quinta-feira, 8 de setembro de 2011

O mundo sem regras


O mundo sem regras

Uma nova lógica no uso da força e o discurso de 'guerra de civilizações' mudaram a ordem global desde 2001

04 de setembro de 2011 | 0h 00

Matias Spektor - O Estado de S.Paulo
ESPECIAL PARA O ESTADO
Do alto. Imagem rara da polícia de NY mostra momento exato da queda da 1ª torre - AP/NYPD
AP/NYPD
Do alto. Imagem rara da polícia de NY mostra momento exato da queda da 1ª torre
Os ataques do 11 de Setembro inauguraram uma década de violência brutal. Também abriram a porta para transformações profundas na ordem internacional.
O primeiro impacto foi o novo uso da força. "Não há regras", anunciou o presidente George W. Bush seis dias após os ataques. Meses depois, a Casa Branca suspendeu direitos civis, lançou mão da tortura de prisioneiros de guerra, listou inimigos sem direito ao devido processo legal, promulgou doutrina de ataques preventivos e forjou evidências para invadir o Iraque. A autodefesa diante das atrocidades de Osama bin Laden ganhou caráter retaliatório e punitivo.
A legitimação veio da mão da teoria do "choque das civilizações", visão segundo a qual o embate épico entre Ocidente e Islã é marca registrada de nossa era. Nessa perspectiva, a luta estava dada entre nações "civilizadas" versus "povos bárbaros".
Mas a distinção era artificial. Apagava conflitos e contradições inerentes a qualquer tradição cultural, seja cristã ou islâmica. Confundia o programa genocida de um facínora - Bin Laden - com o islamismo, força transnacional capaz de conviver com formas sofisticadas de ciência, cultura e democracia, como vêm provando a Indonésia, a Turquia e a Malásia.
Mais do que isso, a imagem de um Ocidente racional e moderno em oposição ao fanatismo irracional do mundo islâmico ignorava o longo pedigree do terrorismo politicamente orientado em sociedades ocidentais - do IRA ao Baader Meinhof, do Weathermen ao terrorismo de Estado na América Latina. Ignorava a virulência do terror de Bin Laden contra países islâmicos que ele considerava ilegítimos. Também escondia o apoio do primeiro escalão da Casa Branca, que nos anos 80 viam Bin Laden como "guerreiro da liberdade" na luta contra a URSS.
A crença num "choque das civilizações" teve graves consequências práticas. Deu força àqueles que, em 2001, defendiam a lei apenas para o clube de países "civilizados". Na Casa Branca de Bush, a chamada "guerra ao terror" não deveria ser condicionada pelos parâmetros tradicionais do direito internacional dos conflitos armados. Ela demandava ações excepcionais. Não seria uma "guerra justa", mas uma "guerra santa".
O tema religioso foi recorrente após o 11 de Setembro. A cruzada jihadista de Bin Laden encontrou uma resposta fervorosa na crença americana nos princípios imutáveis de justiça universal. A religião foi elemento crucial para imantar o patriotismo e o ativismo cívico americano na invasão do Iraque, em 2003. Nessa concepção, os EUA gozariam de "direito natural" para ditar a resposta ao terrorismo internacional, com o apoio inquestionável do resto do globo.
Esse ambiente fortaleceu a arrogância que tomou conta de Washington logo após os ataques de 2001. Para neoconservadores, a promoção da democracia era um valor superior ao da soberania nacional e deveria ser implementada como solução ao problema do terrorismo, mesmo que fosse à força. Para neoliberais, o outro lado da moeda era a validade universal dos princípios de boa governança de uma economia de mercado.
Essa arrogância não seria possível sem o formidável poder militar americano. A desigualdade de poder global em favor de Washington foi o combustível que tornou aquelas ideias um guia plausível para Bush.
Àqueles que tomavam as principais decisões à época, aliados eram opcionais e o melhor era chocar inimigos com o uso de força inconteste. Isso seria mais eficaz do que a trabalhosa busca por consensos em instituições multilaterais. Assim, a ONU serviria só quando fosse útil e na medida em que servisse a um cálculo de estrito interesse.
Quem ganhou e quem perdeu nestes dez anos? Ganharam todos aqueles que souberam aproveitar o ambiente global de uma "guerra ao terror" para vencer batalhas antigas. Álvaro Uribe na Colômbia e Ariel Sharon em Israel são exemplos de líderes que souberam usar o novo ambiente para avançar posições no embate político doméstico.
Ganhou também a entidade do Estado nacional. Até fins da década de 90, muitos prenunciavam o declínio do Estado como a melhor unidade para gerir a vida entre os povos. Para eles, havia outras formas de governança mais eficientes: a sociedade civil organizada, o mercado autorregulado ou redes transnacionais de gestores, juízes, técnicos e especialistas. Mas o 11 de Setembro criou o ambiente para o retorno do primado do Estado como guardião de cidadãos e fronteiras, fiador da estabilidade em áreas de difícil governo e mediador de conflitos internacionais.
Perderam os EUA. Dez anos depois, o país conseguiu dilapidar sua legitimidade e liderança. Perdeu duas guerras - no Iraque e no Afeganistão. Perdeu apoio e respeito de aliados e de potências emergentes. A superioridade moral de quem sofreu os ataques terroristas foi maculada por mentiras e o uso da tortura com sanção da Casa Branca. Mesmo a onda de simpatia internacional que marcou a chegada de Barack Obama ao poder não conseguiu restabelecer a liderança perdida. A promessa frustrada de fechar Guantánamo só piora uma situação que é péssima.
Isso não significa que os EUA estejam em declínio. O poder americano continua inigualável e sua sociedade, vibrante e criativa. Anunciar o fim da hegemonia americana seria um erro grave.
A mensagem daquele passado recente é clara: uma potencia pode ser inconteste, mas será incapaz de assegurar um sistema internacional estável, justo e afluente se a lógica de sua liderança for a imposição.
A lição. Dez anos atrás, os EUA lançaram um plano de engenharia social sem precedentes no Oriente Médio. O resultado medíocre transformou a região em celeiro do ressentimento contra a hegemonia americana. A invasão ilegal do Iraque ilustra o ponto: tratou-se de ocupação forçada, cheia de erros, injustiças e tentativas atabalhoadas de impor um modelo democrático e capitalista à força. O resultado é trágico pelo sofrimento que causou a centenas de milhares de iraquianos e a milhares de famílias americanas.
Hoje há o risco real de uma apropriação indevida. Ex-funcionários do governo Bush têm sugerido que a chamada primavera árabe é vitória não planejada do antecessor de Obama. Segundo essa visão, a intervenção no Iraque teria acendido o pavio da democracia no mundo árabe, cuja explosão ouve-se agora no Egito, Iêmen, Tunísia e Síria.
Esse argumento é falso. Nenhum dos movimentos revolucionários nesses países tem o Iraque como modelo - tampouco Washington como guia. Ao contrário, o nacionalismo de tons anti-imperialistas comanda os termos do debate público.
O argumento também é perigoso pois põe de lado os aspectos mais nefastos da ordem global da última década. Agora que a comunidade internacional precisa lidar com a restauração da Líbia, entender o significado de uma década é mais urgente que nunca.

É DOUTOR POR OXFORD E COORDENA O CENTRO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA FGV 



'Se o PT insistir em sectarismo, vai dar um passo atrás'

Para cientista político, partido não pode retomar radicalismo político e deve apoiar Dilma no combate à corrupção no governo

04 de setembro de 2011 | 0h 00
Gabriel Manzano - O Estado de S.Paulo
ENTREVISTA
Aldo Fornazieri, cientista político
Efeito. 'A corrupção impede a modernização e a transparência' - Clayton de Souza/AE-8/10/2008
Clayton de Souza/AE-8/10/2008
Efeito. 'A corrupção impede a modernização e a transparência'
Se o PT quer ajudar o governo Dilma Rousseff, nas decisões de seu 4.º Congresso Nacional deste fim de semana, deve colaborar com seu empenho em livrar o governo da corrupção. "Esse não é só um problema moral, mas político. A corrupção impede a modernização do País e a promoção de políticas para entrar no século 21", afirma o cientista político Aldo Fornazieri, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Ele diz estranhar um certo tom "dos anos 80" nos documentos. "Me espanta, nas conversas entre petistas, esse discurso sobre conspiração midiática", diz o cientista político. "Percebo uma certa recaída no sectarismo. Se o PT insistir nisso, vai dar um passo atrás".
Para ele, não passa de invenção o conflito entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua sucessora. Fornazieri entende que Lula não deve ser cobrado pela corrupção da atual equipe de governo, porque o ministério Dilma "resultou de um acordo eleitoral do qual ela participou". Nesta avaliação sobre os dois dias de debates do PT, ele faz duas sugestões: a criação de um "Estatuto da Corrupção, como fez a Colômbia", e que o PT faça "um reparo histórico" e admita os méritos do governo Fernando Henrique Cardoso.
Há um tom mais radical, estilo anos 80, na linguagem e nas propostas da resolução discutida no congresso. É uma estratégia, para se firmar junto ao Planalto?
Os documentos que vi, até a véspera do encontro, revelam uma certa recaída no sectarismo político. Se o PT insistir nisso, terá dado um passo atrás. O congresso foi convocado para uma reforma estatutária, falar de prévias e eleições internas, mas é claro que a política não pode ficar de fora. E o tema é essa agenda negativa da corrupção.
Na qual o partido não exibe a indignação de outros tempos.
Sim, sua atitude tem sido ambígua. Parece que o PT reluta em apoiar as medidas saneadoras de Dilma, temendo que respinguem na figura de Lula. Isso é um equívoco, pois Lula está apoiando o governo nessa luta.
Não é por ele ter tido papel decisivo na nomeação dos demitidos de hoje?
O ministério atual é produto de um acordo eleitoral do qual Dilma participou. Todos sabiam que era um ministério com prazo de validade. Só que a validade acabou mais cedo, por causa dos escândalos de corrupção.
Escândalos que podem, ainda, envolver mais dois ministros.
Num país com alto padrão de moralidade, o Pedro Novais, do Turismo, nem deveria ter sido nomeado. O PT não deveria titubear sobre esse tema. A corrupção não é só um problema moral, é político. Se o Brasil não avançar para um padrão melhor, não fará a revolução necessária para ser um país moderno, transparente, do século 21. E quando surgem problemas, o povo tem de protestar, a imprensa tem de chiar e o governo tem de agir.
Alguns líderes do PT só gostam da imprensa que não chia.
Pois é, me espanta no PT esse discurso sobre a tal conspiração midiática. Ninguém leva mais isso a sério. O PT precisa se modernizar, entender que a imprensa é uma caixa de ressonância da sociedade. Basta considerar que nenhum dos escândalos foi desmentido. Seria melhor debaterem algo como um Estatuto da Corrupção, no estilo do aprovado pela Colômbia, e uma boa lei de transparência e de acesso à informação.
As resoluções sobre mídia estão no centro dos debates. Para onde isso aponta?
Todo mundo concorda que as comunicações precisam de março regulatório. Isso já existe em muitos países. Mas não há o que discutir a respeito do conteúdo da informação, que é garantido pela Constituição.
O PT voltou a falar em reforma política, com financiamento público e lista fechada - criticada por concentrar poder na direção dos partidos. O que o sr. acha?
Reforma política e do Estado é uma agenda permanente, mas pouco viável. Faz mais sentido que ela seja pontual, ao longo do tempo, e não feita toda de uma vez. Quanto ao financiamento e à lista fechada, acho que os dois pontos têm de ficar de fato amarrados. Só vejo sentido com os dois juntos. Se você cria o financiamento e mantém a lista aberta, não tem como o partido controlar os recursos, eles serão pulverizados. Quanto ao poder dos partidos, o próprio texto que fala em financiamento criava mecanismos legais exigindo processos democráticos para a elaboração da lista. Para que não seja definida pela direção, sozinha.
Alguns líderes tucanos, como Aécio, Alckmin e FHC, têm feito certa aproximação com o governo Dilma. Onde isso vai dar?
Com Dilma, mudou o padrão de relacionamento com a oposição. Acho que alguém do PT, seria bom que fosse o próprio Lula, deveria fazer um reparo histórico, admitindo os avanços do governo FHC, dizer que o que ele deixou não foi herança maldita. A Dilma fez isso, na hora em que era possível fazer.
O PT deve mexer nas prévias?
Se o congresso decidir por isso, será um retrocesso. O PT devia preservar essa conquista. Hoje há um desencanto da juventude com os partidos, vistos como cúpulas burocráticas que se apoderaram do espaço de fazer política. As prévias são um antídoto contra isso. O Lula, a meu ver, tem todo direito de patrocinar uma candidatura, como a do Fernando Haddad, em São Paulo, mas o candidato é quem tem de batalhar por um consenso, sem depender da supressão das prévias.

QUEM É
Doutor em Ciência Política pela USP (2007), é diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Fez graduação em Física na Universidade Federal de Santa Maria (1979) e pós-graduação em Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1985) 

Carro Flex pode fracassar, dizem usineiros



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TATIANA FREITAS
DE SÃO PAULO
Diante da queda de competitividade do álcool em relação à gasolina e da falta de um plano estrutural para o setor, os produtores de cana começam a admitir a possibilidade de o programa flex fuel fracassar, como ocorreu com o Pró-Álcool.
O presidente da Unica (União da Indústria da Cana-de-açúcar), Marcos Jank, disse ontem que, se não houver mudanças significativas no setor, o consumo de etanol hidratado deve cair ainda mais, diminuindo o interesse dos consumidores e da indústria nos carros flex.
Segundo os dados mais recentes da ANP (Agência Nacional do Petróleo), as vendas de etanol hidratado pelas distribuidoras caíram 22% no primeiro semestre deste ano, em relação ao mesmo período de 2010.
Em contrapartida, as vendas de gasolina subiram 15% no mesmo intervalo.
"Se não houver alta da gasolina, mudança na Cide [tributo incidente sobre os combustíveis] e redução importante de custos, a produção de hidratado não vai crescer, o consumo dos carros flex vai crescer cada vez menos e vai desestimular a produção dos automóveis flex", disse.
"Se não fizermos nada pelo hidratado, a tendência é que apenas o anidro cresça", acrescentou. O etanol anidro é misturado à gasolina, enquanto o hidratado abastece diretamente os carros flex.
PREÇO
O motivo da queda nas vendas do hidratado é o preço. Diante da estabilidade do valor da gasolina no mercado interno, o álcool tornou-se menos atrativo para o motorista --a Petrobras não mexe no preço da gasolina nas refinarias desde 2009.
Na semana passada, era mais vantajoso para o consumidor abastecer seu carro flex com etanol em apenas quatro Estados, segundo pesquisa da ANP: São Paulo, Goiás, Mato Grosso e Tocantins.
Nos outros, o litro do hidratado custava 70% (ou mais) do valor litro da gasolina.
"O consumidor escolhe pelo bolso", disse Adriano Pires, presidente do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura). "Corremos o grande risco de acabar com o carro flex, da mesma forma como acabou o carro a álcool. A história se repete", acrescentou.
PLANEJAMENTO
A falta de um planejamento estratégico para o setor é outra queixa dos usineiros.
Os investimentos em canaviais estão praticamente paralisados desde a crise financeira de 2008, e os produtores aguardam uma sinalização do governo para investir.
Hoje, as usinas conseguem abastecer com álcool apenas 45% da frota flex, segundo estimativa da Unica.
Mas, para o presidente da Açúcar Guarani, Jacyr Costa Filho, não é possível comparar o fracasso do Pró-Álcool com a crise atual do setor.
"A diferença é que agora o consumidor pode escolher entre o álcool e a gasolina no momento da compra do combustível, não ao comprar o carro", afirma.