quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Nova estrada deve aliviar tráfego local no litoral norte


rtur Rodrigues e Bruno Ribeiro - O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - O governo do Estado de São Paulo obteve licença do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) para construir o Contorno Sul de Caraguatatuba e São Sebastião da Rodovia dos Tamoios. Trata-se de um trecho de 30,8 quilômetros que liga a Tamoios (SP-099), em Caraguatatuba, à Rodovia Doutor Manoel Hipólito do Rego, a Rio-Santos (SP-055), na altura do Porto de São Sebastião.
A licença era a barreira que faltava para a empresa estadual Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa) dar andamento à obra. Existia uma grande polêmica sobre o impacto dos trabalhos, uma vez que o traçado passará por cima de uma extensa área virgem de Mata Atlântica no Estado. A Prefeitura de São Sebastião criticou a concessão da licença e o secretário de Meio Ambiente do município, Eduardo Hipólito Rego, afirmou que ela foi obtida com a avaliação de critérios "mais econômicos do que ambientais".
A construção do contorno possibilitará que o trecho da Rio-Santos entre São Sebastião e Caraguatatuba seja usado apenas para o tráfego local, enquanto o novo trecho funcionará como uma via expressa. "Aquele trecho rende um congestionamento famoso em época de temporada. A obra cria um contorno viário para essa parte", diz o diretor-presidente da Dersa, Laurence Casagrande Lourenço. O órgão também espera que a rodovia ajude a diminuir o índice de acidentes na área.
Em três anos. A construção, em formato de arco, terá 31 viadutos, 5 pontes e 4 túneis. A obra está estimada em R$ 1,6 bilhão. Para que os trabalhos comecem, ainda é necessário fazer o projeto executivo e a licitação. A estimativa da Dersa é de que as obras sejam iniciadas em março do ano que vem e fiquem prontas em três anos.
O Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) foram protocolados em janeiro de 2010. O estudo foi discutido e ficou disponível na internet. Após as discussões, a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) elaborou o parecer de viabilidade, aprovado nesta quarta-feira, 15. Mesmo assim, o Contorno Sul é criticado por ambientalistas.
Impacto. O parecer da Cetesb determina 59 ações que o governo do Estado terá de adotar para mitigar os impactos ambientais que a obra trará. Entre as exigências estão serviços de reflorestamento e de monitoramento ambiental das áreas afetadas indiretamente pela construção das pistas. São, ao todo, 14 programas ambientais.
O presidente da Dersa rebate os argumentos de desmatamento. "A rodovia foi planejada para ter baixíssimo impacto ambiental", afirma. Lourenço argumenta que, como se trata de uma via expressa, o contorno servirá como barreira natural para a expansão da ocupação que já ocorre no Parque Estadual da Serra do Mar.
O governo também afirma que haverá ganho econômico, pois essa infraestrutura servirá ao Porto de São Sebastião. A ligação deve amenizar o impacto no trânsito da possível ampliação do terminal, que aguarda licenciamento ambiental pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). "Hoje, os caminhões que vão levar produtos passam por dentro de São Sebastião e Caraguá e têm uma série de restrições, de horários para passar. Isso atrapalha o funcionamento do porto."
Lourenço afirma que o contorno também permitirá a construção de um retroporto - onde serão armazenados produtos e haverá logística de transporte - em Caraguatatuba. "São Sebastião não tem área para a construção do retroporto. Com ele, a capacidade operacional do Porto de São Sebastião será maior."
Norte. A Dersa aguarda agora o licenciamento ambiental do Contorno Norte de Caraguatatuba. A intervenção viária terá sete quilômetros e um túnel de 400 metros. O estudo de impacto ambiental da obra foi protocolado em 29 de dezembro de 2001 e teve audiência pública realizada em 5 de junho deste ano.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

"Muitos pais não percebem, mas seus filhos se tornaram idiotas", diz Ziraldo na Bienal


  • Ziraldo durante a 22º Bienal Internacional do Livro, em São Paulo (9/8/2012)
Uma breve conversa de 15 minutos com Ziraldo na Bienal Internacional do Livro de São Paulo acaba passando por temas como literatura, colonização brasileira, marketing, UFC, novas tecnologias, casos de família e até mesmo um pouco sobre os seus lançamentos na feira.
Aos 80 anos e em sua 16ª Bienal, o pai do Menino Maluquinho não cessa de enfatizar a importância de feiras literárias e do próprio livro para enfrentar o que ele considera em “emburrecimento” endêmico da sociedade.
“A família brasileira não lê. Nós temos a internet que pode ser a fonte da vida e do conhecimento, mas o computador é usado como brinquedo. Muitos pais não percebem, mas seus filhos se tornaram idiotas”, disse Ziraldo ao UOL. “Bote um livro na mão do seu filho e ensine o domínio da leitura. Se ele não dominar isso, só vai dar certo se souber jogar futebol ou dar porrada muito bem para entrar nesse UFC”.
“Liguei a TV de madrugada outro dia e vi dois seres se esfregando. Achei que fosse pornografia. E aí o chão começou a se encher de sangue como se tivesse rompido o hímen. Só depois percebi que era essas lutas”
Ziraldo sobre o UFC
Ziraldo mostra não aprovar o sucesso das competições de artes marciais mistas. “Liguei a TV de madrugada outro dia e vi dois seres se esfregando. Achei que fosse pornografia. E aí o chão começou a se encher de sangue como se tivesse rompido o hímen. Só depois percebi que era essas lutas”, contou Ziraldo.
Apesar de ser autor de obras que marcaram seguidas gerações de crianças brasileiras, Ziraldo diz que não se considera um narrador. “Não tenho um talento como o de Thalita Rebouças ou da autora do Harry Potter”, falou. “Eu parto de uma ideia simples como uma ilustração e tento fechá-la com chave de ouro, como fazia quando trabalhava no marketing”.
“O livro é o objeto mais perfeito da história da humanidade”, defendeu Ziraldo. “Você carrega a história em suas mãos, sente o cheiro do papel, o tempo que você vira uma página é um tempo que percorre na história. O livro contém vida e isso não pode ser substituído por algo frio e digital”.
Quando perguntado sobre o que mudou em sua comunicação com as crianças em todos os anos de literatura infantil, Ziraldo responde: “Não mudou nada. Os tempos e as tecnologias podem mudar, mas a criança não muda nunca”. Ziraldo lança na feira “O Grande Livro das Tias” (Melhoramentos), homenagem às tias e sua importância na infância.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Morreu o diploma, viva o diploma

Por Norma Couri em 14/08/2012 na edição 707, no Observatório da Imprensa


Não sei a faculdade de Jornalismo que Lúcia Guimarães cursou, nem o ano, mas o trabalho com palavras que ela apresentou no final de um curso, soltas dentro de um vidro transparente, pode ser considerado criativo se foi feito na época em que o concretismo estava em alta e a poesia concreta paginava com claros/escuros as páginas dos jornais. Já vi muita coisa parecida com o rótulo de arte moderna. Não digo se gosto ou não gosto, mas tem vários elementos que o Jornalismo necessita: rapidez na produção, criação de última hora, originalidade e a valorização do uso de palavras que andam virando grunhidos no Twitter, como descreveu José Saramago.
Não sei também em que isso desmerece o Jornalismo, porque não sei o que os colegas andam fazendo na faculdade de Física, Química ou Artes Plásticas – e isso não colabora para a tese maléfica de tirar o diploma nem decretar que uma profissão não é uma profissão.
Viadutos caem, prédios desmoronam, artes são inexpressivas ou consideradas degeneradas (como aconteceu com os nazistas em relação ao Expressionismo), advogados são corruptos e juízes inconsequentes, e nem por isso achamos que qualquer um que seja bom em matemática, cálculo e criação pode virar arquiteto ou engenheiro. A arte não vale nada como carreira porque uma criança pode rabiscar como Picasso ou Miró, e o Direito, ora, qualquer um que se debruce atentamente sobre as leis e tenha bom senso saberá julgar diante de um processo.
E os psicanalistas? É preciso ouvir atentamente e deixar o outro falar porque “parece” que é só isso que acontece num consultório, e ainda por cima com as horas mais caras do planeta. Crianças costumam ir ao psicólogo para desenhar, e isso ele não pode fazer em casa? Demite-se a carreira de Psicologia também. Médico? O pai de um menino condenado a viver menos de um ano não conserva o filho vivo com mais de 20 anos porque se debruçou na doença e garante que entende do assunto mais do que qualquer médico? É possível. Depois, pacientes não morrem? Médicos não erram? O doente não é quem sabe sua própria doença? Para que diploma de Medicina? Ainda se morre de Aids, câncer.
A base de tudo
Dizer que Jornalismo não é uma ciência é uma agressão e só colabora com a tese de alguns historiadores, irritados com a similaridade dos métodos de uns e de outros em captar o cotidiano de uma época, embora com cortes diferentes, sendo que a História é uma ciência e o Jornalismo... qualquer um pode fazer. O estudo do Jornalismo é uma ciência.
Jornalista há 40 anos, formada pela PUC do Rio, com mestrado na Columbia University – que Lúcia clama como uma usina de grandes profissionais – e doutorado na USP com tese em Cinema, eu sei o quanto uma boa escola de Jornalismo pode contribuir para o bom Jornalismo e posso garantir que não vi melhora na área depois que a obrigatoriedade do diploma caiu.
Pelo contrário, vi muito político ocupando espaço de profissionais, muito ator e atriz escrevendo e atuando em TV no lugar que caberia a um profissional de Jornalismo, ouvi muita bobagem no rádio e até uma infatilização da profissão por pessoas que não garanto que tenham diploma de Jornalismo, mas acredito que não. O tatibitati hoje é geral e o público privilegiado é agraciado com bobagens porque se supõe que ele não alcance outros padrões.
Concordo que as faculdades proliferaram em geração espontânea e caíram de nível na mesma proporção do que acontece em outras áreas. Porque a universidade que há mais ou menos 40 anos filtrava menos de 1% da população, ou seja, a nata, hoje, democratizada, abre as portas indiscriminadamente enquanto as escolas se multiplicam gananciosamente caras. Pagou, entrou. E a educação nunca foi prioridade no Brasil.
Não sei a ética que se exige de outras profissões, mas sei que a exigida pelo Jornalismo está na base do jogo: sem ética um profissional não vai muito longe. Não sei se um político que ganha uma coluna em jornal, um arquiteto, um artista plástico que pleiteia uma coluna de artes, um advogado, um músico ou qualquer outro profissional de outra área foca sua ética para o mesmo ponto que um jornalista. Porque a ética do político é com a política e seu interesse no momento, a do artista é com a arte, o músico, com a música, e os arrivistas com o interesse pessoal ou financeiro de agradar aqui e ali, receber daqui e dali. A ética do jornalista tece a própria relação com o entrevistado, do começo ao fim – o foco está ali, na coisa sendo feita e nas suas consequências. Um deslize acaba com uma carreira em segundos porque na raiz de tudo está a credibilidade.
Outro nível
Concordo plenamente com o ministro Gilmar Mendes, do STF, em que a profissão equivale a de um chef de cozinha, basta a prática. Um cozinheiro tem de ser criativo, experimentado, preparar a ceia com antecedência, cuidar dos ingredientes, produzir uma cena perfeita com paladar, tato e visão. E pode surpreender, provocar nos temperos. Não desmerece o jornalista ser comparado com um chef de cozinha. Desmerece Gilmar Mendes que não entendeu o espírito da coisa. E agora até os chefes de cozinha – como Alex Atala – reivindicam o reconhecimento da profissão.
Como disse Lúcia Guimarães, qualquer um pode apertar um botão e enviar uma foto de qualquer lugar, qualquer um pode reportar um acontecimento, um assalto, um engarrafamento e tudo pode se resumir a 140 caracteres como no Twitter. Qualquer um pode perguntar, gravar a conversa e reproduzir tintim por tintim. Mas isso não é jornalismo.
Acho que estamos esquecendo o que é uma reportagem, o que é parar para ler uma matéria de cabo a rabo, o que é ser servido com matérias ou entrevistas ou análises que mudam o seu dia, o seu comportamento, a sua forma de ver as coisas, o seu humor, e até mudam o mundo.
Acho que estamos esquecendo que era essa a proposta do Jornalismo e é ela que tem de voltar às escolas, seja na Columbia em Nova York, no Rio, São Paulo ou no Piauí. Acabar com o diploma só favorece o vandalismo na área, a vaidade dos aventureiros assinando matérias e colocando rostinhos bonitos com cabelos escovados na televisão. Estimula o mau funcionamento do ensino de segundo grau e a ideia de que qualquer pessoa pode fazer qualquer coisa. Na verdade, pode. Mas profissão é outro departamento.
Quanto aos salários baixinhos, concordo que não é privilégio dos que não têm diploma, fascinados com o fato de aparecer e caindo na armadilha dos patrões: paga pouco, mas lança na vitrine para receber de outras fontes, a publicidade por exemplo, assessoria política, quem sabe? Com os jornalistas formados já vinha acontecendo essa manipulação, que piorou com a falta de emprego. Mas isso tem a ver com o Doutor Mercado e não com a fibra de uma profissão. Endinheirados hoje e bem aposentados só os trabalhadores públicos, profissionais liberais estão em baixa.
Ninguém aprende jornalismo na escola, mas tenho a certeza de que ninguém se torna um bom profissional só com o título de bacharel. Existe a piada do sujeito que era tão culto, e tinha tantos diplomas, que escreveu no cartão de visitas “bacharéis” sem nunca trabalhar em setor algum. O métier se aprende fazendo, caminhante o caminho se faz caminhando, mas não quebrem a coluna dorsal de um profissional, nem o orgulho de cada vez mais se aprimorar uma profissão. Principalmente num país como o Brasil onde cultura massificada virou moda e aspirar patamares mais altos até pega mal.
Lúcia Guimarães é uma grande profissional que dá prazer ler, mas está impregnada pelo espírito e a cultura nova-iorquina que também experimentei. Talvez ali onde os níveis de profissionalismo atingem a estratosfera – e os patamares de aceitação estão dezenas ou milhares de degraus acima do nosso – seja possível um Jornalismo feito por químicos, físicos, nanotécnicos, gente que teve uma escolarização tão superior à nossa que não dá para comparar. Mas estamos no Brasil, onde nossa meta primeira é impedir o abandono no ensino de primeiro grau porque os meninos e meninas não têm sapatos ou porque o pai precisa de mão de obra na roça. E esse Brasil só melhora com bom Jornalismo, feito por jornalistas de verdade.
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[Norma Couri é jornalista]