segunda-feira, 19 de novembro de 2012

'País tem que mudar já para garantir emprego do futuro', diz Delfim Netto


O atual modelo econômico não consegue gerar os empregos necessários para os 150 milhões de brasileiros que estarão no mercado de trabalho em 2030.
Essa advertência não vem de críticos contumazes do governo, mas, sim, de um dos notórios defensores das políticas da presidente Dilma Rousseff: Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
"A atividade industrial é fundamental para gerar esses 150 milhões de empregos", avalia Delfim, que é também colunista da Folha. Mas, segundo ele, o descompasso entre produção e consumo atingiu um limite. "Nós estamos destruindo o setor industrial brasileiro, que era extremamente sofisticado."
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Folha - O endividamento no Brasil está muito alto? A inadimplência no financiamento de automóveis está batendo recordes...
Antonio Delfim Netto - O crédito no Brasil era e ainda é muito baixo. O crédito imobiliário por exemplo, ainda é ridiculamente baixo.
Essa ideia dos economistas de que você não deve comprar carro porque é pobre não vale. O sujeito sabe que só vai viver uma vez.
Zé Carlos Barretta/Folhapress
Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento
Delfim, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento
Se você for a Cotia, vai ver um sujeito que conserva seu DKW produzido em 1947, 1950. Para quê? Para no domingo chegar à missa, ele, a mulher e os dois filhinhos, com seu DKW. É o status. É claro que o brasileiro gosta de consumir. Quem não gosta?
Mas o sr. não acha o nível de poupança muito baixo?
Com o vento da China e a expansão do mundo, nos transformamos num país credor. Hoje temos cerca de US$ 370 bilhões de reservas. Então durante algum tempo você pode deixar abrir a boca entre consumo e produção.
Ainda dá?
Acho que já abriu demais. Estamos destruindo o setor industrial brasileiro, que era extremamente sofisticado.
Acha preocupante a deterioração nas contas externas?
Ela é produto da própria política que nós adotamos.
Com uma taxa de juros interna muito superior à externa, a taxa de câmbio deixa de ser um preço relativo e passa a ser um ativo financeiro.
Sempre brinco e é verdade -nos últimos 10 ou 12 anos, o Brasil foi o último peru com farofa disponível na mesa do mercado internacional fora do Dia de Ação de Graças.
O Brasil continua sendo o último peru com farofa?
Agora está diminuindo. Os riscos cresceram, houve correção. Mas o governo produziu a maior supervalorização do real durante 12, 15 anos.
Isso tem um efeito devastador. E só pôde ser feito porque estamos montados em reservas e na ideia de que temos um câmbio flexível, e, eventualmente, se houver um problema, o câmbio vai para cima e corrige tudo. E também porque os credores ainda acreditam na gente.
Por que ficamos tão abaixo de outros países, como Chile, México, Peru...
O Brasil cresceu durante 30 anos 7,5% ao ano. Depois veio a do petróleo. Agora está se recuperando lentamente.
Todo mundo sabe que o setor privado é mais eficiente que o público. Quando o Brasil crescia 7,5%, a carga tributária bruta era 24% e o governo investia 4,5% do PIB. Hoje a carga é 35% e o governo não investe nem 2% do PIB.
É uma questão de aritmética. Eu tiro recursos do setor privado e transfiro para o setor público, de menor produtividade. A taxa de crescimento vai cair.
O senhor concorda que a taxa de investimento deveria chegar a 25%?
Para em 2030 a gente ter uma renda per capita em paridade de poder de compra parecida com a de Portugal, nenhuma grande ambição, precisa crescer 5% ao ano.
Em 2030, vamos ter que dar empregos de boa qualidade para a população entre 15 e 64 anos, que será 150 milhões. Será que este modelo que está aí é capaz de produzir isso?
Nosso setor agroindustrial é ultrassofisticado, mas poupador de mão de obra. O de extração mineral -incluindo petróleo-, também é muito produtivo e eficiente, mas poupador de mão de obra.
Só podemos ter essa sociedade que queremos desenvolvendo indústria e serviços.
Serviços vão se desenvolver naturalmente no processo civilizatório. A atividade industrial é fundamental para gerar esses empregos.
Mas como se refortalece a indústria?
Precisamos fazer aqui uma plataforma exportadora que é também importadora.
Você não precisa produzir a geladeira inteira, nem 70% da geladeira. Precisa ter sua geladeira inscrita dentro de uma estrutura produtiva eficiente. Em que ela não serve apenas um mercado que é um porcentual do nosso PIB. Ela vai servir o mercado mundial.
Não há país nenhum do mundo onde o Estado não tenha sido fator fundamental no estímulo ao crescimento. Mas o que o Brasil fez nos últimos 25 anos? Aumentou todos os custos dos produtos básicos e liberou a importação dos produtos finais.
O programa de concessões anunciado pela presidente vai no caminho certo?
A mudança é muito mais profunda do que parece. É a superação na inegável desconfiança mútua entre o governo e o setor privado.
O que o sr. acha da proposta de a Infraero manter 51% dos aeroportos a serem leiloados?
É um problema exagerado, como nós exageramos no petróleo. Não tem razão de a Petrobras correr todos os riscos. Isso vai ter que mudar.
Muitos economistas que admiram o sr. dizem que talvez sua benevolência com o governo federal seja porque o sr. odeia a unanimidade....
Não acredito no Nelson Rodrigues, a unanimidade não é necessariamente burra.
Eu tenho um entusiasmo, porque estamos construindo uma nação decente. A inclusão social é uma revolução feita pela educação da mulher. Ela introjetou a ideia de que eu só posso subir, se eu me educar. E isso mudou a estrutura demográfica.
Se alguém dissesse na época para mim e para o Campos [Roberto Campos, ex-ministro do Planejamento] que a taxa de fecundidade iria ser 1,9 por mulher -era 6,4...
A grande revolução brasileira foi a revolução das mulheres. Elas se educaram muito mais depressa e progrediram muito mais que os homens. Era uma senhora que prestava serviços domésticos, foi promovida a manicure, cabeleireira, preparou-se um pouco mais, foi pro call center, virou caixa do supermercado.
Ela usava sabão de coco, agora usa Dove. Só um economista maluco acha que vai conseguir fazer ela voltar a usar sabão de coco aumentando a taxa de juros.

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