segunda-feira, 28 de outubro de 2013

O ovo de Colombo - LUIZ CARLOS AZEDO


CORREIO BRAZILIENSE - 28/10

O que está em jogo é o futuro de 50 milhões de jovens. Pelas próximas duas ou até três décadas, formarão o maior contingente de mão-de-obra lançado ao mercado de trabalho da nossa história.

A “focalização” dos gastos sociais nos mais pobres é o ovo de Colombo da Era Lula. Política de origem social-liberal, foi adotada para contrabalançar o ajuste fiscal nas políticas públicas universalistas, ou seja, na educação, na saúde, nos transportes, nas moradias e na segurança pública, que estão subinvestidas desde o Plano Real. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pôs o ovo em pé no primeiro mandato, ao determinar que o Bolsa Família fosse distribuído para 13,8 milhões de lares, ou seja, mais de 50 milhões de pessoas.

Com isso, o imponderável nas eleições presidenciais — o voto de milhões de excluídos, que levou o então candidato Fernando Collor de Mello ao poder em 1989 e elegeu Lula em 2002 — deixou de ser um lastro móvel no processo eleitoral. Tornou-se a base mais estável do governo, que garante o favoritismo da presidente Dilma Rousseff nas eleições de 2014 e projeta a permanência do PT no poder.

A injeção de recursos do Bolsa Família no orçamento doméstico, as aposentadorias rurais e a elevação do salário mínimo reduziram as desigualdades sociais no Brasil e ampliaram o mercado interno. O esperneio de setores da oposição contra o assistencialismo é inútil. Esses programas estão hoje entre as coisas “imexíveis” do país, principalmente do ponto de vista eleitoral. Haja vista, por exemplo, a confusão criada pela Caixa Econômica quando antecipou a data de depósito dos recursos do Bolsa Família, fato que provocou uma onda de boatos de que o programa estava sendo extinto.

As prioridades, porém, mudam na medida em que vão sendo atendidas. A última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada pelo IBGE, mostrou que as desigualdades no país já não estão sendo reduzidas pelos programas de transferência de renda como se pretendia. Para prosseguir no combate à pobreza e melhorar a qualidade de vida da população, as políticas universalistas de educação, saúde e transportes estão na ordem do dia. Desde junho, são objeto de protestos diários por todo o país, que sempre terminam com cenas de violência. Uma parcela significativa da população não está nada satisfeita com as atuais condições de vida, os mais revoltados perdem a cabeça.

Na verdade, o que está em jogo é o futuro de 50 milhões de jovens. Pelas próximas duas ou três décadas, formarão o maior contingente de mão de obra lançado ao mercado de trabalho da nossa história. Para esses jovens, principalmente os mais pobres, o Bolsa Família já deu o que tinha que dar. Eles não querem viver como seus pais. Querem educação de qualidade e bons empregos. No Brasil, apenas 11% da população de 25 a 34 anos têm ensino superior completo, enquanto no Canadá, chegam a 56%, e nos EUA, 40%. O México tem 20%. E eles querem mais: transporte barato (ou de graça) e eficiente, assistência à saúde para suas famílias, moradias dignas. Além de segurança para sair de casa. Essa agenda precisa sair do papel, mas o cobertor é curto para atendê-la. Com a economia travada, sua execução ficará para o próximo governo. Ovo de Colombo não resolve isso.

Maurício Azêdo
Não sei nem o que dizer... A morte de meu tio Oscar Maurício de Lima Azêdo, presidente da ABI, deixou um vácuo de liderança política no jornalismo brasileiro. Ele foi um campeão das lutas pela liberdade de imprensa e pelo direito de expressão. Pôs a entidade acima das paixões partidárias e dos interesses corporativos. Sua trajetória profissional e política, pela qual foi muito perseguido durante o regime militar, explica o papel que exercia na entidade.

As chances de Dilma Rousseff - RENATO JANINE RIBEIRO


VALOR ECONÔMICO - 28/10
Dilma Rousseff tem chances. Não, não estou falando de se reeleger em 2014; ela hoje é favorita. O que me pergunto...
Dilma Rousseff tem chances. Não, não estou falando de se reeleger em 2014; ela hoje é favorita. O que me pergunto é se tem chances de, ao fim de quatro ou oito anos na presidência, ter efetivado mudanças de que o Brasil precisa. Falo em mudanças sociais. Muitos, quando falam em mudanças, destacam reformas econômicas, que facilitem o ambiente para os negócios. Estas são importantes, mas são meios para realizar fins. Num país como o Brasil, cuja população finalmente exige, e cada vez mais, os serviços públicos de que deveria gozar faz muitos anos, a questão é quem vai realizar esse desejo.
Não estou convencido de que haja só uma rota para uma democracia que funcione. Há países que o conseguiram com uma intervenção maior do Estado na economia; outros, com a desregulamentação da atividade econômica. O sucesso de um caminho ou outro depende de vários fatores. Destaco dois. Primeiro, a cultura do povo. Aqui, não faço juízo de valor. Apenas observo que os Estados Unidos e alguns outros países têm uma tradição do empreendimento individual, que resulta em ganhos sociais. Na França e na Europa continental, vigora uma cultura diferente. Ambas deram resultados muito bons.

O segundo fator é a conjuntura. Mesmo os Estados Unidos tiveram seu tempo de forte intervenção do Estado - e foi uma das épocas decisivas de sua história, sob Franklin Roosevelt, que tirou o país da recessão iniciada em 1929 e o conduziu na guerra contra o nazismo. No Reino Unido, que desde Thatcher segue uma relação mais norte-americana entre o poder político e o mercado, a grande mudança se deu no imediato pós-Segunda Guerra Mundial, quando os trabalhistas fizeram da estatização das decisões econômicas, necessidade imposta por Churchill durante a guerra, virtude.

O que decidirá seu governo é a melhora dos serviços públicos

Não bastam a cultura de um povo, seus valores, o modo como ele dá o melhor de si, e que pode ser individualista ou coletivo, atuando mais na economia ou na política. Há também o momento histórico. Articular a linhagem cultural que vem de longe e o instante em que se dá a política é o desafio do líder.

Não dou por resolvida a eleição do ano que vem. Mas cabe perguntar: pode Dilma ser uma grande presidente?

Ela teve a sorte e o azar de suceder a dois presidentes que estão entre os melhores que tivemos, numa lista de quatro que inclui Getúlio e Juscelino. Com FHC e Lula, consolidou-se a democracia. Um golpe militar é fora de questão. Essa, a sorte de Dilma, sua herança bendita.

O seu azar: eles são grandes líderes políticos, enquanto o mérito dela sempre esteve na gestão. FHC é um grande comunicador. Líder no Senado, dizia-se que ganhava as questões no gogó , na fala. Presidente, ele persuadia. Conquistou a classe média, ao passo que Lula, que além disso é um líder carismático, estendeu a comunicação política aos mais pobres. FHC pela razão ( mas uma razão no nível do senso comum , como ouvi dele há três anos), Lula pelas metáforas e a emoção, ganharam apoio político para projetos difíceis e necessários - a estabilização monetária, a escolha entre privatização e estatismo, a inclusão social. Seus ministros, Sergio Mota e Dilma Rousseff à frente, executaram.

Dilma passou de gerente ou gestora a presidente. É uma transição difícil. Mas é mais normal termos um presidente normal do que um gênio na comunicação. Faz parte de nosso amadurecimento não precisarmos, cada quatro anos, eleger um presidente que sabe vender, à sociedade, os valores. Uma das tarefas dela é efetuar essa passagem do tempo de exceção para o tempo da normalidade.

O que o Brasil agora quer, aquilo de que precisa, é um Estado que funcione, garantindo que os serviços que ele presta ou fiscaliza tenham qualidade. Conseguimos o restante. Nossas eleições são limpas - mais até que as norte-americanas, pois lá, em 2000, deram posse a um candidato eleito pela fraude. A miséria está baixando. Quando mais pessoas se sentem integradas na sociedade, elas sentem que têm algo a perder, e valorizam o que existe. Mas por que isso não se expressa na consciência das pessoas? Por que é mais fácil tantos se dizerem contra tudo o que está aí do que reconhecerem o quanto foi conquistado, e construir a nova etapa de nossa democracia?

Paradoxalmente, um dos êxitos de nossa democracia é que ela liberou a exigência. Antes, direitos eram uma questão mais teórica. Quando tantos eram privados de tanto, eles sequer se sentiam com direito a ter direitos , tema central dos direitos humanos, entre nós desenvolvido por Celso Lafer. Por isso, é natural que tantas pessoas exijam, pacifica ou mesmo violentamente, educação, saúde, transporte e segurança públicos de qualidade. Aqui entra a gestão. Dilma Rousseff tem um histórico de gestora. Atender essas novas demandas não é fácil. A primeira resposta de qualquer gestor, seja o prefeito Haddad do PT, seja o governador Alckmin do PSDB, é que falta orçamento. Acredito. Mas terão de fazer milagres.

A bola da vez está com Dilma. Ela tem um ano para mostrar alguns resultados visíveis. É pouco tempo, mas desta vez parece que, mais do que a comunicação ao estilo FHC ou Lula, o que se quer é algo bem tangível no dia a dia dos serviços de responsabilidade do Estado. Será reeleita mais facilmente se demonstrar alguma melhora. Em 2018, suponho que a conta será mais alta. A sociedade, melhor dizendo, o eleitorado de maioria pobre vai querer resultados bem superiores. É um jogo em dois tempos. O aviso foi dado. Seja quem for eleito em 2014, precisará ir longe nessa questão.

Minha vida, meu negócio - EUGENIO BUCCI


REVISTA ÉPOCA

A barulheira gerou um fio de esperança. A reação exaltada contra as declarações de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, para quem os livros biográficos só podem ser publicados mediante autorização dos biografados, foi finalmente ouvida na Câmara dos Deputados. Na semana passada, parlamentares prometeram acelerar a aprovação do projeto de lei que altera o Código Civil para impedir a censura às biografias. Quando tudo parecia sem saída, quando até Chico Buarque, Gil e Caetano, símbolos da causa democrática, cerraram fileiras contra a liberdade de expressão, eis que desponta uma centelha no fim do longo túnel. Depois da treva, uma luz (ao fim da tempestade). Às vezes, a esperança é a última que nasce.

Se os deputados cumprirão a palavra, bem, isso é outra história (outras biografias). Mas uma esperança nasceu. Falta agora nascer a clareza. É realmente incrível. Falou-se tanto, escreveu-se tanto, bateu-se tanto em tantos por tantas semanas, e o entendimento sobre o que está em jogo ainda é tão pouco. A gritaria toda, que ajudou a quebrar a inércia pétrea do Congresso Nacional (ao menos é o que esperamos), não nos trouxe compreensão sobre o verdadeiro impasse.

Não estamos às voltas com forças do mal, que pretendem restaurar a ditadura militar no Brasil. Sim, há quem queira isso.

Mas Caetano, para tomar um exemplo, não é censor nem reacionário. Ele é um democrata, como seus amigos. O problema é que ele defende outra lógica - e essa lógica entra em choque com a democracia. E é sobre isso que deveríamos pensar.

Desde que o inglês John Milton, ainda no século XVII, afirmou o direito fundamental do cidadão de publicar o que bem entender, sem ter de pedir licença ao poder, a livre circulação do pensamento se tornou um dos alicerces das sociedades livres. Primeiro, cada um expressa o que julgar necessário. Depois, apenas depois, responderá pelos excessos que cometer. Acontece que, de uns tempos para cá, o mundo começou a ficar esquisito. Há, hoje, legislações restritivas em toda parte, até no Reino Unido e na França. Não sabemos resolver a contradição entre os direitos fundamentais dos cidadãos, como o direito à informação e à liberdade de expressão, e outros direitos, como à privacidade, que a lei assegura também a todos - e vale dinheiro. A privacidade tem valor econômico. Aí é que está o ponto-chave – e o ponto chato, pois os artistas no Brasil adoram fingir que não pensam no vil metal.

Os ídolos do cancioneiro popular, esses poetas que escreveram as trilhas sonoras de nossa parca existência, não são inimigos da ordem democrática. São gente boa. Apenas estão defendendo o deles. Eles não lutam exatamente pelo resguardo, pelo recolhimento, pelo segredo íntimo. Não se mobilizam pela privacidade neutra, mas pelo direito de ganhar dinheiro quando suas intimidades se tornam públicas. Eis o ponto-chave - e chato.

Nada de errado com isso. Trata-se de um direito deles. Um direito, aliás, de qualquer um, seja pop star, cantor, jogador de futebol ou dona de casa. Se alguém quer transformar sua biografia em entretenimento de massa e faturar com isso, tem o direito de fazê-lo. Reality shows, programas de auditório e revistas de fofoca vivem da exploração das intimidades, assim como, recentemente, começaram também a viver disso as campanhas eleitorais e as igrejas que oferecem milagres pela televisão. Intimidades luxuriantes ou degradantes valem ouro e podem ser compradas pelo ouro.

Ora, se é assim, então, raciocina o advogado da celebridade, por que um reles jornalista pode querer ganhar o dele em cima dos lances encantadores, inspiradores, traumáticos e fascinantes de meu cliente? O ponto é realmente chato.

Para um astro do showbusiness, e principalmente para o advogado dele, os lances de sua vida são parte da obra. Ele vende mais ou menos CDs, atrai mais ou menos fãs para os seus shows, à medida que faça isso ou aquilo na vida privada. Se a cantora anuncia que se casará com outra mulher, agrega um novo "market share" a sua estratégia comercial. Aí, se revelarem que o matrimônio gay foi um jogo de aparência, o faturamento despenca. A receita bruta do cantor romântico depende da exposição estratégica de sua privacidade. A arte também tem seus modelos de negócio.

Estamos vendo de perto, enfim, a contradição entre mercado e democracia. Para faturar mais com suas biografias, algo legítimo, nossos grandes poetas pensaram que poderiam suprimir o direito à informação de todos os demais. Aí é que não deu pé. Quando mercado e democracia entram em choque, a segunda deve prevalecer.