terça-feira, 28 de maio de 2013

Justiça retém aluguéis de juiz do Fisco

Juíza determina que Élcio Fiori, suspeito de enriquecimento ilícito, deposite todo mês o valor da locação dos imóveis avaliados em R$ 30 mi

28 de maio de 2013 | 2h 05

Fausto Macedo - O Estado de S.Paulo
A Justiça de São Paulo ordenou ao agente fiscal de Rendas Élcio Fiori Henriques, juiz do Tribunal de Impostos e Taxas da Secretaria da Fazenda, que deposite mensalmente todo o montante relativo aos aluguéis dos imóveis que compõem seu patrimônio - 19 salas comerciais e apartamentos de alto padrão que ele adquiriu em apenas 30 meses, de março de 2010 a outubro de 2012, ao preço de R$ 30,75 milhões, em valores de mercado.
A determinação é da juíza Simone Rodrigues Casoretti, da 9.ª Vara da Fazenda Pública da Capital que, no início de maio, já havia decretado o bloqueio de todos os bens de Fiori, sob suspeita do Ministério Público Estadual por lavagem de dinheiro e corrupção. Ele teria enriquecido ilicitamente no período em que ocupou cadeira de juiz titular do TIT, entre 2008 e 2012 - em dezembro passado, assumiu função de assistente fiscal e suplente de juiz do tribunal administrativo.
Estima-se em cerca de R$ 200 mil mensais a quantia global que os imóveis rendem ao juiz do TIT a título de locação. A juíza mandou que Fiori apresente em cinco dias a quitação de condomínio, impostos e demais despesas incidentes sobre os bens, sob pena de multa diária de R$ 100 mil a contar da intimação. A medida é extensiva a duas empresas de Fiori, a JSK Serviços e Investimentos e a KSK Participações.
Perfil. Os investigadores traçam um perfil de Fiori, juiz emblemático, ora apontado como um homem hostil, até "agressivo", com disposição incomum para negócios milionários no mercado imobiliário. Gosta de luxos e aprecia lugares paradisíacos. Outros relatos classificam de "brilhante" seu currículo, bacharel em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas e pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco.
Aos 30 anos, desde 2006 ele exerce a carreira de fiscal de Rendas. Com 23 anos passou em 22.º lugar no concurso que disputou com 30 mil candidatos. Na ocasião, a um jornal de concursos públicos, ele deu a receita para ser aprovado: organização e fôlego. "Eu tentei, ao máximo, cortar as minhas atividades, mas não dá para abrir mão de tudo."
Na dissertação de mestrado escreveu sobre "O regime jurídico do gasto tributário no direito brasileiro". Trecho de sua lavra. "Os benefícios fiscais produzem efeitos financeiros similares aos das despesas públicas, mais especificamente as subvenções, na medida em que ambos são instrumentos utilizados para transferir ao particular beneficiado recursos financeiros que a priori pertenceriam ao Estado."
A investigação revela uma outra face de Fiori. "A prepotência do juiz do TIT corresponde à sua audácia e rápida ascensão ao espaço fechado dos milionários, sem que se possa justificar o meteórico enriquecimento."
Afirma ter amigos influentes, na Justiça e na polícia. Também diz ter boas relações na política. Alardeia proximidade com o deputado estadual Bruno Covas (PSDB), secretário do Meio Ambiente do governo Geraldo Alckmin e secretário-geral da sigla.
"Eu o conheço, mas não somos amigos", disse Covas. "Não estudamos juntos. Quantos anos ele tem? Tenho 33, não dava para ter estudado com ele. Quem fez São Francisco com ele foi um funcionário meu."
O tucano narra que, em 2009, exercia o mandato de deputado estadual. Nessa época, Fiori frequentou a Assembleia. O governo enviou ao Legislativo projeto relativo à estrutura e competências dos órgãos de julgamento do TIT. "Nas audiências públicas ele (Fiori) ia lá."
A avaliação dos investigadores é que Fiori agia com volúpia extraordinária para ampliar seu patrimônio sem se preocupar com vestígios. Tanto que, em outra demanda judicial, rechaçou de forma veemente que tivesse sócio. Em ação na 18.ª Vara Cível, movida por uma empresa de investimentos que pleiteia parte dos lucros sobre vendas, o juiz sustentou que ele e suas empresas (JSK e KSK) são "titulares exclusivos dos valores e patrimônio investidos, não necessitam de um sócio que declaradamente não investe nada". Fiori afirma que a empresa que o aciona "era mera prestadora de serviços de gestão e consultoria financeira", que "jamais existiu vínculo societário entre as partes" e que os autores da ação "pretendem locupletar-se às custas do patrimônio e investimento alheio".
Bem-nascido. "Élcio Fiori é um servidor público bem-nascido", afirma seu advogado, Ricardo Sayeg. Segundo Sayeg, Fiori mantém paralelamente "uma atividade que não é incompatível" com a carreira de fiscal, a mesma profissão do pai, Élcio de Abreu Henriques.
Criminalista com ampla experiência em causas sobre lavagem de dinheiro, Sayeg prepara sua estratégia. Ele refuta acusação, de uma servidora da Fazenda, segundo a qual um juiz foi afastado do TIT porque deu "uma mala com R$ 1 milhão" para Fiori. "Esse depoimento é ridículo", avalia Sayeg. "Quem ia levar uma mala com tanto dinheiro dentro do TIT? Isso é delírio persecutório. Ela deu detalhes? A cor da pasta?"

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Repórteres da Rede Globo Nordeste usam iPhone para enviar notícias, do Mobile TIme



Fernando Paiva

O iPhone virou instrumento de trabalho para os repórteres da Rede Globo Nordeste. A empresa adotou um aplicativo chamado publiQ, que serve de interface para envio de notícias da rua para a redação. O app permite a gravação e envio de vídeos, áudios, fotos ou textos direto para o sistema de publicação da TV, onde editores acompanham o conteúdo que chega e escolhem o que pode ser aproveitado para o site do G1 Pernambuco ou para o noticiário televisivo. A solução foi desenvolvida pela brasileira i2 Mobile Solutions e está sendo usada por cerca de 30 repórteres da afiliada da Rede Globo.
"Como atendíamos a empresas de comunicação há alguns anos, percebemos a dificuldade delas na transição para a mobilidade", comenta Luciano Ayres, sócio-diretor da i2. "A proposta é dar mais agilidade à publicação de conteúdo. Agora a redação pode ser alimentada de qualquer lugar", explica o executivo. Os repórteres da Globo Nordeste têm usado o publiQ principalmente para notícias de trânsito, que são aproveitadas no portal G1 Pernambuco.
O app é distribuído para os repórteres através de uma loja corporativa de aplicativos da i2. Ou seja, não está disponível para download na App Store aberta aos consumidores em geral. Porém, a pedido de um novo cliente, será disponibilizada em breve uma versão para que os próprios leitores/telespectadores gerem conteúdo e enviem para a redação. Uma versão para Android também está em desenvolvimento.
O publiQ pode ser integrado a sistemas legados de publicação. A ideia é não gerar qualquer impacto de TI, evitando mudanças que poderiam sofrer resistência por parte dos profissionais.
Expansão
A Rede Globo Nordeste é a primeira cliente, tendo iniciado a utilização há três meses. Mas em breve outra emissora de TV em atividade no Nordeste adotará o publiQ. Há também negociações em curso com um portal de Internet. A projeção de Ayres é ter entre 30 e 40 grandes grupos de comunicação usando a solução até o fim do ano, somando cerca de 3 mil repórteres.
O executivo acredita que na maioria dos casos os jornalistas serão estimulados a usar seus smartphones pessoais, sem a necessidade de o veículo de comunicação adquirir aparelhos corporativos. "Antigamente os funcionários tinham acesso a uma nova tecnologia quando sua empresa a provinha, agora isso se inverteu: a empresa é apresentada à tecnologia pelos seus funcionários", comentou, referindo-se particularmente à mobilidade.

Pega na mentira

Veja também:
link O que o rumor revela
Newton Bignotto, professor de Filosofia Política na Universidade Federal de Minas Gerais - Divulgação
Divulgação
Newton Bignotto, professor de Filosofia Política na Universidade Federal de Minas Gerais
Presidente do Supremo, Joaquim Barbosa soltou o verbo na universidade dias atrás: “Temos partidos de mentirinha. Diria que o grosso dos brasileiros não vê consistência ideológica e programática em nenhum dos partidos. E tampouco seus partidos e os seus líderes partidários têm interesse em ter consistência programática ou ideológica. Querem o poder pelo poder”. E disse alguma mentira?

No paralelo, o estilo “mentirinha” – fábula, farsa, ficção, lorota, tró-ló-ló e afins – pipocou noutras páginas nessa semana: os ruidosos rumores sobre o fim do Bolsa Família, atribuídos por outrem a intriga da oposição; o grampo na conversa do jornalista venezuelano Mario Silva, amigo do finado Hugo Chávez, sobre um possível golpe no país – no fim, o jornalista não negou que a voz fosse sua, mas culpou Mossad e CIA pela “falsificação” do diálogo; a morte do imigrante checheno Ibragim Todashev, suspeito de envolvimento no atentado em Boston, durante interrogatório no FBI – que diz que o suspeito estava armado no bureau. E por aí vão as tantas labirínticas questões da verdade e da mentira na arena política. Nessas curvas, o ceticismo. Afinal, no que dá para acreditar?

“É inegável que uma certa dose de ceticismo combina bem com a vida nas democracias. De fato, estamos mais céticos. E isso não é uma especificidade brasileira. O fenômeno ocorre em várias democracias atuais”, diz Newton Bignotto, professor de filosofia política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Mas se não pudermos acreditar em nada, isso leva ao desespero ou a uma visão apocalíptica da realidade. Desconfiar de tudo e de todos acaba tornando impossível a vida política”, pondera o autor de As Aventuras da Virtude (2010) e Maquiavel (2003). Pós-doutor pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, é um dos organizadores de Dimensões Políticas da Justiça (2013). A seguir, a entrevista.

No Brasil, a política é realmente um jogo com partidos ‘de mentirinha’?
Todos ficamos incomodados com a maneira como os partidos políticos brasileiros se formam e se comportam. Mesmo partidos que já tiveram um perfil ideológico mais nítido, como o PT e o PSDB, hoje parecem ter perdido o eixo e disputam o poder como se não se importassem com a afirmação de suas diferenças. Outros partidos parecem existir somente para disputar eleições e ocupar espaços nas esferas de poder. Mas é preciso tomar cuidado para não trocar a análise da vida política brasileira concreta por aquilo que deveria ser idealmente. Em primeiro lugar, mesmo que semelhantes, há diferenças entre os partidos, as quais impactam na vida de milhões de brasileiros quando são transformadas em políticas públicas. Nesse sentido, não são exatamente “de mentirinha”. Em segundo lugar, é preciso ver que os partidos existentes refletem a sociedade em muitos de seus aspectos. A existência de partidos sem perfil ideológico definido se deve também ao grau de despolitização de franjas importantes da população. Por outro lado, pequenas formações partidárias defendem ferozmente os interesses de grupos particulares. Veja, por exemplo, a resistência de certas formações políticas a temas como o casamento gay. Assim, não podemos falar de acaso, ou de algo anedótico. Essa é a posição de uma parte da população brasileira e alguns partidos refletem isso de forma muito explícita. Talvez esse não seja o melhor dos mundos, mas se quisermos compreender o Brasil, ou mesmo mudá-lo, teremos de olhar para esse tecido político dividido e corrompido. Essa é a matéria da política brasileira e, em alguma medida, podemos dizer, sua verdade. 

Outra ‘mentira’ foi o fim do Bolsa Família. Como uma sociedade pode acreditar em rumores até agora não rastreados?
Boatos fazem parte da vida pública desde a Antiguidade. Na Roma antiga, era comum a pichação de muros com afirmações referentes a personagens importantes da cidade, o que impactava diretamente a vida política. Um rumor é um acontecimento político. Só se espalha porque toca num ponto sensível da sociedade. A questão central não é a veracidade ou a falsidade, mas o impacto que o boato causa na cena pública. E o que ele revela. No fundo, identificar a origem do boato não é tão importante quanto descobrir o que ele esconde. O rumor sobre a suspensão do Bolsa família revela não apenas a importância para grandes parcelas da população, mas as resistências que o programa suscita em alguns atores políticos. O boato provocou um efeito real – o pânico, no caso – e uma disputa em torno de uma prática política e de uma visão da realidade brasileira. 

Hannah Arendt diz que a política envolve, essencialmente, a produção e a dispersão de narrativas ‘convincentes’.  Mentir está na essência da política?

Arendt não quer dizer que a mentira “define” a política – isto é, sua essência –, e sim que a disputa entre verdadeiro e falso na arena pública não é um problema de lógica. Concerne aos fatos, mas também à percepção desses fatos. Por isso, a política é o terreno onde competem narrativas. A realidade não desaparece pelo simples fato de que construímos discursos sobre ela. Criar um discurso é uma maneira de interferir no real. O uso intensivo da propaganda pelos regimes totalitários mostra isso perfeitamente. Por isso, a defesa de um regime de liberdades não pode ser apenas uma defesa da coerência lógica de seus princípios. É preciso partir desse ponto para propor a um país uma narrativa sobre sua história e seus desafios capaz de sustentar uma escolha pela liberdade. A verdade é matéria para uma luta de natureza política. A mentira não vai desaparecer da cena pública por ser eticamente condenável. Terá de ser combatida. Esse combate se dá com as mesmas armas que nos levam a construir discursos que queremos verdadeiros sobre nosso tempo. 

Immanuel Kant também se debruçou sobre a mentira. As ideias do filósofo ainda valem para os dias atuais?
No texto Sobre um Pretenso Direito de Mentir por Amor à Humanidade, Kant investiga se há casos nos quais podemos mentir por razões “humanitárias”. Sem entrar nos detalhes, podemos dizer que o filósofo nega que se possa mentir e continuar fiel a seus princípios e à razão. Dizer a verdade é uma obrigação moral absoluta, que não pode ser quebrada. Essa posição radical contra toda forma de mentira foi muito influente em seu tempo e continua a ser discutida por pensadores atuais. 

O sr. é um estudioso de Maquiavel. Que ideias o italiano traz sobre a ‘verdade’? 
Maquiavel se preocupa em fundar um saber sobre a política na “verdade efetiva das coisas”. Assim se distancia de toda filosofia política que quer pensar o real a partir de modelos abstratos – que pretendem nos ensinar a viver, mas são incapazes de dizer como vivemos de fato. Essa guinada realista não o conduziu, no entanto, a acreditar que haja uma verdade na política que possa ser expressa de forma absoluta. O problema é que, no cenário da política, não podemos nos guiar por ideais irrealizáveis, por “utopias” diríamos hoje. Isso pode nos conduzir a simplesmente destruir as bases sobre as quais se funda um poder. Ao mesmo tempo, é preciso notar que o real é composto por vários elementos, entre os quais o simbólico e o imaginário ocupam lugares de destaque. Por isso, a política é tão fascinante e tão difícil de entender. Para além da posição realista, Maquiavel nos legou uma compreensão da complexidade da cena pública, que pode ser um bom remédio para os dogmatismos e as ideologias totalitárias. 

Os bastidores venezuelanos também marcaram a semana. Teorias da conspiração entram no jogo político? 
Essas teorias são parte da realidade política, porque constroem um discurso que se pretende verdadeiro. Assim fazem ao sugerir explicações que parecem mais profundas do que as que muitas vezes podem ser formuladas por cientistas sociais, filósofos ou jornalistas. Operam calcadas na ideia de que toda realidade pode ser explicada por uma lógica que apenas alguns são capazes de conhecer. Teorias da conspiração não são propriamente teorias políticas, mas seu uso no combate político é muito real. O essencial é que, ao veicular a ideia de que há uma causa escondida para tudo, essas teorias negam que ações políticas sejam frutos da liberdade dos homens e que por isso podem ser contingenciais. Como só alguns conhecem as verdadeiras articulações do real, apenas eles podem reivindicar o poder.  

Na política americana, o FBI deu ‘frágeis’ justificativas para a morte de um suspeito. 
Não tenho como saber o que aconteceu nos Estados Unidos, mas é possível observar que a morte do suspeito desencadeou uma disputa sobre seu significado que só é possível numa sociedade democrática. Se essa disputa caminhar é um sinal de que as instituições ainda garantem os valores essenciais da república. Se forem varridas para debaixo do tapete é um sinal de que não se trata apenas de um problema de credibilidade, mas de garantias constitucionais. E isso pode ser muito grave.  

Como diz o filósofo Oswaldo Porchat, ainda é preciso ser cético?
Porchat deu uma grande contribuição para a filosofia, com sua visão renovada do ceticismo. Em sua versão antiga, o ceticismo põe em dúvida a possibilidade de que proposições possam conter toda a verdade sobre uma coisa. Assim, elimina a ideia de que o papel da filosofia é explicitar a verdade em todas suas formas. Muitos céticos insistem não apenas sobre o fato de que o ceticismo introduz um elemento importante para a compreensão das ciências como processo de busca da verdade, mas altera nossa forma de olhar o cotidiano. Uma das consequências pode ser o afastamento da vida pública e o desenvolvimento de uma certa apatia, que seria adequada às sociedades atuais. É possível, no entanto, pensar o ceticismo como uma vacina contra todas as formas de dogmatismo. Nesse caso, continuamos a participar da vida pública sem, no entanto, acreditar deter a verdade sobre elas. Valores como tolerância e respeito às diferenças passam a nos orientar em um mundo no qual não é possível ter certezas absolutas. Talvez não possamos falar propriamente de uma filosofia política cética, mas é inegável que uma certa dose de ceticismo combine bem com a vida nas democracias. De fato, estamos mais céticos. E isso não é uma especificidade brasileira. O fenômeno ocorre em várias democracias atuais.

Com instituições tão abaladas, como uma sociedade resiste e não se desmantela? Quer dizer, em que ou em quem se pode confiar? 
Realizamos no Centro de Referência do Interesse Público (Crip-UFMG) pesquisas de opinião sobre a corrupção. Ali constatamos que a população pensa que as instituições políticas são corrompidas, mas é possível confiar em amigos e familiares. Isso mostra que há uma certa consciência da população brasileira de que a corrupção é um fenômeno importante de nossas vidas, mas não é absoluto. De fato, se não pudermos acreditar em nada, isso leva ao desespero ou a uma visão apocalíptica da realidade. Para vivermos em uma república, é preciso algum grau de confiança nas pessoas e mesmo nas instituições. Por isso, a corrupção é tão ameaçadora para um Estado de Direito. Desconfiar de tudo e de todos acaba tornando impossível a vida política, no lugar de propor um entendimento correto do que se passa e de como lutar contra as ameaças muito reais que corroem nossas vidas em comum.  

É possível manter relações sociais sem mentiras? Tipo ‘supersinceridade’?
É diferente ao se tratar da vida privada ou da vida pública. Não que a sinceridade não seja um valor nas duas esferas. Mas não pode ser vivida da mesma maneira em uma relação amorosa e em uma relação política. Na dimensão particular, é preciso lembrar que o desejo de ser absolutamente sincero e transparente esbarra no fato de que nem sempre somos transparentes para nós mesmos. Ora, na esfera pública, nem sempre a transparência é o melhor caminho para se preservar outros valores como a liberdade individual ou o direito à privacidade. Transformar a sinceridade em valor absoluto pode acabar comprometendo a sobrevivência das instituições democráticas. Ser totalmente “sincero”, por exemplo, sobre os meios de defesa de um país pode colocá-lo em risco diante de seus inimigos. Se tudo tiver de ser transparente, acaba a separação entre vida privada e vida pública e, como já mostrou Arendt, acaba também a política como expressão da liberdade. 

E rompantes de franqueza, como mostrou o ministro Joaquim Barbosa, são levados a sério? No fim, que bem faz a verdade? 

As palavras do ministro devem ser levadas a sério não por indicarem uma crise passageira entre os poderes da república brasileira, mas por mostrarem uma dimensão essencial da política contemporânea. Recentemente participei da organização do livro Dimensões Políticas da Justiça. Nele, pesquisadores procuram debater as diversas faces do conturbado relacionamento entre Justiça e política. O eixo desse trabalho é a ideia de que não se pode separar essas duas esferas da vida pública, sob pena de se deixar de lado um aspecto essencial da realidade atual. Talvez o fato mais importante seja a invasão da política pela lógica do Judiciário. Conflitos políticos são tratados como disputas jurídicas e perdem sua especificidade, alterando as regras que os guiam. Assim, quando o Congresso recorre repetidamente ao Judiciário para resolver suas querelas, abre mão de suas regras de embate para adotar aquela de um outro poder. Ora, o que Montesquieu já mostrou é que não buscamos o equilíbrio entre os poderes por uma razão moral, mas porque os poderes tendem a devorar os espaços dos outros. Por isso, precisam ser equilibrados para não levarem à perda do eixo de sustentação da vida republicana. No caso brasileiro, a judicialização da política implica o enfraquecimento do Poder Legislativo. Do outro lado, implica a politização do Poder Judiciário. Esse confronto é revelador de um processo muito mais amplo e profundo – e não apenas o sinal de uma crise envolvendo personalidades do momento.