segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Breno Altman - Quem defende a democracia na Venezuela?, FSP

 Breno Altman

Jornalista, é fundador do site Opera Mundi

Para entender o que está ocorrendo no país vizinho, devemos retornar a outubro de 2023, em Barbados, quando foi firmado acordo entre o governo Nicolás Maduro e as principais forças oposicionistas.

Esse pacto definia que as eleições presidenciais de 2024 seriam a via para retornar à normalidade institucional, rompida quando a extrema direita boicotou o pleito de 2018 e resolveu apostar na violação da legalidade, com Juan Guaidó, então presidente do Parlamento, se autonomeando chefe de Estado e governo.

Nicolás Maduro festeja o resultado da eleição presidencial na Venezuela - Juan Barreto/AFP

O pleito foi convocado para o dia 28 de julho, com a apresentação de dez candidaturas. Além do próprio Nicolás Maduro, nove nomes oposicionistas se registraram, dentre os quais se destacava Edmundo González, da Plataforma Unitária, coalizão reacionária liderada por María Corina Machado.

Aproximadamente 12,4 milhões de eleitores participaram, com a presença de quase mil observadores internacionais. Na sexta-feira (2), com 96,87% das urnas apuradas, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) anunciou que Maduro obteve 51,95% dos votos, González chegou a 43,18% e o restante somou 4,87% dos sufrágios válidos, consagrando a reeleição do atual mandatário.

Seis dos oposicionistas avalizaram os números divulgados, mas os extremistas gritaram fraude e se lançaram às ruas, em protestos violentos, atuando à semelhança de Donald Trump e Jair Bolsonaro. Esse setor afirma que González teria sido vitorioso com mais de 65% dos votos, embora não apresente provas, apenas uma contabilidade paralela processada por empresa estrangeira, tentando impô-la pela força. Frente a essa atitude, Maduro recorreu à corte suprema, demandando que todas as atas sejam periciadas, tanto as de seu partido quanto as da oposição, para que se chegue a uma decisão institucional.

O sistema eleitoral da Venezuela já foi elogiado por Jimmy Carter como um dos mais sólidos do mundo. Vota-se digitalmente, mas o voto também é impresso, com um método de dupla checagem. Automaticamente, 54% das urnas são submetidas à auditagem, comparando-se atas digitais e físicas, em mesas abertas a todos os partidos. O placar sai de uma só vez, normalmente quando 95% dos votos estão somados.

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As atas finais, individualizadas por urna, costumam ser publicadas 72 horas após a proclamação do resultado, embora o prazo legal seja de 30 dias, de acordo com o artigo 155 do código eleitoral. Segundo o CNE, há atraso em função de ataques cibernéticos, que afetaram a transmissão de 20% dos votos na noite da apuração.

Para uma parte da oposição, contudo, nada disso importa. Inimigos internos e externos do chavismo sinalizaram, desde o início, que só acatariam como saldo legítimo a derrota de Maduro. Evidência cabal dessa hipocrisia é a declaração dos EUA, proclamando vitoriosa a candidatura de González, sem qualquer processo verificado, desrespeitando a autodeterminação venezuelana e insultando a mediação brasileira. Está claro que o plano era aproveitar a campanha eleitoral para relançar uma estratégia de violência e sedição, na oitava tentativa golpista desde 1999.

Não há margem para dúvidas: gostemos ou não do atual governo, o que está em jogo na Venezuela, neste momento, é defender o processo democrático e soberano ou abençoar forças fascistas que sempre atropelaram o voto popular.

domingo, 4 de agosto de 2024

Templos, líderes religiosos e isenções tributárias, MEIO

 

24 de julho de 2024

Para onde deveríamos estar olhando para além da Reforma Tributária?

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Por Ana Carolina Evangelista

Com a aprovação da Emenda Constitucional que definiu as bases da reforma tributária no Brasil e as recentes aprovações de novas regulamentações das mudanças, apontam-se contornos também para as regras do jogo com relação ao funcionamento de templos religiosos. É nessa hora que o debate fica ainda mais acalorado. Para muitos, são mudanças consideradas um abuso. Para outros, uma moeda de troca política. Mas a cobertura e o debate público sobre os benefícios fiscais para templos e atividades religiosas nem sempre se direcionam para onde deveríamos estar olhando e podem ser fonte de desinformação ou de reafirmação de conceitos pré-definidos sobre um campo.

A cobertura jornalística tem se concentrado, na maioria das vezes, no leva e traz de trocas de favores entre governantes e lideranças religiosas beneficiárias de tais medidas, sem se ater ao mérito das alterações legais e se, de fato, aquilo representou mudanças reais. Muitas vezes, trata-se de alguma medida na tentativa de reafirmação de um benefício que já estaria determinado em leis complementares anteriores ou pela própria Constituição Federal de 1988, mas o foco da mensagem acaba direcionada aos atores envolvidos e na sua fama pregressa, e não no próprio conteúdo que se quer reportar.

O advogado Eduardo Pannunzio, em artigo recente publicado no JOTA, relata a cobertura incompleta, por exemplo, sobre se o provento de religiosos teria sido prejudicado ou não com a retirada de isenção fiscal no atual governo federal, e qual gestor concretamente teria sido o responsável pela mudança. Spoiler: não era o gestor da vez que estava sendo atacado ou tirando seu proveito para faturar politicamente com sua suposta autoria, ou retirada, de benefícios a um determinado grupo.

Em muitos casos, foca-se apenas nos templos e suas figuras mais midiáticas e conhecidas e não se amplia a lente para todo o ecossistema de atividades e serviços prestados por eles, sem colocar em contexto o universo extremamente amplo de templos religiosos, quais perfis de instituições realmente se beneficiariam e quais impactos teriam nos cofres públicos e no fornecimento concreto de serviços sociais.

No caso das igrejas evangélicas – as mais presentes no noticiário das demandas fisiológicas encampadas por magnatas da fé, e seus representantes diretos no Congresso –, esses benefícios na prática impactam em grande medida às maiores e mais poderosas, mas sequer chegam ao grosso dos pastores das milhares de pequenas e médias igrejas. Em sua maioria, esses pastores pagam seus impostos nas diversas ocupações que desempenham para sustentar as suas vidas, além de sua dedicação voluntária, ou quase, aos serviços pastorais. Benefícios estes que tampouco se estendem para a massa da população evangélica, que paga seus impostos como cidadãos e ainda contribui com seus dízimos para a manutenção das igrejas que frequentam.

Grandes corporações evangélicas estão lá, costurando na Reforma Tributária, a ampliação das condições hiper favoráveis nas quais já operam.

Ao mesmo tempo, grandes corporações evangélicas estão lá, costurando na Reforma Tributária, e por outros caminhos legais e jurídicos, a ampliação das condições hiper favoráveis nas quais já operam.

Para onde olhar?

Para onde deveríamos estar olhando então? O que de fato está mudando, ou mudou recentemente? Onde estão – ou apontam – os maiores favorecimentos recentes aos templos religiosos?

A imunidade tributária aos templos de qualquer culto está prevista, fundamentalmente, no artigo 150 da Constituição de 1988 e em algumas regras complementares. Uma das principais justificativas para a isenção de alguns tributos é a proteção da liberdade religiosa, uma vez que, reduzindo seus compromissos financeiros, entidades de qualquer tipo ou credo teriam mais liberdade de atuação. Apesar de a imunidade tributária ser significativa, as igrejas não estão livres de todos os tributos.

Como era, então, até o ano passado, antes da aprovação da Emenda Constitucional 132 de 2023? A Constituição (Art. 150, alínea b) afirmava que “templos de qualquer culto” não podem ser tributados – pela União, por estados e municípios – em bens e serviços que são considerados essenciais para o exercício de suas atividades, como os edifícios e veículos vinculados às entidades. O que significa dizer que as Igrejas são isentas de impostos como: Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Imposto de Renda (IR), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

Com a Emenda Constitucional aprovada em dezembro de 2023, ampliou-se essa isenção para organizações assistenciais e beneficentes ligadas a confissões religiosas, como creches, asilos, comunidades terapêuticas, entre outras – "entidades religiosas e templos de qualquer culto, inclusive suas organizações assistenciais e beneficentes". Uma das principais regulamentações da reforma tributária, recém aprovada pela Câmara, o PLP 68/2024 que institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo (IS) mantém essa ampliação de escopo, isentando "as operações realizadas por entidades religiosas e templos de qualquer culto, inclusive suas organizações assistenciais e beneficentes".

Mas um ponto importante tem passado despercebido sobre as regulamentações e alterações garantidas no PLP 68/2024: enquanto as organizações assistenciais sem fins lucrativos em geral são obrigadas a cumprir o art. 14 do Código Tributário Nacional, segundo o qual essas entidades não podem distribuir patrimônio ou rendas e devem aplicar seus recursos integralmente em território nacional, as igrejas e templos religiosos – e agora as organizações assistenciais e beneficentes a elas ligadas – não estariam sujeitas às mesmas regras. Isso em teoria, mas não sabemos ainda como será a interpretação dos tribunais na prática em caso de recursos que defendam ou questionem a aplicação dessas obrigações.

Além disso, ainda está em tramitação a PEC 5/23, que amplia outros âmbitos de isenção a templos religiosos, proposta pelo deputado federal Marcelo Crivella (Republicanos-RJ). Aprovada pela Comissão Especial da Câmara em fevereiro de 2014, a proposta expande a proibição da cobrança de tributos sobre o patrimônio, em si, a renda e os serviços diretamente relacionados com as finalidades essenciais das entidades, para uma isenção de tributos também para a aquisição de bens ou quaisquer serviços necessários à formação do tal patrimônio – renda e serviços prestados. É o caso dos salários das lideranças religiosas.

Outra frente importante de atenção, análise e cobertura geralmente ausente dos holofotes é a alteração da lei de participação nos lucros e resultados (lei n. 10.101/2000). Mudança realizada supostamente por pressão das igrejas, especialmente grandes corporações evangélicas, ela foi feita pela lei n. 14.020, durante o governo de Jair Bolsonaro, e passou a admitir a “participação nos lucros ou resultados” em instituições sem fins lucrativos - não apenas religiosas - quando utilizados “índices de produtividade ou qualidade ou programas de metas, resultados e prazos”.

Decisões do Supremo Tribunal Federal têm ampliado o entendimento sobre que tipo de atividade ou serviço das entidade religiosas deveriam ser tributados.

Fora do escopo e dos holofotes da reforma tributária aprovada pelo legislativo, outra frente que vai abrindo caminhos são as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que têm ampliado o entendimento sobre que tipo de atividade ou serviço das entidade religiosas deveriam ser tributados – se apenas aqueles considerados essenciais para o exercício de suas atividades ou não. E aqui estamos falando desde atividades amplas de assistência social e educação até aquisição de bens para a decoração dos templos, como a importação de pedras preciosas. Sim, você leu corretamente: “importação de pedras preciosas”.

Em 2022, por exemplo, o STF decidiu que entidades religiosas também podem se beneficiar da imunidade tributária conferida às instituições de assistência social, abrangendo, além de impostos sobre o seu patrimônio, renda e serviços, os tributos sobre a importação de bens a serem utilizados na consecução de seus objetivos estatutários. Em agosto de 2023, outra decisão do STF, em reação a um Recurso Extraordinário com Agravo apresentado pela Igreja Universal do Reino de Deus de São Paulo, autorizou a isenção de impostos para a importação de pedras preciosas para os templos. A decisão, do relator do recurso, ministro André Mendonça, foi ratificada posteriormente pela 2ª Turma do STF. Essas decisões do STF abrem precedentes relevantes, em paralelo, que também precisam ser considerados no debate público.

Como se vê, há muito mais nuances e singularidades constitucionais, jurídicas e políticas que têm sido ignoradas pelo debate apressurado da cobertura sobre os interesses, especialmente das igrejas evangélicas, na reforma tributária e por quais mecanismos reais eles estão sendo atendidos e quem são seus maiores beneficiários no final do dia.

Ana Carolina Evangelista é cientista política com mestrado em relações internacionais pela PUC-SP e em gestão pública pela FGV-SP. É pesquisadora e diretora-executiva do Instituto de Estudos da Religião (Iser). Faz cobertura eleitoral desde 2018 com colunas na 'piauí' e no 'UOL'.


BRASIL Cidades decidem reforçar a segurança por conta própria - The News

 










(Imagem: UOL)

“Deixa que a gente resolve”. Com o aumento da violência, algumas cidades brasileiras — principalmente as menores — estão criando suas próprias forças de segurança independentes.

O número de guardas municipais espalhadas pelo Brasil disparou, e hoje elas contam com quase 100 mil agentes, o que dá 1/4 do número de policiais militares no país.

🤿 Indo mais fundo: Os estados são os principais responsáveis pela segurança dos brasileiros, já que eles comandam as tradicionais polícias militares e civis — aquelas armadas que fazem a população se sentir protegida de fato.

O que está nas entrelinhas: Os investimentos cada vez maiores nas guardas municipais acontecem quando estamos a meses das eleições para prefeito. Coincidência ou não, segurança é a preocupação nº 1 dos eleitores na hora de votar.

Hoje, qualquer cidade pode aprovar uma lei para criar sua guarda municipal, mas o entendimento varia sobre o armamento dos agentes. Só 134 cidades têm acordo com a PF para o porte funcional de armas dos guardas.

Muito por causa disso, alguns prefeitos dizem ser contra o modelo argumentando que elas não recebem treinamento adequado e nem existe uma fiscalização séria sobre o assunto.

Looking forward: O governo quer criar uma espécie de “SUS da Segurança Pública” para aumentar a participação federal nas políticas sobre o assunto. No entanto, alguns governadores acreditam que isso seria uma interferência da União.