quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Parar a entrada de capitais?



28 de fevereiro de 2012 | 20h30
Celso Ming
Em depoimento nesta terça-feira na Comissão de Economia e Finanças do Senado, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, apoiou o diagnóstico do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que o principal fator de valorização do real (baixa do dólar) é o despejo nunca visto de moeda nos mercados pelos grandes bancos centrais: Federal Reserve (dos Estados Unidos), Banco Central Europeu (área do euro), Banco da Inglaterra e Banco do Japão.
O objetivo preponderante desses bancos centrais é desbloquear o crédito e promover grande oferta de recursos para que os juros de longo prazo pagos pelos títulos soberanos (dívida dos Tesouros) possam se manter em níveis muito baixos, para não sobrecarregar o custo do endividamento.
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Tombini. Enxurrada de moeda  (FOTO: ED FERREIRA/AE)
Tombini não confirmou a mobilização do arsenal de medidas de que tanto fala Mantega. Em compensação, observou que os países emergentes estão acostumados a lidar com esse problema.
Para quem chega só agora ao assunto, o problema do forte afluxo de moeda estrangeira é a derrubada do câmbio interno que, por sua vez, tende a tirar competitividade do setor produtivo nacional, por encarecer em dólares o produto brasileiro e baratear em reais o importado.
Uma das propostas mais insistentes entre economistas e industriais brasileiros é erguer um dique à entrada de capitais – tática que está entre as mais empregadas pelos países emergentes, inclusive pelo Brasil, como lembrou Tombini.
Hoje, já há a imposição do Imposto sobre Operações Financeiras, de 1%, na entrada de recursos destinados a aplicações de renda fixa. É um jeito de reduzir o retorno das aplicações financeiras no mercado interno e desestimular essas operações.
Mas a maior parte desse volume ou vem como financiamento de longo prazo (emissão de bônus ou títulos) ou vem como Investimentos Estrangeiros Diretos (IEDs). No ano passado, apenas nessa alínea entraram US$ 66,7 bilhões, o equivalente a 26% das receitas com exportações ou 2,7% do PIB brasileiro.
É complicado, mas é possível controlar esses afluxos. Mas impor barreiras aos financiamentos externos implica fechar torneiras, justamente quando empresas brasileiras (como a Petrobrás) mais precisam de recursos baratos para reforço de capital de giro. Nos últimos sete dias, o Bradesco trouxe US$ 1,1 bilhão e o Banco do Brasil, US$ 750 milhões. Esses financiamentos não interessam ao Brasil?
E conter os IEDs exigiria imposição de critérios duvidosos – como determinar qual investimento é bom ou ruim. Por que, por exemplo, investimentos estrangeiros em serviços (como transporte, telecomunicações, supermercados) ou em agropecuária seriam indesejáveis, enquanto os destinados à indústria seriam bem-vindos? Em seguida, como controlar essas aplicações, se um grupo poderia trazer recursos novos para a indústria e usar suas reservas em outra área?
A questão mais importante, no entanto, é saber que sinais para o mundo restrições assim passariam. É ou não do interesse do País estimular investimentos, criação de empregos e aumento de produção? E por que não tirar proveito da grande disponibilidade de capitais, quando o que mais falta no País é poupança para empurrar o desenvolvimento econômico?
CONFIRA
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A expansão do crédito pelos bancos segue alta, acima de 18% em 12 meses. É fator que, ao lado da expansão da massa salarial, puxa o consumo, num momento em que o setor produtivo avança mais devagar. Isso significa que as importações continuarão a ser acionadas para ajudar a suprir o consumo.
Garfo neles. O candidato socialista à presidência da França, François Hollande, pede alíquota de 75% no Imposto de Renda dos super-ricos. É proposta desenhada para mais efeito político do que arrecadatório.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012


27/02/2012 - 20h25

Terceiro turno

A pré-candidatura do tucano José Serra confere à eleição paulistana um ar de terceiro turno da disputa presidencial de 2010. Com Serra no páreo, a peleja esquenta e ganha um caráter mais nacional.
No Palácio do Planalto, já se diz que era esperada a candidatura. O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, levou a informação à presidente Dilma Rousseff antes do Carnaval. Isso é fato. Mas o PT está assustado. Preferia que Serra não fosse candidato. Muda de cor aquele cenário róseo, que sonhava uma eleição só de novatos e com maior isolamento da oposição federal.
A própria Dilma terá de se envolver mais nas eleições municipais do que desejava. O PT a pressionará a cobrar fidelidade de seus aliados federais para tentar dar ao pré-candidato do partido, o ex-ministro da Educação Fernando Haddad, um aliança partidária robusta.
Ao mesmo tempo, o governador Geraldo Alckmin pedirá aos seus aliados estaduais que fiquem ao lado de Serra na disputa municipal. Partidos como o PDT e o PSB, apoiadores das administrações Dilma e de Alckmin, terão de fazer suas escolhas e arcar com as consequências.
A briga por aliança é fundamental para PT e PSDB. O desconhecido Haddad precisa de tempo de TV e rádio para vender o seu peixe. Com alta taxa de rejeição, Serra necessita do mesmo remédio.
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O DUELO
Haverá um claro embate entre dois políticos de longa estrada: Serra e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Serra encarna o anti-Lula. O petista gostaria de conquistar uma fortaleza da oposição que sempre resistiu a ele.
Ao contrário de 2010, quando começou a campanha tentando se vender como amigo de Lula, agora o tucano estará livre para bater no PT. Claro que Serra dirá que o eleitor não votará em Lula, mas em Haddad. Argumentará que a briga é com o candidato, não com o ex-presidente.
No entanto, Lula está disposto a tentar repetir o que fez com Dilma. Ou seja: ligar sua imagem à do candidato para que o eleitor vote em Haddad com seu aval.
Quem perder sofrerá uma grande derrota. Lula será acusado de ter errado na estratégia ao vetar a candidatura da ex-prefeita e hoje senadora Marta Suplicy. Também terá de digerir a rasteira que tomou de Kassab, que namorou o PT, mas ficou mesmo com Serra.
Uma derrota de Serra enfraquecerá ainda mais a oposição ao governo Dilma. Seria ainda humilhante para quem disputou a Presidência duas vezes e foi governador, prefeito, ministro, senador e deputado. Seria um fim de carreira pior do que o ostracismo em que se encontrava até assumir a candidatura.
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KASSAB E O PSD
Já há tucanos que dizem que, na prática, Serra entrou no PSD de Kassab. Ou seja, sua candidatura segurou o prefeito na órbita da oposição ao governo federal.
Em troca, Kassab provavelmente será candidato a vice-governador na chapa de Geraldo Alckmin em 2014, quando o tucano concorrerá à reeleição ao Palácio dos Bandeirantes. Kassab teria a chance de disputar o governo de São Paulo em 2018.
Ironia: seria a segunda vez que teria a chance de herdar um cargo aceitando ser vice de um tucano. Em 2004, ele formou com Serra a chapa que derrotou a tentativa reeleitoral de Marta Suplicy.
Serra deixou a prefeitura com Kassab em 2006 para conquistar o Palácio dos Bandeirantes e, assim, ficar mais bem posicionado para tentar o Palácio do Planato em 2010, como tentou.
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OUTROS CANDIDATOS
O PT tem feito uma análise sobre os prós e contras de pressionar o PMDB a rifar a candidatura do deputado federal Gabriel Chalita (SP). A vantagem seria formar uma aliança que daria um belo tempo de TV a Haddad. A desvantagem seria tirar do páreo alguém que pode roubar votos de Serra e impedir uma eventual vitória no primeiro turno.
Nesse sentido, o PT também teria interesse em estimular a candidatura de Celso Russomano, do PRB. Desafeto de Serra, Russomano poderia ajudar Haddad a bater duro no tucano. Serra, aliás, sofrerá para explicar a renúncia de 2006.
Craque na articulação política, Kassab já saiu anunciando a candidatura de Serra a prefeito como uma desistência do projeto presidencial. Vacina pura, como dizem os marqueteiros. Acredite quem quiser.
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AÉCIO
Se conquistar a prefeitura, Serra voltará ao jogo nacional. Isso significa poder e trincheira para, no mínimo, atrapalhar a vida do senador Aécio Neves (MG) rumo à candidatura presidencial de 2014.
Nos bastidores, tucanos dizem que Serra resistiu muito a concorrer a prefeito por falta de vontade de se dedicar a um projeto municipal. Logo, o sonho da Presidência ficará apenas adormecido em caso de vitória em São Paulo.
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PREVISÃO INSUSPEITA
Adversário mortal de Serra, Ciro Gomes (PSB) acha que ele vencerá a disputa. Foi o que disse em entrevista ao "É Notícia" no dia 12 de fevereiro.
Kennedy Alencar
Kennedy Alencar escreve na Folha.com às sextas. Na rádio CBN, é titular da coluna "A Política Como Ela É", no "Jornal da CBN", às 8h55 de terças e quintas. Na RedeTV!, apresenta o "É Notícia", programa dominical de entrevista, e o "Tema Quente", atração diária com debate sobre assuntos da atualidade.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

E se a população mundial encolher?


COLUM LYNCH É JORNALISTA (*FOREIGN POLICY) - O Estado de S.Paulo 31 out 2011
Em algum momento por volta do Halloween, hoje, a Organização das Nações Unidas celebrará o nascimento do 7.º bilionésimo bebê do mundo. Como disse o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, a líderes mundiais em Nova York, no mês passado, o 7.º bilionésimo bebê provavelmente será pobre e habitará uma terra maltratada pelos estragos de aquecimento global, desertificação e escassez de alimentos.
 - Baptistão/AE
Baptistão/AE
Caramba! Com esse tipo de retórica apocalíptica, não surpreende que boa parte do foco da mídia tenha sido na tensão de um planeta superlotado onde mais de 79 milhões de pessoas são adicionadas a cada ano à família humana, sobrecarregando cidades já superlotadas, disputando um reservatório de recursos naturais em constante diminuição.
Mas e se a população mundial encolher? Embora a população global tenha triplicado desde a criação da ONU, em 1945, as taxas de fertilidade globais nos últimos cem anos declinaram consistentemente, de um pico de 6 filhos por família na aurora do século 20 a 5 em 1950 e 2,5 hoje.
A ONU calcula que uma taxa de reposição de 2,1 filhos por família será alcançada após 2100. A organização internacional produziu diversos cenários mostrando a população crescendo para quase 10 bilhões ao longo do próximo século - ou mesmo até quase 27 bilhões, se a taxa atual de crescimento populacional persistir (é dispensável dizer que muitos demógrafos consideram insustentável esse desfecho).
O mais provável, segundo estatísticos da ONU, é que a população aumente de forma gradual até 8 bilhões em 2025, 9 bilhões em 2043, atinja 10,1 bilhões na metade do século, e, daí, se estabilize. A chamada projeção de "variação média" supõe que países com taxas de fertilidade elevadas como Níger (7,37 bebês por mulher) e aqueles com taxas de fertilidade baixas, como a Coreia do Sul, onde as mulheres têm uma média de 1,2 filho, acabarão convergindo.
Essa suposição, como a maioria das outras, é apenas uma suposição e não leva em conta eventos cataclísmicos potenciais, como um asteroide colidindo com a terra ou, talvez, um cenário mais plausível em que multidões de pessoas morram por doenças infecciosas. A epidemia de aids desacelerou temporariamente as taxas de crescimento populacional na África, impedindo que o continente africano superasse a população combinada da Europa e das Américas em 2025.
"Demografia não é destino. De certa maneira, o pressuposto mais implausível é a ideia de que o todo o mundo vai começar a ter 2,1 filhos. Não há nenhuma razão para acreditar que isso vai acontecer", disse Matthew Connelly, um professor de história da Universidade Columbia e autor de Fatal Misconception: The Struggle to Control World Population (Equívoco fatal: a luta para controlar a população mundial, em tradução livre do inglês). "Não me surpreenderia se tivermos mais surpresas à frente." Aliás, prever crescimento ou contração de população é, em geral, um jogo de perdedores.
Previsões erradas. Os demógrafos não previram algumas das mudanças demográficas mais importantes do último século, incluindo o primeiro declínio na taxa de fertilidade americana durante a Grande Depressão, o "baby boom" logo depois da 2.ª Guerra e a explosão da migração humana nos anos 1970.
Joel E. Cohen, um pesquisador da Universidade Rockefeller que estuda tendências populacionais, concordou que os demógrafos têm se mostrado fracos em previsões. "Eu vejo as projeções além de 2050 como cenários de 'E se...'. Não os vejo como declarações do que ocorrerá", disse ele. "Não previmos o 'baby boom' e não previmos o 'baby bust' (colapso) que se seguiu. Nossa capacidade de prever mesmo para as pessoas que estão vivas é limitada", disse.
Por exemplo, a queda vertiginosa da taxa de fertilidade do Irã, de 6,9 em 1960 para 1,6 hoje, pegou o mundo de surpresa - boa parte da diminuição ocorreu após a Revolução Islâmica. "Ninguém em 1980 poderia ter previsto que a taxa de fertilidade total do Irã estaria hoje muito abaixo da taxa de reposição." Cohen observou também que as previsões tenebrosas de que populações em declínio prejudicarão o crescimento econômico não comportam um confronto com a realidade econômica.
Muitos dos países mais ricos do mundo que têm experimentado declínios nas suas taxas de fertilidade prosperaram, enquanto muitos dos países mais pobres do mundo passam por dificuldades econômicas. "Tome o exemplo de Alemanha e Japão, dois dos países mais prósperos do mundo: eles têm uma população em declínio e, por enquanto, são dínamos econômicos. Não há uma relação necessária entre prosperidade e crescimento populacional." Mesmo no cenário mais provável da ONU, que prevê a população mundial na casa dos 10 bilhões até o fim do século, muitos países se contrairão, exercendo uma enorme pressão sobre seus governos para assegurar o progresso econômico e a estabilidade social - com força de trabalho e mercado em declínio e um suprimento cada vez menor de jovens para cuidar de uma população cada vez mais idosa.
Pelo menos 80 países já caíram abaixo do nível de reposição de 2,1 filhos, entre os quais Alemanha, Itália, Japão, Rússia, Coreia do Sul e Espanha, onde as taxas de fertilidade caíram para 1,5 filho por mulher, ou menos.
Para refletir a incerteza, a ONU publica também variações sobre sua projeção para a taxa de fertilidade global futura. Dois modelos da entidade supõem que a população se aproximará ou de uma taxa de fertilidade de 2,5 ou de 1,5 - as variantes baixa e alta da ONU -, o que impelirá a população para cima até 15,8 bilhões ou para baixo até 6,2 bilhões, em 2100, a última representando um declínio de cerca de 800 milhões de pessoas em relação à população atual.
Uma população menor poderia aliviar a pressão sobre a natureza, assegurando uma exploração mais sustentável do meio ambiente. Mas o futuro desses Estados minguantes - definidos por uma combinação de uma grande quantidade de idosos aposentados e uma pequena quantidade de jovens trabalhando - poderia ser sombrio, particularmente se eles não conseguirem absorver migrantes jovens.
A Europa (incluindo a Rússia) que atingiu uma pico de população de 731 milhões em 2005, está projetada para ver seu primeiro declínio populacional da história, caindo para 664 milhões na metade do século. Estimativas da ONU projetam que a população da Rússia, hoje em 143 milhões, poderia perder quase 35 milhões, segundo a projeção mais provável - se a taxa de declínio se mantiver. Essa queda incentivou alguns países europeus, incluindo França e Macedônia, a oferecer incentivos econômicos, como dinheiro ou atendimento subsidiado às crianças, para encorajar mães a ter mais filhos.
China e Índia, os dois países mais populosos do mundo, tentaram conter o crescimento demográfico nas últimas quatro décadas com uma série de medidas compulsórias não raramente draconianas - incluindo a política de um filho e programas de esterilização em larga escala na China. Mas o custo tem sido alto em termos humanos, particularmente na China, onde 20% dos meninos nascidos nos anos 90 possivelmente não conseguirão encontrar um par, segundo Connelly.
O descompasso na juventude chinesa provavelmente será seguido por uma população cada vez mais idosa, aumentando a tensão sobre a nova geração chinesa, que terá de amparar os numerosos avós. Em meados do século, 30% da população da China terá mais de 65 anos. E estará em piores condições de saúde que os habitantes do Ocidente, dadas as taxas crescentes de tabagismo e o alto índice de envenenamento por chumbo - e outros males ambientais - entre os chineses.
Connelly suspeita que a população global deixará de crescer em torno da metade deste século. China e Índia podem servir de modelos de como países trabalharão no futuro para controlar o crescimento populacional. "Temo um retorno de medidas mais coercitivas", disse ele.
Os EUA evitaram em grande parte o destino de muitos outros países em desenvolvimento por causa de sua grande população de imigrantes. Apesar de seus benefícios demográficos, a imigração ficou sobre crescente ataque político nos EUA, que anunciaram ter deportado mais de 400 mil estrangeiros no ano passado, mais do que em qualquer outra época da história americana.
Mas será isso realmente algo para Washington alardear? "Não temos um modelo de país com população em declínio que esteja experimentando um crescimento econômico", disse Joseph Chamie, o ex-diretor da Divisão de População da ONU e atual diretor de pesquisa no Center for Migration Studies. Segundo ele, o crescimento econômico mundial dependeu de uma população em expansão desde a Revolução Industrial. Chamie contrastou o destino de duas cidades americanas: Detroit, que sofreu uma queda de população de 25% na última década, caiu de joelhos; Nova York, que teve um aumento de 400 mil pessoas no mesmo período, prosperou.
"Uma população em declínio traz benefícios como um desgaste ambiental menor e menos consumo, mas terá também menos trabalhadores para cada aposentado. Isso pode se tornar um fardo financeiro muito grande para os jovens", disse ele. "Não sabemos exatamente como proceder se a população começar a cair como vimos na Rússia, Japão e outros lugares. Navegamos hoje em águas desconhecidas." / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK