quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Negociar não pode ser uma cessão unilateral, diz Arnaldo Jardim sobre cota de importação de etanol dos EUA

 Presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Setor Sucroenergético, o deputado federal Arnaldo Jardim criticou a decisão do governo brasileiro de aprovar cota de isenção tarifária para a importação de 187,5 milhões de litros de etanol dos Estados Unidos. O deputado acredita "que precisamos sim negociar, mas uma negociação que envolva ambas as partes. Negociar não pode ser uma cessão unilateral".

Arnaldo Jardim destacou que "algumas questões nesta negociação ainda permanecem suspensas, como nossa cota de importação de açúcar aos EUA, que hoje é limitada a 180 mil toneladas por ano, o que é muito pouco. Por isso somos a favor do etanol brasileiro".

Os EUA respondem por cerca de 90% do etanol importado que chega aos portos brasileiros a cada ano. Com a decisão, esse volume de combustível poderá ser importado pelo Brasil sem a incidência do imposto de importação - que, atualmente, é de 20% para todos os países que não integram o Mercosul.

Em agosto, a cota que o Brasil mantinha para todos os países fora do bloco econômico perdeu validade. O presidente dos EUA, Donald Trump, chegou a apontar possibilidade de "retaliação" ao Brasil caso a taxação fosse retomada. O acordo foi firmado diretamente entre os governos de Brasil e Estados Unidos e, por isso, não contempla a importação vinda de outros países.

Formado pela Presidência da República, pelos Ministérios da Economia, das Relações Exteriores e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Gecex é responsável por "definir alíquotas de importação e exportação, fixar medidas de defesa comercial, internalizar regras de origem de acordos comerciais, entre outras atribuições".

O acordo

A isenção sobre parte do etanol importado foi estabelecida em 2010 e valia para os primeiros 600 milhões de litros a entrarem no Brasil a cada ano. A partir desse ponto, passava a incidir a tarifa de 20%. Em 2019, a cota foi ampliada para 750 milhões - pouco mais da metade do 1,457 bilhão de litros que o Brasil importou do combustível em todo o ano. Do total importado, 90,66% (1,321 bilhão de litros) veio dos Estados Unidos.

Apesar de serem utilizados da mesma forma, o etanol brasileiro e o norte-americano têm origens distintas. O combustível nacional é extraído da cana-de-açúcar, enquanto a produção dos Estados Unidos é majoritariamente baseada em milho.

A cadeia de produção dos EUA recebe subsídios vultosos do governo americano. Somados à isenção tributária que vigorava no Brasil até este domingo, eles faziam com que o etanol importado fosse mais barato, aqui no Brasil, que a produção nacional.

Em 2020, até julho, o Brasil já tinha importado 841 milhões de litros de etanol - ou seja, acima da cota de 750 milhões de litros isentos a cada ano. Desse volume, 747 milhões de litros, ou 88,82%, vieram dos Estados Unidos.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deu declarações no início do mês sobre a necessidade da isenção para a importação de etanol pelo Brasil. Em franca campanha de reeleição, Trump chegou a apontar possibilidade de "retaliação" caso a taxação voltasse.

Mais que a simples renovação da cota, Trump defende a eliminação de todas as taxas sobre o etanol que os EUA vendem para o Brasil. O presidente não citou no discurso, no entanto, que o açúcar exportado pelo Brasil - que, assim como o etanol, é derivado da cana-de-açúcar - é taxado em 140% ao chegar em solo norte-americano.


Morre astrônomo brasileiro João Steiner, 70, FSP

 Morreu na manhã desta quinta-feira (10) o astrônomo brasileiro João Steiner. Pesquisador do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo, ele tinha 70 anos.

Curioso e apaixonado pela ciência desde menino, Steiner fez graduação, mestrado e doutorado na própria USP, nos anos 1970, seguido por pós-doutorado no Centro Harvard-Smithsonian para Astrofísica. Foi presidente da Sociedade Astronômica Brasileira, tesoureiro e secretário geral da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, diretor do Laboratório Nacional de Astrofísica e diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP.

Professor titular da USP desde 1990, ele foi um dos grandes responsáveis pela participação brasileira nos observatórios Gemini e SOAR, bem como da entrada do Brasil, com apoio da FAPESP, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, no GMT, Giant Magellan Telescope, telescópio de próxima geração que deve ser inaugurado até o final desta década.

Como pesquisador, Steiner se especializou em núcleos ativos de galáxias. Sempre preocupado em levar a ciência ao público, tinha populares cursos online de astronomia e era um brilhante professor e cientista.

Steiner estava com a família, em Santa Catarina, quando foi vitimado por um infarto fulminante. Desmaiou, foi socorrido e levado ao hospital, mas não resistiu. É uma grande perda para a ciência brasileira.

Sem balada e isolados em casa, adolescentes enfrentam ansiedade e depressão, OESP

 Renata Cafardo, O Estado de S.Paulo

16 de setembro de 2020 | 11h00

Quando o Whatsapp de Mariana* chegou a 5 mil mensagens não respondidas, a mãe teve certeza de que algo estava errado. Aos 12 anos, a menina dizia que não via “saída para sua vida”, chorava sem razão clara e tinha dores de barriga constantes. Passou a se recusar a assistir às aulas online da escola e acreditava que era a única que não conseguia aprender daquela nova maneira, imposta pela pandemia. A mãe não a deixava mais sozinha no quarto com medo de suicídio. Ao procurarem um psiquiatra, Mariana* teve em maio o diagnóstico de depressão e foi medicada. Só há poucos dias, ela pegou o livro para estudar pela primeira vez desde então. “Eu chorei ao ver. Mas para as aulas pelo computador ainda não conseguiu voltar”, conta a mãe, uma dona de casa do interior de São Paulo.

Adolescentes e pré-adolescentes são um dos grupos mais afetados quando se fala em saúde mental durante o isolamento social, acreditam especialistas. A identidade deles se forma pelo grupo, pelo outro. E quando o outro está longe, isolado também, muitos vínculos acabam ruindo. Foram-se ainda as festas, as conversas nos intervalos das aulas, os momentos de experimentar a independência, na escola ou em qualquer lugar longe da família. É a balada roubada, como bem definiu em live sobre o tema a Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro.

Isolamento social de adolescentes na pandemia
'Me leva junto': jovem registra a sombra das mãos imitando um pássaro e expressa no nome da foto, parte de um projeto dos alunos do Colégio Santa Cruz, a vontade da adolescente há meses em casa Foto: Manuela Freire

Uma pesquisa publicada no Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry concluiu que “crianças e adolescentes são mais prováveis de ter altas taxas de depressão e ansiedade durante e depois de período de isolamento”. Os pesquisadores analisaram 83 estudos sobre o assunto, publicados entre 1946 e 2020.

Outro trabalho, feito na China em abril, mostrou que 22% dos estudantes declararam ter sintomas depressivos durante a quarentena e 18% disseram ter se sentido ansiosos. Os índices são superiores ao que se identificava antes da pandemia. No Brasil, pesquisa da Fundação Lemann e Itaú Social mostrou em agosto que 77% dos estudantes estavam tristes, ansiosos, irritados ou sobrecarregados.

“Eu sou um fracasso”, diz Mariana*, ao ser perguntada por que se sente triste. “Às vezes sou muita chata, acho que magoo todo mundo”. A menina, que perdeu o pai aos 4 anos, fazia terapia antes da pandemia e já tinha um quadro de ansiedade. Mesmo não tendo se adaptado ao ensino remoto, ela morre de medo de voltar à escola porque teme contaminar a mãe. “Claro que neste momento de pandemia a gente espera reações emocionais, mas não persistentes. Quando se tenta algo positivo e não funciona ou o adolescente não se interessa por nada, é preciso ficar atento”, diz o professor de Psiquiatria da Infância e Adolescência da Universidade de São Paulo (USP) Guilherme Polanczyk.

Entre os outros principais sintomas da depressão estão baixa autoestima, sensação de inutilidade, irritabilidade, pensamentos sobre morte, alterações de sono e apetite e até físicas, como dores e enjoos. Polanczyk é o coordenador da pesquisa Jovens na Pandemia, feita no Hospital das Clínicas, que pretende identificar os efeitos do momento atual na saúde mental por meio de um formulário online preenchidos pelos pais. O grupo espera receber cerca de 10 mil respostas e poder auxiliar as famílias depois.

Efeitos na saúde mental de jovens durante a pandemia
Imagem produzida por aluna do Colégio Santa Cruz para projeto escolar sobre os efeitos do isolamento social durante a pandemia do novo coronavírus Foto: Laura Unikovski Schames

A administradora Aurora* conta que o filho Marcos*, de 17 anos, pediu ajuda há cerca de um mês. “Ele não aguentou tanta solidão”. O adolescente, que era muito sociável, passou a estudar apenas por meio de vídeos gravados pelos professores, já que a escola promoveu poucos encontros online. “De repente a rotina dele sumiu, o contato sumiu, não via professor, não interagia, não ouvia perguntas dos colegas, o mundo sumiu completamente”, diz a mãe.

Ele começou a não dormir, se sentir feio, burro e sem amigos. Levado ao psiquiatra pela primeira vez na vida, Marcos*  foi medicado porque estava com sintomas depressivos e chegou a falar de suicídio com o médico. 

Câmeras fechadas

Não há pesquisa ainda que mostre o aumento de casos de depressão, ansiedade, automutilação ou suicídio durante a pandemia do coronavírus, mas psiquiatras relatam aumento de procura de adolescentes. “Esses casos já vinham num crescente e, com certeza, o isolamento social contribui para isso”, diz o psiquiatra da infância e da adolescência e médico colaborador do Programa de Transtornos Afetivos na Infância e Adolescência do HC, Miguel Boarati. “A tendência do adolescente é se isolar do grupo familiar e ficar com os amigos”. Agora, o que acontece é o contrário.

O médico também acredita que a falta de escola e a mudança para o ensino remoto contribuem para a situação. Há diminuição do contato com colegas, professores e algumas vezes até mais cobrança, provas e exercícios para compensar a falta da aula presencial.

As escolas e professores, por outro lado, se ressentem de poder ajudar pouco os alunos com dificuldades emocionais nesse momento de distanciamento. Pesquisas mostram que os docentes são essenciais para identificar questões na saúde mental dos estudantes, casos de abuso, de violência doméstica. “Na sala de aula presencial ou no intervalo estávamos sempre observando. Agora, por mais que você peça, eles fecham a câmera”, diz a supervisora pedagógica da Escola Vereda, no ABC paulista, Patricia do Nascimento Carvalho.

Ela conta que muitos pais passaram a relatar problemas de ansiedade e depressão durante a pandemia. Com o gancho do setembro amarelo, campanha de prevenção ao suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria e do Conselho Federal de Medicina, a escola criou um projeto para que os alunos possam falar de seus sentimentos nas lives.

Metáforas da quarentena

A frustração com planos de viagens, formaturas e festas, que foram se perdendo ao longo do ano, causa mais ainda a sensação de incerteza. “A perspectiva de tempo para o adolescente é diferente, por uma questão cognitiva. Um ano é um tempo enorme para eles, sentem que muitas coisas estão sendo perdidas, o que se torna algo muito estressante”, diz Polanczyk.

Marina Marcondes, de 17 anos, conta que tinha uma grande viagem para a Amazônia marcada com a escola para este ano, esperada desde que era criança. “Fiquei muito chateada, ainda estou chateada, mas sou otimista e tento pensar que as coisas acontecem por alguma razão”, diz a menina, que é aluna do Colégio Santa Cruz e participou de um projeto da escola para expressar a quarentena em fotos.

Jovens na pandemia
Para projeto do Colégio Santa Cruz sobre isolamento na pandemia, adolescente fotografou cubo mágico distorcido para representar "as incertezas desses tempos"  Foto: Marina Marcondes

Ela registrou um cubo mágico com as faces viradas, o que, para ela, representa a incerteza desses tempos. “As fotos revelam muito do que os alunos estão vivendo, a partir disso me aproximei deles, procurei alguns para conversar”, diz o orientador do ensino médio do Santa Cruz, Bruno Weinberg, que propôs o projeto. Em uma delas, Manuela Freire, de 16 anos, registra a sombra das suas mãos imitando um pássaro e expressa no nome da foto a vontade da adolescente há meses em casa: “me leva junto”.

*Nomes fictícios

Crônicas da quarentena

Alunos do 1º ano do ensino médio da Escola da Vila produziram textos em que falam da quarentena para uma proposta de Língua Portuguesa. Não necessariamente relatam um sentimento real do autor. 

Já faz algum tempo pelo que pude perceber que conto os dias assim, “tal dia de isolamento”, pois me esqueço com facilidade em que dia estamos, em que mês, em que hora. Só sei me guiar pela quantidade de tempo que aqui estou presa. Contar o tempo pelo que ele costumava ser também me parece errôneo, aqui dentro as coisas definitivamente são mais devagar do que lá fora, e digo isso porque mesmo tendo se passado menos de um mês, parece que estamos nesta lamentável situação há algumas décadas. (texto de Isabella Brandão Turquetti Sauaya Pereira, no 25º dia de isolamento)

A única certeza que tenho é que precisamos ser suficientes para nós mesmos neste momento, porque tudo está ainda mais incerto, nunca sabemos o dia de amanhã. E eu, que tenho quase a necessidade de manter o controle de tudo em minhas mãos, me veria quase completamente angustiada com toda essa incerteza, a não ser por uma suave tranquilidade que me vem ao perceber uma certa beleza oculta nisso tudo. (texto de Julia de Carvalho Galvão)

Às vezes, em meio aos móveis do meu quarto, já cansados da minha patética presença, penso seriamente em escalar a minha minibiblioteca, que contém somente os livros que me aquecem o coração, e arrancar a rede da janela, segurar firme nas bordas das paredes, impulsionar o corpo para frente e para trás, para frente e para trás, e, enfim me juntar com esses bem-te-vis que me veem tão mal pelas frestas de seus olhares mais concentrados no próprio voo do que na minha presença inanimada. (texto de Marina Zilles)

Todos os objetos do meu quarto guardam uma memória e uma história vivida. A única exceção são as roupas novas que recebi como presente de aniversário, dias antes do início da reclusão. Por conta da quarentena, elas terão de esperar no guarda-roupa para estrearem em uma festa. Essas ainda vão construir a sua história, espero que feliz. (texto de Miguel Reis) 

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