quinta-feira, 27 de junho de 2024

Descriminalização geral, uso medicinal e crack engrossam fila de temas que Brasil precisa enfrentar, FSP

  

SÃO PAULO

Embora não encerre a polêmica, a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, acatada pela maioria dos ministros STF (Supremo Tribunal Federal), é um passo na longa fila de temas relacionados a drogas que o Brasil precisa enfrentar, segundo especialistas ouvidos pela Folha.

Assim, a descriminalização de todas as outras drogas seria a próxima etapa. Em outros países, eles dizem, a medida não acabou com o tráfico, mas deixou de criminalizar usuários e facilitou o acesso dessas pessoas aos sistemas de saúde.

Originalmente, o julgamento no STF trataria do tema com essa abrangência, mas acabou, ao longo dos nove anos de análise na corte, sendo restrito à maconha. Quantidades que diferenciem porte para uso pessoal e tráfico devem ser debatidas nesta quarta (26), assim como outras regras.

Movimentação da GCM durante operação de limpeza na rua dos Protestantes, onde está localizado o fluxo da cracolândia - Danilo Verpa/Folhapress

Já questões relativas a consumo de crack e tratamento para dependentes químicos precisam ser enfrentadas em conjunto pelas áreas de assistência social e psicologia, por exemplo, e não com abstinência ou internações prolongadas.

Descriminalizar outras drogas além da maconha para o uso pessoal seria uma aposta contra o modelo vigente de repressão no Brasil, afirma Dudu Ribeiro, cofundador e diretor executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas.

"Não é num sentido de liberação do acesso ou de redução da percepção de risco sobre essas substâncias, mas de entender que tratar esse tema na esfera criminal tem sido a pior escolha do Brasil." Os resultados, diz ele, são prisões, mortes —que afetam desproporcionalmente populações negras e pobres— e nenhuma promoção de saúde.

Luís Fernando Tófoli, professor de psiquiatria da Unicamp, segue a mesma linha e projeta que o passo ideal após a descriminalização das drogas seria legalizar a maconha. "Não é liberou geral, é regulamentar com a legalização, com riscos que podem ser melhor controlados do que deixando na mão do tráfico."

É justamente na área de saúde que associações de cultivo e outros grupos, incluindo a indústria farmacêutica, têm visto crescer o uso de maconha. Mas o modelo é inviável para o tratamento nos moldes do SUS (Sistema Único de Saúde), afirma o pesquisador Lauro Pontes, que há dez anos estuda os usos terapêuticos da droga.

"Hoje o acesso [para fins medicinais] está reduzido a esses processos: importação via Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] e compra na farmácia ou de associações de pacientes." O problema, ele ressalva, é que as duas primeiras alternativas precisam ser importadas. A terceira é um produto artesanal, fitoterápico.

O desafio é levar o tratamento com maconha medicinal para o sistema público de saúde. Pontes, hoje aluno de pós-doutorado no Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, foi consultor independente em um projeto sobre esse tipo de uso na Prefeitura de Armação dos Búzios, no litoral do Rio de Janeiro.

Na época, em 2021, o valor anual estimado para o tratamento de autismo e epilepsia refratária de 400 crianças que já estavam sendo atendidas na rede pública era de R$ 6 milhões. "Extrapole isso para São Paulo, vai dar bilhão."

Para além da maconha, o tratamento para drogas como crack, cocaína, heroína e mesmo drogas sintéticas, como as drogas K, deveria apostar em outras soluções que não o confinamento e a abstinência.

É o que diz Nathália Oliveira, também diretora executiva da Iniciativa Negra e coordenadora da comissão que trata de legislação e normas no Conad (Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas), grupo sob a coordenação do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

"As políticas de atenção e tratamento são orientadas pela premissa do cuidado em liberdade", afirma. Como exemplo de estratégias bem-sucedidas de redução de danos ela cita o programa De Braços Abertos, que oferecia moradia, assistência social e trabalho em São Paulo, e o Corra para o Abraço, programa da Bahia que dá acolhimento e auxílio para usuários de drogas em processos judiciais.

O psicólogo Bruno Logan, que trabalhou por nove anos com redução de danos entre populações vulneráveis, inclusive na cracolândia de São Paulo, descarta internações compulsórias como forma de tratamento.

Para ele, a abstinência e o confinamento, métodos usados em comunidades terapêuticas, que ele critica, não preparam o dependente químico para lidar com autonomia contra a oferta, que será uma constante na vida em sociedade. "O tratamento precisa ser em liberdade para que a pessoa aprenda a desenvolver esse mecanismo e possa recusar."

Os especialistas apontam que, na perspectiva de tratar o uso de drogas como problema de saúde, é preciso reforçar os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), especialmente os de álcool e drogas, que integram a rede de tratamento em liberdade. Internações, dizem, podem resolver problemas pontuais como surtos ou quadros clínicos (contaminações ou doenças, por exemplo).

Além das investigações sobre os fatores pessoais e sociais que levam ao uso de substâncias, os especialistas apontam que a informação é um dos principais pilares para lidar com os efeitos do uso de drogas, considerando que elas sejam descriminalizadas.

Segundo Fernando Beserra, psicólogo e coordenador da Associação Psicodélica do Brasil, uma medida que o grupo adota é ter coletivos de redução de danos em áreas de festas, com testes de drogas e informações aos usuários. "Dá para saber se tem adulterantes, se tem a substância que a pessoa quer usar. São mais de 15 anos fazendo essas testagens e acolhendo pessoas que tiveram crises por causa do uso."

Beserra também cita espaços de uso público, como os que existem em Portugal e Holanda, que auxiliam os governos com a notificação de novos tipos de droga que chegam ao mercado.

Para Tófoli, da Unicamp, descriminalizar incentiva o usuário de drogas a acessar políticas de saúde. "O tráfico continua existindo, mas você aproxima esse usuário do sistema de saúde porque o comportamento dele não é mais crime."

Esconde-esconde com a lei, Ruy Castro, fsp

 Desta vez é Marcelinho Carioca. Outro dia foi Eduardo Bolsonaro. Dois fujões que a Justiça levou anos procurando para entregar uma intimação a que respondessem por malfeitos, como uma cretinice que tivessem dito (Eduardo) ou um calote em alguém (Marcelinho). Nada de novo: esses elementos nunca são encontrados em seus endereços (sempre mais de um) e seus assessores (que eles têm em quantidade) não sabem onde estão ou quando voltam.

Supõe-se que os oficiais da Justiça sejam treinados para farejar pistas e analisá-las. Afinal, nenhuma cidade é tão grande para que alguém se esconda por tanto tempo. Algum dia ele precisará de quem lhe forneça dinheiro, compre cuecas ou obture seus dentes. Achando-se um desses, acha-se o indigitado. Mas os agentes parecem uns palermas, à espera de que o procurado lhes dê um alô ou marque um encontro pelo WhatsApp.

Na literatura policial, a capacidade de passar incógnito por baixo do nariz da lei é coisa de Raffles, Sherlock Holmes ou Arsène Lupin. Posso imaginar Eduardo Bolsonaro e Marcelinho rindo entre dentes ao passar pelos agentes sem disfarce e sem serem percebidos. Há algo de canalha na atitude de um elemento que brinca de esconde-esconde com a Justiça. Ele sabe que, cedo ou tarde, terá de aparecer. A graça está em protelar esse encontro pelo máximo de tempo, apenas pelo prazer de saber que está tapeando os otários.

Eu sugeriria aos responsáveis que, em vez de oficiais sonâmbulos, pusessem um detetive na pista do sujeito. Não precisa ser um xerloque. Qualquer pé-chato com prática em espiar por fechaduras e dar flagrantes de adultério fará o serviço.

Ou, mais simples, em troca de exclusividade na história, botar um repórter na busca do dito. E, da mesma forma, não precisa ser um baita repórter investigativo. Um estagiário em suas horas vagas na faculdade dará conta do recado.

Colin Blakely (dr. Watson) e Robert Stephens (Sherlock Homes) em cena de 'A Vida Íntima de Sherlock Holmes' - Divulgação

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A decisão caquética do STF na questão das drogas, Hélio Schwartsman, FSP

 Mais uma vez, o STF meteu os pés pelas mãos. O julgamento da constitucionalidade do artigo 28 da Lei Antidrogas, que determina penas para usuários de substâncias ilícitas, deveria, se não ser algo simples, ao menos seguir um roteiro conhecido. Embora o não tão douto ministro André Mendonça o ignorasse, vários países, incluindo os vizinhos Colômbia e Argentina, já percorrem esse caminho.

A discussão, no fundo, é sobre o alcance da autonomia individual. O STF não teria dificuldades, como não tiveram seus congêneres de outros países, de afirmar que a proteção constitucional à intimidade e à privacidade é de tal ordem que põe fora do alcance do legislador o que cada pessoa pode fazer com seu próprio corpo sem colocar terceiros em perigo. O voto original do ministro-relator, Gilmar Mendes, tinha essa pegada. Basta ver que ele considerara inconstitucional a punição para usuários de todas as drogas, não apenas de maconha.

Marcha de Maconha na avenida Paulista, em São Paulo - Felipe Iruatã - 16.jun.24/Folhapress

Os ministros, porém, tendo percebido que o Legislativo resistiria à mudança de paradigma, se lançaram numa política de apaziguamento que foi desidratando o alcance e o teor da decisão. Gilmar mudou seu voto para abarcar só a maconha. O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, tentou vender a ideia de que um julgamento sobre a impossibilidade de o Estado impor sanção penal não tratava nem de descriminalização nem de despenalização. O que deveria ser uma tese constitucional robusta se transmutou numa versão caquética e confusa —policiais e juízes vão ter dificuldades para descobrir como deverão agir daqui em diante.

O STF é um poder contramajoritário ao qual cabe garantir os direitos fundamentais dos cidadãos. Também é um poder não eleito que precisa exercer a autocontenção. Isso significa que ele deve evitar entrar em bolas divididas, mas não deve ter medo de ser lógico e contundente nas brigas que decide comprar. Não é o que aconteceu aqui.

helio@uol.com.br