domingo, 3 de junho de 2012

Novas leis antigas


ódigo Florestal esconde consequências de legislação de 1850

03 de junho de 2012 | 3h 09
José de Souza Martins - O Estado de S.Paulo
Mais do que um episódio melancólico de desencontro sobre orientações relativas ao meio ambiente, o conflito sobre o novo Código Florestal esconde as consequências do que foi uma decisão política do passado. Refiro-me à Lei de Terras, de setembro de 1850, que configurou o moderno direito de propriedade no Brasil. Tinha por objetivo criar dificuldade ao livre acesso à terra, no mesmo momento em que a cessação do tráfico negreiro e a substituição dos escravos por trabalhadores livres punha em risco a agricultura de exportação por falta de mão de obra. Forçava uma escassez artificial de terra, que só poderia ser obtida mediante compra, mesmo ao Estado. Ao impedir trabalhadores livres e escravos libertos de terem acesso livre à terra, forçava-os a trabalhar antes na grande lavoura alheia para formar pecúlio e, só então, ter condições de se tornarem proprietários. A lei criou, desnecessariamente, um direito absoluto de propriedade ao transferir para os particulares, além da posse útil e econômica, o domínio sobre a terra, que até então era do Estado. O debate sobre o Código Florestal é um desdobramento remoto dessa lei. 

Na tradição portuguesa, que passou ao Brasil, o domínio da terra era do rei, isto é, do Estado, o que lhe permitia regular e administrar a distribuição de terras, mas também sua arrecadação em caso de que o beneficiário não lhe desse uso econômico. A terra concedida, unicamente a quem fosse livre, podia cair em comisso e retornar ao domínio do Estado, para ser novamente distribuída a quem dela fizesse efetivo uso. Essas concepções foram formalizadas na Lei de Sesmarias, em 1375, que teve vigência no Brasil até julho de 1822, pouco antes da Independência, até que nova legislação definisse um novo regime de propriedade, o que só ocorreria em 1850.

A Lei de Sesmarias era também uma legislação ambiental no sentido em que se pode aplicar essa palavra ao Brasil Colônia. O concessionário de terra não era o dono, o dono era o rei, o Estado. Determinadas árvores nela existentes, de especial interesse econômico, permaneciam sob domínio do rei, as chamadas, justamente por isso, madeiras de lei, que só podiam ser cortadas para uso determinado, mediante autorização oficial. O capitão do mato era, originalmente, fiscal florestal, que também caçava escravos fugidos que encontrasse nas matas. 

Os efeitos da Lei de Terras foram agravados com a proclamação da República e a transferência das terras devolutas aos Estados, o que acelerou sua distribuição e mesmo a grilagem com base em títulos falsificados de propriedade, disseminando-se uma delinquência fundiária que perdura até hoje. Nesse desregramento, em pouco mais de 50 anos o Estado de São Paulo perdeu a maior parte de suas florestas, supostamente para ampliar a produção do café, então nosso mais importante produto agrícola de exportação. A loucura se refletiu rapidamente na superprodução de café e no declínio dos preços, o que, associado a outras crises econômicas, levou à devastadora crise de 1929, que vitimou aqui fazendeiros e trabalhadores.

Lentamente, medidas foram sendo acrescentadas à legislação brasileira para atenuar o caráter absoluto do direito de propriedade inaugurado em 1850 e agravado com a Constituição republicana de 1891. Nas leis, aos poucos vinga o pressuposto da utilidade pública e do interesse social. Medidas começaram a ser tomadas para devolver ao Estado o domínio sobre o território, seja para cumprir funções econômicas, seja para cumprir funções sociais. 

A primeira delas foi a do Código de Águas, de 1934, que limitou o direito de propriedade da terra em relação às águas nela existentes, no solo e no subsolo. O Código de Minas, de 1940, acrescentou restrições ao direito de propriedade e restituiu ao domínio do Estado a parte do solo e do subsolo que contivesse minerais. Na Constituição de 1946 foi instituído o pressuposto do interesse social na desapropriação para cumprimento do princípio da função social da propriedade, embora os constituintes tivessem estabelecido o freio da indenização prévia e em dinheiro, o que inviabilizava a reforma agrária. Em 1964, com a aprovação do Estatuto da Terra e a reforma agrária baseada na desapropriação para esse fim específico, mediante indenização com títulos da dívida pública, o Estado mais uma vez sobrepôs o bem comum ao interesse privado. Novas restrições ao direito de propriedade foram adotadas pelo Código Florestal de 1965. E, nestes dias, a aprovação da PEC que institui o perdimento da propriedade em que for descoberto o uso de trabalho escravo acrescentou um pressuposto moral explícito ao instituto da função social da propriedade. 
A adoção de um novo e permissivo Código Florestal, baseado no primado dos interesses privados, é esforço para conter e restringir a tendência histórica de ampliação tanto dos direitos e responsabilidades do Estado, na tutela do chamado bem comum, quanto dos direitos sociais, no marco da função social da propriedade.
JOSÉ DE SOUZA MARTINS É SOCIÓLOGO, E PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE FILOSOFIA DA USP. ENTRE OUTROS LIVROS,  É AUTOR DE FRONTEIRA - A DEGRADAÇÃO DO OUTRO NOS CONFINS DO HUMANO (CONTEXTO,  2009)

Siderurgia é o setor mais prejudicado


Companhias instaladas no País planejam investir R$ 21 bilhões entre 2012 e 2015, R$ 12 bilhões a menos que o previsto para 2011-2014

03 de junho de 2012 | 3h 06
RAQUEL LANDIM, RENÉE PEREIRA - O Estado de S.Paulo
Os investimentos do setor siderúrgico foram os mais prejudicados pela crise. Com uma capacidade produtiva excedente de 526 milhões de toneladas de aço espalhada pelo mundo, as siderúrgicas estão com as margens de lucro pressionadas e não têm incentivo para investir.
Levantamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aponta que as siderúrgicas instaladas no Brasil planejam investir R$ 21 bilhões entre 2012 e 2015, R$ 12 bilhões a menos que o calculado pelo banco no ano passado para o período 2011-2014 e inferior até aos R$ 28 bilhões investidos no ciclo 2006-2009.
Segundo Fernando Puga, chefe do departamento de análise econômica do BNDES, o banco está reavaliando os dados e a estimativa de investimentos das siderúrgicas que pode ser reduzida em breve. Ele explica que a maior dificuldade é que os projetos são voltados para o mercado externo, porque a produção local supera a demanda doméstica.
Um exemplo dos problemas do setor é a venda da participação da alemã Thyssen na CSA. Segundo fontes do mercado, o ativo é bom e está barato, mas vai ser difícil encontrar comprador. A Arcelor Mittal anunciou o adiamento de um investimento de US$ 1,2 bilhão na Usina de João Monlevade, em Minas Gerais, por falta de demanda no mercado externo.
"Hoje temos excedente de aço significativo até na China", diz Marco Polo de Mello Lopes, presidente executivo do Instituto Aço Brasil. Os custos de produção no Brasil também atrapalham. É necessário investir US$ 1,8 mil para cada nova tonelada de aço feita no País, ante US$ 1 mil na Índia e US$ 550 na China.
Atraso. No setor de papel e celulose, o BNDES prevê redução de R$ 2 bilhões nos investimentos, para R$ 26 bilhões, por causa dos atrasos nos projetos. A Suzano adiou investimentos de cerca de R$ 500 milhões para os próximos anos. A Fibria revisou os planos de investimentos em R$ 400 milhões, para R$ 1 bilhão.
Dois projetos da Suzano estão com o cronograma atrasado. O primeiro é a produção de pellets de madeira (insumo utilizado na produção de biomassa para a geração de energia) para abastecer o mercado europeu. O negócio depende de um sócio estratégico, que até agora não apareceu. O segundo é a fábrica de celulose do Piauí, cuja conclusão foi adiada de 2014 para 2016, dependendo da sinalização do mercado.
Na Fibria, um dos projetos afetados foi Três Lagoas 2, que está sem previsão para ser retomado. A empresa também colocou alguns ativos à venda para aliviar o nível de endividamento e melhorar a geração de caixa, combalida por causa dos preços internacionais. "As empresas tiveram de colocar um pouco o pé no freio para reduzir suas dívidas. O setor está muito alavancado e sofreu com a queda do preço da celulose e com a apreciação do câmbio", explica Felipe Reis, analista do Santander.
No setor químico, o BNDES estima uma queda de R$ 15 bilhões nos investimentos, para R$ 25 bilhões. O maior impacto pode vir do projeto do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), que está sendo reavaliado junto com o plano de investimentos da Petrobrás. Se a estatal optar por refinar petróleo leve em vez de pesado, a necessidade de investimento deve diminuir.
De acordo com Fernando Figueiredo, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), ainda não há notícias de adiamento de projetos, mas os investimentos crescem abaixo do potencial por causa do alto custo da matéria-prima e da energia.
Pessimismo. No setor eletroeletrônico, o clima é de pessimismo. Sondagem feita pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) apontou que 55% das empresas acreditam que suas vendas no segundo semestre vão ser inferiores ou iguais às realizadas na primeira metade do ano.
O BNDES prevê uma queda de R$ 4 bilhões nos investimentos do setor eletroeletrônico, para R$ 25 bilhões entre 2012 e 2015.
Segundo Humberto Barbato, presidente da Abinee, os fabricantes de celulares amargam capacidade ociosa e não têm estímulo para investir, porque as exportações estão praticamente paralisadas, por causa das barreiras protecionistas na Argentina, na Venezuela e no Equador.
Entre os fabricantes de equipamentos, a perspectiva é um pouco mais otimista por causa da nova lei editada pelo governo Dilma, que dá preferência para as empresas nacionais nas licitações públicas, principalmente nas compras da Telebrás.

O Copom controla a inflação?


Amir Khair - O Estado de S.Paulo
Tenho defendido que a inflação é formada fundamentalmente pelo fator externo e que internamente pouco se pode fazer para influenciá-la. É tese polêmica, pois caso tenha fundamento, pode tornar desnecessária a ação do Copom como órgão encarregado de controlá-la e o regime de meta de inflação deixa de ter sentido.
Deixa principalmente de ter sentido a prática de Selic elevada, que tanto mal causou ao País no desperdício com a gastança dos juros pagos pelo governo federal e nos lucros aos especuladores externos em operações de carry trade (tomar dinheiro emprestado num país e aplicá-lo em outro país com juro mais alto). Hoje em 8,5% a Selic, embora a mais baixa que o País já teve, é ainda a terceira mais alta do mundo. Haja anomalia!
1. Fator externo. O fundamento à posição que defendo pode-se dar observando duas situações inflacionárias ocorridas nos últimos cinco anos. A primeira, mais recente, se deu ao longo de 2011 e continua até agora. A partir de setembro de 2010, o preço das commodities começou a subir sem parar até o início do último quadrimestre do ano passado. Isso levou a inflação dos últimos doze meses a 7,3% em setembro de 2011.
Com a queda dos preços das commodities ocorrida a partir de então, a inflação foi cedendo, terminando o ano no topo da meta de inflação em 6,5%. Isso ocorreu apesar de todo o esforço do governo para tentar evitar que atingisse tal nível.
Vale destacar neste esforço a criação das medidas macroprudenciais, que ajudaram a reduzir a expansão do crédito e cinco elevações sucessivas da Selic, que passou de 10,75% no início de 2011 até atingir 12,50% em julho de 2011.
A segunda situação abrange o período 2007 a 2011, observando 60 meses. O gráfico ilustra a forte dependência da inflação medida pelo IPCA dos últimos doze meses, ao preço médio das commodities no mesmo período. Isso é devido ao custo de insumos para a produção, que é fortemente influenciado pelo preço das commodities.
Desde agosto do ano passado, o Banco Central (BC) vem avaliando que o que está influenciando a inflação no País é o fator externo que está desinflacionando os preços internacionais como consequência do avanço da crise na Europa, a semi-estagnação na economia americana e a redução do ritmo de crescimento da locomotiva China.
Essa conjuntura internacional deve perdurar por alguns anos, segundo várias análises. Assim, a inflação brasileira deverá tender a ficar abaixo da meta de 4,5% independentemente da Selic, que poderá continuar caindo em ritmo mais intenso até atingir o nível médio dos países emergentes de 5%.
2. Fator interno. Além do fator externo, os preços monitorados pelo governo federal, estadual e municipal influenciam bem menos a inflação e tem-se mantido sempre abaixo do IPCA desde 2007. Isso significa que estão contribuindo para reduzir a inflação. Exemplo é o preço dos combustíveis da Petrobrás , que se encontra congelado.
O elevado spread bancário torna ineficaz a Selic como instrumento para controlar a inflação. A taxa de juro bancária que influencia o consumo e, portanto, a inflação, não guarda nenhuma relação com a Selic, conforme estudo do próprio BC. Assim, as reuniões do Copom com a finalidade de definir a Selic, carecem de sentido.
3. Consequências. Se a inflação é condicionada fundamentalmente pelo fator externo e este tem sido deflacionário, o governo pode se concentrar na política de crescimento econômico, que depende dos estímulos dados para a ampliação da oferta na produção e da demanda (consumo, investimento e despesa do governo).
Outra consequência é deixar claro que inexiste predominância da política monetária sobre a política fiscal ou vice-versa, mas sim, integração dessas políticas com o objetivo de maximizar o crescimento.
Em outras palavras, carece de sentido a independência do Banco Central. A responsabilidade última pelo desempenho econômico do País compete à presidente, que deve comandar sua equipe econômica. É o que está fazendo Dilma Rousseff.
Para o crescimento, o governo definiu as metas até 2014 na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que é de 4,5% neste ano, 5,5% em 2013 e 6,0% em 2014.
A principal consequência da redução da Selic é o saneamento fiscal do País com equilíbrio nas contas públicas pela forte redução das despesas com juros e no custo de carregamento das reservas internacionais. Isso permitirá criar novo impulso aos programas sociais, deslanchar investimentos maciços na infraestrutura e propiciar desonerações fiscais de alto impacto na sociedade. Essa é uma das principais mudanças na política econômica do governo.
O Copom, como afirmei, deixa de ter sentido para definir a Selic. Ela poderia ser definida pelo mercado e nesse sentido irá depender da necessidade do governo federal para rolar sua dívida mobiliária.
Como pode emitir moeda ou título para isso, a queda da Selic será tanto mais intensa e rápida quanto mais preferência o governo der à emissão monetária. Essa emissão se faz urgente para depreciar o real e, com isso, tender ao equilíbrio nas deficitárias contas externas.
A depreciação do real irá devolver parte importante da competitividade das empresas sediadas no País, que foi retirada pela política de restrição da base monetária.
Essa base, como venho afirmando, é a mais baixa entre os países emergentes, e se for dobrada, irá atingir o nível mínimo que opera a Argentina e o México, ficando cinco vezes inferior à da China.
Há no final das contas profunda inflexão na política econômica do governo ao atacar de forma incisiva a taxa de juro paga por ele (Selic) e a cobrada pelos bancos.
O resultado é a folga fiscal que irá desfrutar o País e a redução do freio ao crescimento pela redução da taxa de juro bancária. Se proceder essa análise, pode ficar mais fácil fortalecer o País para se defender da crise i em marcha e alcançar suas metas de crescimento. A conferir.