seca ou os choques de oferta de alimentos, como vem apontando o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Essas são causas temporárias, que não explicam a persistência da inflação.
Um dos principais fatores de inflação é o aquecimento excessivo do mercado de trabalho, que puxa os salários para acima da inflação e acima da produtividade da economia. Quem afirma isso não são neoliberais sem coração e sem sensibilidade social, mas o Banco Central que está lá no organograma do governo Dilma. É o que está claro nas Atas do Copom e no Relatório da Inflação. É o setor de serviços, que atua sem concorrência internacional, que mais vem puxando os preços da economia. Como o jornal O Globo apontou sexta-feira com base em estudo da Fundação Getúlio Vargas, em 12 meses, nada menos que 70% dos preços dos serviços subiram 6,5% ou acima disso. É também o que puxa para o alto os salários de toda a economia e cria condições para que os movimentos grevistas venham tendo sucesso. 
E, em segundo lugar, o pleno-emprego é mais problema do que solução porque trava ainda mais o crescimento econômico: se não há mão de obra disponível mesmo com esse crescimento miserável de 1,5% ao ano, como haverá se a economia crescer pelo menos 2,5% a 3,0%? É o mesmo raciocínio que se pode fazer diante das precariedades da infraestrutura: se estradas, portos, aeroportos e comunicação estão como estão com esse crescimento econômico pífio, imagine-se como estariam se fosse mais.
Nesse quadro, na medida em que cria demanda artificial na economia e mantém aquecido o emprego, o represamento dos preços administrados (combustíveis, energia elétrica e transportes urbanos) bloqueia o ajuste.
O mercado de trabalho apresenta duas outras distorções graves. A primeira delas é o rombo de R$ 10,4 bilhões no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), instituição que opera no seguro desemprego. É incompreensível que, num quadro de pleno-emprego, o FAT esteja sendo tão acionado a ponto de esgotar-se. Isso sugere que muita gente deixa de procurar trabalho porque consegue sustento, no mole, nas tetas em que se transformou o FAT.
A outra distorção é a existência de 9,6 milhões de jovens, ou 39,8% da força de trabalho, no bloco dos nem-nem (nem trabalha, nem estuda). É uma indicação de que as transferências do governo federal vêm desestimulando a procura de emprego.
Não há solução fácil para essa herança maldita que recairá sobre a próxima administração, qualquer que seja ela. E é por isso que os analistas preveem um 2015 destinado a uma parada técnica, com inflação ainda alta e com um baixo desempenho da economia.

'Justiça deve se abrir à sociedade', diz Nalini


Presidente do TJ paulista cria conselho consultivo para suprir 'carência
O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu criar o Conselho Consultivo Interinstitucional, instrumento para atuar como canal de comunicação direto com a sociedade. Imaginado e criado pelo desembargador José Renato Nalini, presidente do TJ-SP que acumulará a função de diretor do conselho, o colegiado poderá dar sugestões e recomendações, inclusive sobre a melhor aplicação do orçamento, direcionamento e uso de verbas.
Nalini defende a "democracia participativa" - embora seja flagrante a resistência de muitos de seus pares -, como "imperativo da transparência, corolário do princípio da publicidade".
Qual é o objetivo do conselho?
O conselho é uma forma de fazer com que a sociedade civil se interesse por um equipamento que ela sustenta. Estamos vivendo uma epidemia de judicialização. Quase 100 milhões de processos no País. Temos mais de 800 mil advogados, 17 mil juízes, 15 mil promotores, 6 mil defensores públicos, quantos milhares de procuradores, de delegados de polícia, tabeliães, registradores públicos.
Como surgiu a ideia de abrir o debate sobre o futuro da corte?
O Poder Judiciário sempre foi o mais hermético dos poderes, o mais distanciado, tanto que aqui no Brasil não se discute muito a questão da legitimidade. O nosso Judiciário, como poder da República, carecia de um diálogo mais intenso com a sociedade.
Na prática a sociedade civil poderá fazer sugestões ao TJ?
O conselho vai auxiliar a administração do tribunal a pensar o orçamento, os investimentos, a informatização, a intensificar a conciliação. Avaliar se as opções que estamos tomando são as mais acertadas. É um diálogo com a sociedade que se inaugura.
Quem mais poderá compor o colegiado?
O conselho terá cadeira para os demais Poderes (Executivo e Legislativo) e para OAB, Defensoria Pública, Ministério Público, Polícia Militar, Polícia Civil, além dos 11 representantes da sociedade civil, de institutos de pesquisa e universidades, por exemplo. A grande surpresa foi que, assim que publicada a instituição do conselho, muitas entidades começaram a pleitear assento. A OAB, que foi solicitada a indicar um representante, mandou três. É evidente que não vamos com isso substituir os órgãos de comando, mas a administração será assessorada por um conselho que tem representatividade para trazer a voz da sociedade civil para dentro do tribunal.
Por que a Justiça sempre se manteve distante da sociedade?
O Judiciário não tem a iniciativa da ação, só responde se for provocado. O princípio da inércia contaminou a administração do Judiciário, que ficou parado no tempo. É o momento de o Judiciário acertar o passo com a sociedade, dar uma prestação jurisdicional mais rápida, mais eficiente, assumir as tecnologias. Não vamos substituir os órgãos de comando, mas a administração será assessorada por um conselho com representatividade na sociedade civil. O juiz tem que se conscientizar que hoje é um agente que tem de pensar nas consequências concretas da sua decisão.
Em que área atuará o conselho?
É para todas as questões administrativas. Sempre se pregou, foi sempre um ideal teórico, a participação popular na administração da Justiça. Os dois únicos exemplos que a doutrina mostra são o júri, em que o cidadão faz parte, e a Justiça Eleitoral, quando você recruta o trabalho da cidadania para ajudar nas eleições. Estamos em um déficit de diálogo com a sociedade porque o Judiciário sempre foi um Poder que levou ao paroxismo a inércia, que é um princípio processual, um princípio ainda relativo.
Qual deve ser o primeiro tema a ser pautado?
Vamos fazer a instalação oficial do conselho, que eu gostaria de fazer ainda em junho, mas com a Copa provavelmente deve ficar para agosto. A ideia é dar a agenda para eles mesmos, o que eles sugerirem fazer, mas acredito que há muitos temas a serem discutidos. Acho que a opção pela conciliação, a experiência dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania. Um centro equivale a nove varas. É uma economia considerável para a sociedade, que sustenta o Judiciário. Temos que disseminar essa prática.
Há resistência interna?
Acho que o grande passo que esta gestão pode dar é a conscientização da sociedade em relação a um serviço público. Judiciário sempre foi mais considerado expressão da soberania estatal, um Poder da República que deve conviver em harmonia e de forma independente com os demais Poderes do que como serviço público. Essa expressão "serviço público" ainda causa um pouco de resistência entre os mais conservadores, e é muito difícil o magistrado que é recrutado depois de um concurso severíssimo, uma corrida de obstáculos com milhares de concorrentes, assimilar isso.