domingo, 31 de março de 2013

Falta valorizar o lucro


Andre Franco Montoro Filho *
Apesar de várias iniciativas de política econômica, como a redução das taxas de juros, desvalorização cambial, desoneração tributária e crédito subsidiado, os resultados alcançados foram decepcionantes. A taxa de crescimento do PIB do Brasil, 0,9% em 2012, foi das menores do mundo. Ao mesmo tempo, a taxa de investimentos, que já era bastante baixa em comparação a outros emergentes, tem caído sistematicamente. O que explica esse fracasso? O que está faltando? Uma explicação fundamental é a forma como os lucros são vistos pelos atuais detentores do poder.

O lucro é fundamental para o bom funcionamento da economia de mercado. Em primeiro lugar, o lucro é um indicador das preferências dos consumidores. Como ninguém é obrigado a comprar um determinado bem ou serviço, se os produtores dessa mercadoria estão auferindo bons lucros significa que eles estão produzindo algo que a população deseja adquirir, a um preço que os consumidores podem pagar. Daí decorre que estão contribuindo para o bem comum da sociedade. Ao contrário, quando a produção de uma mercadoria estiver dando prejuízo significa que a população está rejeitando aquele bem ou serviço ou porque não gosta ou porque o preço é muito alto.

Além de ser indicador das preferências do consumidor, o lucro é um sinalizador de para onde o empresário deve dirigir seus recursos e habilidades. Um setor que esteja gerando bons lucros atrai esses recursos e habilidades e, com isso, a produção deste bem, para o qual a população revelou suas preferências, aumenta. O aumento da produção deverá reduzir os preços, contribuindo ainda mais para o bem-estar da população.

Assim, quando o governo procura arbitrar os lucros, controlando ou tributando os setores mais rentáveis e dando subsídios aos que não conseguem gerar lucros, ele está destruindo a eficiência da economia, reduzindo o bem-estar da população e diminuindo o crescimento do PIB.

Ademais o lucro, além desta função alocativa, é o grande determinante dos investimentos, com uma importante peculiaridade. Como os resultados financeiros dos investimentos são incertos, pois decorrem de desconhecidas situações futuras, a variável fundamental que orienta as decisões de investimento é sua expectativa de lucros.

Essa foi a grande contribuição de Keynes para a ciência econômica e base teórica para políticas fiscais ativas. O investimento não é uma decisão mecânica, definida por curvas de rendimentos conhecidas e bem comportadas. O investimento implica riscos. Investir é uma aposta no futuro. Recursos são aplicados hoje com expectativas de que no futuro gerarão rendimentos que os compensem.

Essas expectativas não se formam apenas a partir de considerações econômicas objetivas, como projeções de custos, condições de demanda, presença ou não de concorrentes, eventuais inovações tecnológicas, etc. Diversos outros aspectos são considerados, alguns objetivos outros subjetivos.

Entre os aspectos subjetivos ocupa um papel fundamental a confiança na permanência temporal das regras. O receio de que no futuro o governo vá alterar regras e que essa alteração prejudique o retorno do empreendimento é nefasto para a decisão de investimento e quase fatal para investimentos de longa duração, como o são os investimentos em infraestrutura de que tanto o Brasil precisa.

Otávio Mangabeira dizia que a democracia é uma flor delicada que deve ser sempre protegida e bem tratada. Considerações similares podem ser feitas para os investimentos em economias de mercado. É preciso criar condições favoráveis para que o hoje badalado "espírito animal" do investidor desperte.

Mas qual tem sido o comportamento do governo federal?

Reiteradas vezes, altas autoridades do governo federal têm manifestado, seja de forma direta, seja de forma tortuosa, que elas consideram altos lucros (segundo seus critérios) como algo inaceitável, quiçá pecaminoso. Exemplos são numerosos. Um dos mais elucidativos é a forma como o governo tratou a renovação de concessões de geradoras de energia elétrica. Colocou, de forma autoritária, o controle das tarifas e, portanto, do lucro como o valor supremo das decisões. O governo esquece que a maior tarifa é o apagão, que, por sinal, está sendo gerado por esta política de querer controlar e arbitrar lucros, o que afasta investimentos.

Outros exemplos se encontram na forma como o governo vem tratando a Petrobrás, que já foi a empresa de maior valor no Brasil e hoje apresenta prejuízos, queda de produção, atraso em seu plano de investimentos e sensível redução de seu valor de mercado. Ou na proposta de fixar taxas de retorno nas concessões de rodovias e ferrovias, o que afasta investidores de maior capacidade e atrai oportunistas.

Enquanto perdurarem desconfiança a respeito de lucros e simpatia para empresas em dificuldades, a mensagem que se está passando é a de que não vale a pena ser eficiente e lucrativo. Fazer investimentos e correr riscos. Melhor é ter prejuízos, chorar e mamar nas tetas da viúva.
* Andre Franco Montoro Filho é doutor em Economia pela Universidade Yale, professor titular da FEA-USP, foi presidente do BNDES e secretário de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo. E-mail:amontoro@usp.br.

O setor elétrico desgovernado


José Aníbal
Embora os cardeais do setor elétrico prefiram a expressão “adequar a companhia à nova realidade do mercado”, a intenção do governo de vender pedaços da Eletrobrás -- divulgada pela Reuters -- é senão o resultado da expropriação de ativos sofrida pelas empresas com a MP 579.
Sem se desfazer de parte do patrimônio, a estatal não conseguirá funcionar sob as novas regras. Do sonho petista de criar uma “super elétrica” brasileira ao esfacelamento da “Petrobras” do setor, bastou um estalar de dedos.
Primeiro foi a canetada mágica que decretou o corte dos custos da energia sem alterar a cobrança de impostos. Depois, como o governo planejou novas usinas mas se esqueceu das linhas de transmissão, o prejuízo de R$ 5 bilhões (até aqui) com a energia térmica emergencial iria sobrar para o consumidor -- arruinando a redução da conta de luz prometida na TV.
A solução foi mudar a regra retroativamente e socializar as perdas. Para esconder o vexame, espetaram a conta nas empresas, no mercado livre e até no Luz para Todos. Agora os cardeais se voltam para a desconstrução do “modelo” que nem sequer acabaram de criar.
No caso da conta pelo uso das térmicas, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão interministerial responsável pela proposição de diretrizes estratégicas, foi usado para alterar a regulação em caráter retroativo.
Agora a Aneel intervém num mercado cujas normas foram definidas pelo próprio governo em dezembro passado. Se forem adiante, os cardeais terão o poder de desfazer transações já realizadas, institucionalizando a expropriação do caixa das empresas. É como tentar atrair o investidor gritando “xô”!
A transferência dos prazos de sazonalidade para fevereiro de 2013, ao invés de dezembro de 2012, se deveu única e exclusivamente ao desejo dos agentes do governo de corrigir decisões anteriores. Agora pretendem cancelar a norma definida por eles mesmos há três meses, e então pegar de volta o que garantiram anteriormente.
Nenhuma desculpa, por esfarrapada que seja, foi elaborada a tempo para justificar a intervenção econômica nas empresas. Mas para um bom entendedor não há dúvida: trata-se da tentativa improvisada de remediar o desarranjo institucional em cascata desde a imposição do novo “modelo”.
A captura das instituições, o caos regulatório e a intervenção nas empresas obviamente têm impactos sombrios num setor que, por sua importância e complexidade, deveria ter a estabilidade legal e regulatória preservadas, bem como o bom ambiente para investidores.
Tudo somado, tornam-se evidentes as consequências do apetite eleitoral fora da hora e de uma visão de mundo ultrapassada, autoritária e estatizante.
A máquina de propaganda do governo demoniza à vontade seus desafetos. Mas os fatos estão aí. Os contratos em vigor não valem rigorosamente nada, 70% das obras de transmissão e 60% das obras de geração em andamento estão atrasadas e uso das térmicas pode custar R$ 11 bilhões até o final do ano.
O setor elétrico está desgovernado.

José Aníbal é economista, deputado federal licenciado (PSDB-SP) e secretário de Energia de São Paulo. Escreverá aqui sempre às quartas-feiras.

Minha rentável lavanderia


SÉRGIO AUGUSTO, de O Estado de S. Paulo
O magnata nunca parou de conspirar contra o czar; queria ser um Richelieu não um Luís XIII - Daniel Berehulak/Getty Images
Daniel Berehulak/Getty Images
O magnata nunca parou de conspirar contra o czar; queria ser um Richelieu não um Luís XIII
Chipre e Coreia do Norte dominaram o noticiário internacional, mas a Rússia, como se diz no turfe, pagou placê. A campanha invicta de sua seleção nas eliminatórias para a Copa do Mundo (sem falar no sufoco que ela deu nos canarinhos do Felipão, na segunda-feira), a inesperada morte de Boris Berezovsky, a incerta da polícia e do fisco nas organizações de defesa dos direitos humanos em Moscou e São Petersburgo, a greve de fome na colônia penal de Elizovo, os desdobramentos daquela agressão ao diretor artístico do Balé Bolshoi-foi farta e variada a pauta de assuntos oferecida à mídia pela Rússia, nas duas últimas semanas. Até na crise do Chipre ela andou metida. Muitos bilionários russos fizeram do Chipre uma lavanderia de dinheiro cercada de água (e dívidas) por todos os lados.

Fora dos gramados, só vexames a Rússia vem acumulando. Ponham tudo na conta de Vladimir Putin. Há 13 anos no poder, ele já foi presidente, primeiro-ministro, presidente de novo; na prática, é um czar. E, como os czares de antanho, um autocrata. Com a agravante de ter se formado na mais nefasta escola de líderes do país, a KGB, a polícia secreta stalinista, cuja sigla mudou (para SVR), mas não seus métodos de vigiar e punir. Putin reinventou a república imperial e a democradura, é o avatar contemporâneo de Stalin. 

Com 20 residências a seu dispor, incluindo um palácio perto de São Petersburgo cuja restauração custou uma fortuna, 43 aviões e frotas de carros e iates, e uma coleção de relógios no valor de 700 mil dólares , mais parece, é verdade, um monarca do Golfo Pérsico. O Parlamento come em sua mão e aprova todas as leis que possam ajudá-lo a perpetuar-se no Kremlin, com o apoio do eleitorado mais bronco e mal informado do país. 

Ano passado, Putin tornou legal castigar com pesadas multas e prisão quem criticar as autoridades ou fizer algo que o governo considere subversivo. As garotas do grupo punk Pussy Riot estão presas até hoje, assim como outros dissidentes do regime, igualmente timbrados de “inimigos do povo” (vaga pecha de inspiração soviética) e “elitistas a serviço de valores e interesses ocidentais”. Elitistas porque não se informam apenas pela televisão (sob controle estatal), lêem jornais, acessam a internet, e não consideram a defesa dos direitos humanos uma perniciosa afetação ocidental ou, como Putin também alardeia, um ardil para implantar no país uma revolução colorida nos moldes da que sacudiu a Geórgia e a Ucrânia.

Foi em represália às pressões dos Estados Unidos contra abusos aos direitos humanos na Rússia que o obsessivo e paranoico Putin proibiu, em dezembro, a adoção de órfãos russos por famílias americanas. Mil haviam sido adotados em 2011, ainda restariam cerca de 120 mil à espera de um lar. As passeatas contra a medida não surtiram o menor efeito. Na mesma ocasião, uma lei obrigando as ONGs com algum tipo de financiamento estrangeiro a se registrarem como “agentes estrangeiros” (como se espionagem fosse sua especialidade) e se submeterem a fiscalizações do ministério público, sem aviso prévio, aprimorou o cerco. 

Ainda que as instalações de entidades meramente culturais como a Aliança Francesa também tenham sido visitadas e devassadas por agentes do governo russo no início da semana, a blitz visou sobretudo as organizações que zelam pela defesa dos direitos humanos, como a Anistia Internacional, o grupo Memorial, o Human Rights Watch. A intenção era clara: intimidar e dificultar as atividades das ONGs, e, por tabela, amedrontar e inibir a oposição. 

A repercussão fora de casa foi a pior possível. Arrufos diplomáticos com os governos da França, da Alemanha, e a União Europeia arranharam um pouco mais a reputação do presidente russo. Dentro de casa, a malaise de sempre. Só os intelectuais chapas brancas não execram o atual governo, “corrupto e criminoso”, segundo Mikhail Shishkin, um dos mais badalados escritores contemporâneos do país. 

No início do mês, Shishkin se recusou a representar a Rússia na maior feira de livros dos Estados Unidos, a Book Expo America, “exclusivamente por razões éticas”. Receava ser tomado por um garoto-propaganda do regime, que abomina, da presidência ao judiciário (“não serve à lei, mas às autoridades”). Não reconhece a sua Rússia naquela em que vive, anestesiada por uma televisão “prostituta” e à mercê de “uma súcia de impostores que nos impõe leis insanas, medievalescas” (leia-se o Parlamento). 

Há dias, o autor de best sellers policiais Boris Akunin, do alto de sua verdadeira identidade (Grigory Chkhartishvili), anunciou haver abandonado a ficção para escrever uma grande história da Rússia, em vários volumes, como um contraponto aos livros didáticos, ideologicamente preconceituosos, encomendados pelo presidente Putin. Começará pelo século 13 . Ou seja, virá de Alexandre Nevsky até os dias correntes. Vale dizer, até Putin, as máfias pós-perestroika, os nababos russo-cipriotas...e Boris Berezovsky, o magnata exilado que se enforcou em Londres, no final da semana passada.

Berezovsky talvez tenha sido a figura dramática mais marcante, para não dizer fascinante, da transição para a nova Rússia, nos anos 1990. Aproveitando o vácuo deixado pelo ancien régime, avançou sobre diversas riquezas do país (petróleo, minério, bancos, fábricas), enriqueceu e tornou-se o homem mais influente da política nacional. Tinha nas mãos todas as autoridades e todos os líderes empresariais. Fez Putin suceder na marra a Boris Yeltsin. Traído e perseguido, asilou-se em Londres, onde diversificou seus negócios (até no Corinthians lavou dinheiro) e perdeu uma fábula em brigas judiciais com seu antigo sócio, Roman Abramovich, dono do Chelsea.

Nunca parou de conspirar contra seu maior afilhado político. Almejava o poder sem as suas obrigações. Queria ser um Richelieu, não um Luís XIII. Por pouco não acabou como o Trótski de Putin. Preferiu o suicídio a uma picaretada na moleira. Sua história, não porque tenha vivido os últimos anos na Inglaterra, é mais Shakespeare que Dostoiévski.