domingo, 7 de julho de 2024

Quem é Mélenchon, líder da coalizão de esquerda que surpreendeu em eleição na França, FSP

 Jean-Luc Mélenchon, 72, líder do partido A França Insubmissa (LFI), maior integrante da Nova Frente Popular (NFP), é uma figura constante na política de esquerda francesa há décadas e ocupou cargos ministeriais em governos passados, quando era membro do Partido Socialista.

Nascido em Tânger, no Marrocos, e formado em filosofia, o político da esquerda radical ficou em terceiro lugar no primeiro turno da eleição presidencial francesa de 2022, quando Emmanuel Macron venceu.

Porém sua imagem pública foi prejudicada por críticas de antissemitismo por sua posição pró-Palestina em relação ao conflito em Gaza. Ele nega as acusações.

Jean-Luc Melenchon discursa após os primeiros resultados do segundo turno da eleição legislativa da França - Sameer Al-Doumy - 7.ju.2024/AFP

O ex-senador do Partido Socialista, ex-ministro do governo Lionel Jospin (1997-2002) e ex-trotskista é conhecido por ser um orador capaz de discursos inflamados.

Isso entusiasma alguns eleitores enquanto horroriza outros com suas propostas de aumento de impostos e gastos, retórica de guerra de classes e posições controversas em política externa.

A coalizão de esquerda NFP é composta pelo Partido Comunista, pela França Insubmissa, pelo Partido Verde e pelo Partido Socialista. Além de Mélenchon, veja quem são os outros membros do bloco.

MARINE TONDELIER, LÍDER DOS VERDES

Marine Tondelier, 37, cresceu em Henin-Beaumont, uma cidade no norte da França conhecida como bastião da extrema direita Reunião Nacional (RN) e da sua líder Marine Le Pen. Tondelier tem um longo histórico de oposição à RN.

Ela foi eleita como membro da oposição no conselho municipal da cidade em 2014. Tondelier documentou suas experiências trabalhando sob um prefeito da RN e o que descreveu como a atmosfera opressiva gerada pela administração de ultradireita em um livro de 2017 intitulado "Notícias do Front".

Tondelier também foi eleita para um conselho regional do norte em 2021 e se tornou líder do partido ecologista mais conhecido da França, os Verdes, no ano seguinte.

RAPHAEL GLUCKSMANN, PARTIDO SOCIALISTA

Raphael Glucksmann, 44, liderou a lista de candidatos do Partido Socialista nas eleições europeias no início de junho. Obteve quase 14% dos votos, logo atrás do grupo de Macron, Juntos. Isso foi considerado um sinal de renascimento para um partido que governou a França em décadas passadas, mas que recentemente havia caído no esquecimento eleitoral.

Glucksmann frequentou escolas prestigiosas e teve uma carreira no jornalismo e na radiodifusão antes de se aventurar em várias direções, incluindo ser conselheiro do então presidente da Geórgia, Mikheil Saakashvili.

Ele defende um forte apoio europeu à Ucrânia em sua resistência contra a invasão da Rússia.

LAURENT BERGER, EX-LÍDER DO SINDICATO CFDT

Laurent Berger, 55, é ex-presidente de um dos principais sindicatos da França, a Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT), de vertente moderada. Ele tem um histórico de forte oposição à Reunião Nacional no país.

Berger disse que não quer ser primeiro-ministro, mas outros da esquerda têm sugerido seu nome, dizendo que ele poderia ser uma figura unificadora e uma alternativa popular a Mélenchon.


Furos, canos e privatização da Sabesp, FSP

 Alexandra Moraes

SÃO PAULO

O que está acontecendo no processo de desestatização da Sabesp? Uma pessoa que dependesse apenas das capas da Folha para se informar acharia que não há nada de mais.

A Companhia de Saneamento Básico do Estado de SP passa por aquela que, segundo a coluna Painel S.A., será a maior oferta pública de ações do ano no país. Mas os solavancos do processo, embora bem cobertos pelo jornal, não ganharam destaque proporcional na Folha.

O colunista André Roncaglia, portanto, parece ter alguma razão ao afirmar que "reportagens da Folha fizeram uma radiografia picotada" do que ele chama de "privataria tarcisiana" na Sabesp.

Roncaglia reuniu em seu texto mais recente pontos críticos do deveras estranho processo de privatização e deu revestimento irônico a eles.

"A venda de participação acionária da empresa teve a ampla concorrência... de uma empresa interessada. Indagado a este respeito, o governo Tarcísio reagiu com a novilíngua privatista: 'Não é falta de concorrência, é uma aderência ao que a gente vem colocando desde o início'."

Um homem pequenino recolhe com um copo um sinal de exclamação que sai de uma grande torneira, cujo encanamento no subsolo é ainda mais gigantesco e obscuro.
Ilustração de Carvall para ombudsman de 7 de julho de 2024 - Carvall/Folhapress

"Especializada em energia elétrica, a Equatorial conta com uma 'vasta experiência' de dois anos no setor de saneamento, 'conquistada' com a privatização do serviço no Amapá, feita pelo governo Bolsonaro em 2021, sob a batuta do atual governador carioca de São Paulo."

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"Se efetivada a operação, a Equatorial deterá 15% das ações da Sabesp, adquiridas a preços abaixo dos vigentes no mercado (R$ 67 contra R$ 75)."

Além das questões destacadas pelo colunista, havia ainda uma outra. A Folha cuidou de apurar a informação de que a presidente do conselho de administração da Sabesp tinha, até dezembro de 2023, cargo no conselho da Equatorial.

A movimentação soa especialmente atípica quando expressa na linguagem universal do dinheiro. "Ao sair da Equatorial, ela abriu mão de receber cerca de R$ 1,02 milhão por ano, enquanto na Sabesp o salário médio de um conselheiro fica na casa dos R$ 160 mil anuais", afirma a reportagem.

"Especialistas ouvidos pela Folha afirmam que a presença (...) nos conselhos das duas empresas, que viriam a mostrar interesses convergentes, não é ilegal, mas é inadequada. A dupla atuação também abriu margem para executivos questionarem sobre possíveis conflitos de interesses."

Era um bom furo. Mas aparentemente não o bastante para ganhar espaço em duas das principais vitrines do jornal.

A reportagem, apesar de ter ocupado uma página inteira da edição impressa do dia 3 de julho, não foi chamada na primeira página nem foi enviada aos leitores pela notificação do celular (os "pushes"), por onde costuma ser escoada a parte da produção que o próprio jornal julga de maior interesse do leitor.

O texto, publicado na noite do dia 1º, conquistou no site da Folha uma chamada razoável, que ficou no ar durante 17 horas seguidas.

Terá sido só o acaso que fez a informação não ser levada à capa da edição impressa nem ao celular do leitor? Pode ser, mas o jornal também não salientou nesses espaços nenhuma das outras reportagens sobre estranhezas na condução do processo na Sabesp.

A concorrência de uma empresa só, a parca experiência em saneamento dessa empresa, as justificativas mal-ajambradas do governo Tarcísio de Freitas e as ações na gôndola de "próximos do vencimento", nenhum desses aspectos mereceu destaque mais robusto. Foram, ao menos, colocados entre as chamadas do site da Folha, e ficou por isso mesmo.

O incômodo foi bem expresso pelo leitor Luiz Roberto Camargo Numa de Oliveira: "O artigo do André Roncaglia sobre o processo de privatização da Sabesp reforçou minha impressão de que a Folha tem dado pouco destaque a um tema de enorme interesse do cidadão paulista e paulistano. Sei que a Folha tem posição privatista, mas, convenhamos, um pouco de luz nesse furdúncio é imposição do interesse público".

Os editoriais do jornal de fato defendem as privatizações de modo mais amplo. Mas o Manual da Redação é claro: "Na Folha, os editoriais não dirigem o noticiário".

De resto, a cobrança por esclarecimento ficou limitada, nas páginas do jornal, ao segmento ideologicamente contrário à própria privatização.

Será que liberais mais diligentes não teriam nenhum reparo a fazer à condução da desestatização na Sabesp —com cara, pinta e roupa de lambança? Ou expor argumentos que justificassem esse "look"?

A respeito do espaço dado pela Folha ao tema, o secretário de Redação Vinícius Mota afirma: "Não creio que as apurações sobre o assunto tenham sido pouco destacadas no jornal. Houve extensa exposição na home e destaque em alto de página do jornal impresso".

Mota diz, porém, que, "olhando retrospectivamente, valeria terem sido objeto de chamada na capa do jornal impresso e de push para a versão digital".

A cobertura da Folha a posicionou acima da concorrência, mas o jornal falhou no empenho em promovê-la e torná-la mais acessível ao leitor.


Hélio Schwartsman - Livro analisa revoluções do passado e do presente para fazer uma defesa do liberalismo, FSP

 Numa época em que a ordem liberal vem sendo desafiada e sofre reveses, é natural que surjam obras que procurem apontar para as virtudes desse sistema que, aos trancos e barrancos, vem se consolidando no Ocidente. "Age of Revolutions", do jornalista Fareed Zakaria (CNN, Washington Post), é uma delas.


O autor se propõe a tentar entender como certos períodos da história concentram mudanças que deixam marcas profundas num país e por vezes no mundo. Nós os chamamos de revoluções. No livro, Zakaria investiga nove delas, cinco do passado (Holandesa, GloriosaFrancesa e a Industrial, em suas vertentes inglesa e americana) e quatro do presente (globalização, tecnologia, identidade e geopolítica).

A ilustração de Annette Schwartsman, publicada na Folha de São Paulo no dia 7 de julho de 2024, mostra, em primeiro plano, personagens de cinco revoluções, sendo quatro do passado —a Holandesa, a Gloriosa, a Francesa, a Industrial—, e um atual, um homem de negócios oriental de cabelos ruivos, terno rosa choque e camisa roxa, representando um mix das revoluções do presente: globalização, tecnologia, identidade e geopolítica. Ao fundo, uma cena de turbulência popular, com pessoas brigando em tumulto.
Ilustração de Annette Schwartsman para coluna de Hélio Schwartsman - Annette Schwartsman

A escolha das revoluções do passado tem algo de arbitrário que já trai as intenções do autor. Ele descreve todas elas, exceto a Francesa, como movimentos liberais que deixaram um saldo positivo, apesar ter eventualmente produzido vítimas. A prosperidade material experimentada hoje pelo terráqueo médio, por exemplo, é fruto das duas Revoluções Industriais. Já a Francesa aparece como uma revolução fracassada, iliberal, que traiu um a um todos os seus ideais. Não é uma posição absurda (Burke pensava do mesmo modo), mas há visões divergentes que também fazem sentido.

Quanto às revoluções modernas, Zakaria admite que elas estão provocando tensões e retrocessos, mas diz que não precisamos ser pessimistas. Se assimilarmos as lições das revoluções liberais, conseguiremos nos livrar do populismo e outras chagas do iliberalismo e seguir avançando incrementalmente, como holandeses e ingleses fazem desde os séculos 16 e 17.

Zakaria escreve bem e sabe contar histórias. O livro é verdadeiramente prazeroso de ler. Não discordo de suas teses centrais, mas devo dizer que fico um pouco preocupado quando defensores do liberalismo têm de apelar para uma espécie de fé em suas virtudes, como faz o autor.