terça-feira, 20 de novembro de 2012

O caso Fantástico-UFRJ e o papel do CNJ




Coluna Econômica - 20/11/2012


O produto notícia sempre explorou a escandalização como um de seus maiores fatores de venda. Não se trata propriamente de serviço público, mas de uma operação comercial, que visa vender mais, atrair mais leitores/espectadores e, em alguns casos, pressionar anunciantes ou tomar partido em disputas empresariais ou políticas.

O escândalo é um produto jornalístico é, como tal, é tratado como marketing, da mesma forma que qualquer produto de consumo. E os ingredientes centrais desse marketing são a ampliação de verdadeira dimensão, “esquentar” a notícia, como se diz no jargão jornalístico.

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Em geral, tende-se a analisar a imprensa apenas como contraponto ao Estado, como representante da opinião pública.

Ora, no universo da opinião pública há um sem-número de personagens: o Estado, os grandes interesses econômicos, os partidos políticos, os demais poderes da República e, principalmente, o cidadão, o indivíduo, frágil, vulnerável em relação aos poderes maiores.
É para este cidadão que deveria se voltar a olhar da Justiça. No entanto, sua única forma de defesa, hoje em dia, são as redes sociais, jamais o Judiciário.

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Na semana retrasada o programa “Fantástico” anunciou uma matéria bombástica contra a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Falava-se em desvio de dinheiro, lançavam-se suspeitas de enriquecimento ilícito e por aí afora.
Das redes sociais veio o alerta de que estariam cometendo um  “assassinato de reputação”.  A matéria foi suspensa e transferida para domingo passado, agora com um cuidado jornalístico maior.

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E aí se entra em um dos muitos recursos de manipulação de escândalos utilizados atemporalmente pela mídia: a confusão intencional entre problemas administrativos e desvio de recursos. Ou o superdimensionamento de pequenas infrações, tratadas como se fossem grandes crimes contra a ordem pública.

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De acordo com o site do Fantástico, há 4 anos a UFRJ começou a ser investigada pelo Ministério Público Federal (MPF) – que provavelmente encaminhou ao programa o inquérito sigiloso – e pela AGU (Advocacia Geral da União).

Tirando toda a retórica, o caso fica resumido a isto:
1. A UFRJ firmou convênio com o Banco do Brasil que, em troca da administração das contas, pagaria uma quantia anual à instituição. De 2005 a 2009. Segundo o MPF, deveria ter havido licitação. Mas era um banco público e uma instituição pública.

2. O dinheiro foi repassado para uma fundação, e não para o orçamento da Universidade e não foi incluído no SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal). Aí se tem uma irregularidade administrativa, sim. Mas, na própria matéria, especialistas atestam que quase todas as universidades procedem assim, para não cair no emaranhado burocrático da administração pública. De dois anos para cá mudou a legislação. A matéria reconhece que o contrato com o BB é anterior. Sem escândalo.

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O contrato com o BB envolveu a quantia de R$ 43.520.000 em cinco anos.

Os “escândalos”

Identificaram-se, concretamente, as seguintes irregularidades: 1. Um professor utilizou notas frias para justificar despesas (R$ 10.083,00). 2. Outro professor recebeu através de uma empresa dele a quantia de R$ 27 mil. 3. Contratação de uma empresa para fornecer agendas para a UFRJ (R$ 27 mil). 4. A concessão de dois restaurantes. 5. o pagamento de R$ 264 mil a uma empresa que fornecia coquetéis e lanches.

“Esquentando” o escândalo

A nota da UFRJ mostra que a empresa que emitiu a nota não havia desaparecido, mas apenas mudando de endereço. O reitor recebeu o Fantástico e apresentou um balanço do que foi feito com o dinheiro do BB: seminários, congressos e recepções, na manutenção e reformas de prédios, na construção de restaurantes. Em vez de focar nas obras que foram realizadas com os recursos, deu-se destaque para as que não foram.

O vazamento do MPF

O “Fantástico” recebeu o inquérito antes dos indiciados. Com isso, ficou com o poder de julgar e condenar sete pessoas perante dezenas de milhões de telespectadores. As ressalvas às denúncias só foram entendidas por um diminuto número de espectadores, que sabem diferenciar problemas administrativos de malversação graúda de dinheiro. Mesmo com os cuidados da reportagem, perante a opinião pública estão todos condenados.

O papel do CNJ - 1

E aí se entra nessa escandalosa iniciativa do Ministro Ayres Britto, de criar uma comissão permanente, no âmbito do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), para garantir a grande mídia contra as ações propostas pelas vítimas. A comissão será composta por integrantes do poder judiciário e por representantes de órgãos de mídia. Não se cogitou sequer de defensores das vítimas de pequenos e grandes crimes.

O papel do CNJ - 2

Quando Ministro do STF, Ayres Britto, a pretexto de acabar com a Lei de Imprensa, deixou um vácuo jurídico que prejudicou fundamentalmente o direito de resposta. Agiu exclusivamente com o propósito de agradar a mídia, principalmente depois que espocaram denúncias sobre o uso do seu nome por seu próprio genro, em ações que passavam pelo STF e pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Coincidentemente, as denúncias sumiram do noticiário

O cidadão desprotegido

Tem-se, agora, o ensaio de uma briga de gigantes. De um lado, Congresso Nacional, partidos políticos; de outro, o Executivo; na terceira ponta, MPF, STF e mídia. E onde fica o cidadão comum? Em nenhum momento, Ayres Britto – ou o próprio STF – pensou no cidadão comum. Este continua à mercê de um Judiciário que entende a mídia com olhos do governante norte-americano do século 18. Muitos assassinatos ainda serão cometidos.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

'País tem que mudar já para garantir emprego do futuro', diz Delfim Netto


O atual modelo econômico não consegue gerar os empregos necessários para os 150 milhões de brasileiros que estarão no mercado de trabalho em 2030.
Essa advertência não vem de críticos contumazes do governo, mas, sim, de um dos notórios defensores das políticas da presidente Dilma Rousseff: Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
"A atividade industrial é fundamental para gerar esses 150 milhões de empregos", avalia Delfim, que é também colunista da Folha. Mas, segundo ele, o descompasso entre produção e consumo atingiu um limite. "Nós estamos destruindo o setor industrial brasileiro, que era extremamente sofisticado."
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Folha - O endividamento no Brasil está muito alto? A inadimplência no financiamento de automóveis está batendo recordes...
Antonio Delfim Netto - O crédito no Brasil era e ainda é muito baixo. O crédito imobiliário por exemplo, ainda é ridiculamente baixo.
Essa ideia dos economistas de que você não deve comprar carro porque é pobre não vale. O sujeito sabe que só vai viver uma vez.
Zé Carlos Barretta/Folhapress
Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento
Delfim, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento
Se você for a Cotia, vai ver um sujeito que conserva seu DKW produzido em 1947, 1950. Para quê? Para no domingo chegar à missa, ele, a mulher e os dois filhinhos, com seu DKW. É o status. É claro que o brasileiro gosta de consumir. Quem não gosta?
Mas o sr. não acha o nível de poupança muito baixo?
Com o vento da China e a expansão do mundo, nos transformamos num país credor. Hoje temos cerca de US$ 370 bilhões de reservas. Então durante algum tempo você pode deixar abrir a boca entre consumo e produção.
Ainda dá?
Acho que já abriu demais. Estamos destruindo o setor industrial brasileiro, que era extremamente sofisticado.
Acha preocupante a deterioração nas contas externas?
Ela é produto da própria política que nós adotamos.
Com uma taxa de juros interna muito superior à externa, a taxa de câmbio deixa de ser um preço relativo e passa a ser um ativo financeiro.
Sempre brinco e é verdade -nos últimos 10 ou 12 anos, o Brasil foi o último peru com farofa disponível na mesa do mercado internacional fora do Dia de Ação de Graças.
O Brasil continua sendo o último peru com farofa?
Agora está diminuindo. Os riscos cresceram, houve correção. Mas o governo produziu a maior supervalorização do real durante 12, 15 anos.
Isso tem um efeito devastador. E só pôde ser feito porque estamos montados em reservas e na ideia de que temos um câmbio flexível, e, eventualmente, se houver um problema, o câmbio vai para cima e corrige tudo. E também porque os credores ainda acreditam na gente.
Por que ficamos tão abaixo de outros países, como Chile, México, Peru...
O Brasil cresceu durante 30 anos 7,5% ao ano. Depois veio a do petróleo. Agora está se recuperando lentamente.
Todo mundo sabe que o setor privado é mais eficiente que o público. Quando o Brasil crescia 7,5%, a carga tributária bruta era 24% e o governo investia 4,5% do PIB. Hoje a carga é 35% e o governo não investe nem 2% do PIB.
É uma questão de aritmética. Eu tiro recursos do setor privado e transfiro para o setor público, de menor produtividade. A taxa de crescimento vai cair.
O senhor concorda que a taxa de investimento deveria chegar a 25%?
Para em 2030 a gente ter uma renda per capita em paridade de poder de compra parecida com a de Portugal, nenhuma grande ambição, precisa crescer 5% ao ano.
Em 2030, vamos ter que dar empregos de boa qualidade para a população entre 15 e 64 anos, que será 150 milhões. Será que este modelo que está aí é capaz de produzir isso?
Nosso setor agroindustrial é ultrassofisticado, mas poupador de mão de obra. O de extração mineral -incluindo petróleo-, também é muito produtivo e eficiente, mas poupador de mão de obra.
Só podemos ter essa sociedade que queremos desenvolvendo indústria e serviços.
Serviços vão se desenvolver naturalmente no processo civilizatório. A atividade industrial é fundamental para gerar esses empregos.
Mas como se refortalece a indústria?
Precisamos fazer aqui uma plataforma exportadora que é também importadora.
Você não precisa produzir a geladeira inteira, nem 70% da geladeira. Precisa ter sua geladeira inscrita dentro de uma estrutura produtiva eficiente. Em que ela não serve apenas um mercado que é um porcentual do nosso PIB. Ela vai servir o mercado mundial.
Não há país nenhum do mundo onde o Estado não tenha sido fator fundamental no estímulo ao crescimento. Mas o que o Brasil fez nos últimos 25 anos? Aumentou todos os custos dos produtos básicos e liberou a importação dos produtos finais.
O programa de concessões anunciado pela presidente vai no caminho certo?
A mudança é muito mais profunda do que parece. É a superação na inegável desconfiança mútua entre o governo e o setor privado.
O que o sr. acha da proposta de a Infraero manter 51% dos aeroportos a serem leiloados?
É um problema exagerado, como nós exageramos no petróleo. Não tem razão de a Petrobras correr todos os riscos. Isso vai ter que mudar.
Muitos economistas que admiram o sr. dizem que talvez sua benevolência com o governo federal seja porque o sr. odeia a unanimidade....
Não acredito no Nelson Rodrigues, a unanimidade não é necessariamente burra.
Eu tenho um entusiasmo, porque estamos construindo uma nação decente. A inclusão social é uma revolução feita pela educação da mulher. Ela introjetou a ideia de que eu só posso subir, se eu me educar. E isso mudou a estrutura demográfica.
Se alguém dissesse na época para mim e para o Campos [Roberto Campos, ex-ministro do Planejamento] que a taxa de fecundidade iria ser 1,9 por mulher -era 6,4...
A grande revolução brasileira foi a revolução das mulheres. Elas se educaram muito mais depressa e progrediram muito mais que os homens. Era uma senhora que prestava serviços domésticos, foi promovida a manicure, cabeleireira, preparou-se um pouco mais, foi pro call center, virou caixa do supermercado.
Ela usava sabão de coco, agora usa Dove. Só um economista maluco acha que vai conseguir fazer ela voltar a usar sabão de coco aumentando a taxa de juros.

Metas da política de resíduos sólidos podem ser adiadas


MATEUS COUTINHO , ESPECIAL PARA O ESTADO - O Estado de S.Paulo
A baixa adesão dos municípios à elaboração dos planos locais de gestão dos resíduos sólidos - que tinha como prazo agosto deste ano - está fazendo o governo cogitar a possibilidade de adiar as metas da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).
A lei, sancionada no final de 2010, prevê, entre outras coisas, o fim dos lixões e a instauração da coleta seletiva e da reciclagem em todos os municípios brasileiros até 2014.
"Já há projetos de adiamento do prazo, para que possamos prorrogar as ações dos planos e ajudar os municípios", admitiu o secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, Pedro Wilson.
Contrariando o que pede a lei, menos de 10% das cidades entregaram seus planos - o que torna ainda mais difícil que elas cumpram as metas, visto que o governo vincula o repasse de verba à existência do plano.
Aliado a isso, dados da pesquisa Perfil dos Municípios Brasileiros de 2011, divulgada pelo IBGE na terça-feira, mostram que apenas 32,3% das cidades brasileiras possuem alguma iniciativa de coleta seletiva em atividade.
Fracasso. A perspectiva de adiamento dos prazos previstos para 2014 é considerada um fracasso para especialistas e entidades ligadas ao setor.
O diretor executivo da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, (Abrelpe), Carlos Silva, lembra que os lixões são proibidos no País desde 1981. "Está mais que na hora de tornar o tema presente nas agendas municipais. O encaminhamento da lei é plenamente possível, já que ela prevê vários elementos, até de sustentabilidade econômica para os municípios", ressalta.
"Toda dilatação de prazo gera um desconforto. Qual compromisso os municípios vão assumir ao serem agraciados com essa prorrogação?", concorda o vice-presidente da Associação Brasileira de Resíduos Sólidos e Limpeza Pública (ABLP), João Gianesi Netto. No ano passado, a entidade criou e distribuiu para mais de mil municípios uma cartilha explicando como os municípios deveriam se planejar para cumprir as metas da PNRS.
Queixas. Os prefeitos reclamam da falta de recursos do governo e de que o prazo estabelecido pela lei foi curto. Levantamento feito pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostra que os gastos para construir os aterros em todas as cidades chegariam a R$ 65 bilhões.
Para o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, as metas ainda estão longe de serem alcançadas. "Somente 10% dos prefeitos devem ter noção da situação dessas metas. A maioria só se dá conta quando assume e aí não sabe o que fazer", diz.
Com a política do governo de renúncia fiscal para estimular a economia, os orçamentos municipais devem sofrer impacto ainda maior: 22,5% do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto de Renda é destinado ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que transfere recursos para as cidades de acordo com o tamanho da população. Somente neste ano as renúncias reduziram a arrecadação do FPM em R$ 1,8 bilhão.
"É um elemento agravante para os municípios, que já têm pouca capacidade de gestão, planejamento e financiamento", avalia o professor e economia da FGV Gesner de Oliveira.