quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Líderes do governo no Legislativo costuram texto para aprovar projeto que facilita "sujar" nome de devedor, R7


Fábio Mazzitelli

Plenário da Assembleia, dividido entre "verdes" e "amarelos"
Plenário da Assembleia, dividido entre "verdes" e "amarelos"Fábio Mazzitelli/R7 - 07.11.2017
Depois de alguns meses de discussão, muita polêmica e até torcida uniformizada nas galerias do plenário, os líderes das bancadas governistas da Assembleia Legislativa de São Paulo costuraram um novo texto nesta terça-feira (7) para buscar a aprovação de um projeto apresentado pelo governo de Geraldo Alckmin (PSDB) que torna mais fácil para as empresas o processo de inclusão do nome de consumidores devedores em serviços de proteção ao crédito.
O projeto da gestão Alckmin, apresentado em 2016, derruba a obrigatoriedade de um protocolo de aviso de recebimento (AR) assinado pelo devedor para que o nome seja incluído em cadastros negativos –-hoje, na prática, se o devedor não assina o AR, a empresa credora é obrigada a lançar mão de um edital para tornar pública a dívida e só então “sujar” o nome dele.
A emenda aglutinativa costurada pelos líderes da Assembleia prevê que essa cobrança da dívida seja feita, além dos meios tradicionais (cartas de cobrança via cartório), também por meio eletrônicos, como por email ou até por aplicativo de mensagens. Nesses termos, se a comunicação eletrônica for entregue, o consumidor pode ser considerado avisado.
“Também servirá como prova de realização da comunicação (...) o comprovante de entrega de correspondência eletrônica, via internet ou qualquer outro aplicativo de mensagem”, diz o texto da emenda apresentada nesta terça-feira (dia 7).
História e torcida
A obrigatoriedade do AR assinado pelo devedor para o envio do nome dele para os serviços de proteção ao crédito foi instituída no Estado de São Paulo por uma lei aprovada em 2015, de autoria do então deputado Rui Falcão (PT). Desde então, entidades que se sentiram prejudicadas pela lei, como a Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo, passaram a questionar a legislação na Justiça.
O envio do projeto de lei pelo governo Alckmin, em 2016, reabriu a discussão na Assembleia, que virou palco de “torcidas organizadas” que pressionavam os deputados dos dois lados: um grupo, vestido com camisetas amarelas e que falava “a favor do direito dos consumidores”, pedia que a obrigatoriedade do AR fosse mantida; um segundo grupo, uniformizado com camisetas verdes e que defendia a “desburocratização do processo de cobrança dos devedores”, acompanhava as discussões fazendo barulho pela mudança na lei de 2015.
Nesta terça-feira, as galerias do Legislativo paulista ficaram lotadas e divididas entre os “verdes” e os “amarelos”, que vaiavam e protestavam os deputados que se pronunciavam contra os seus interesses.
Veja abaixo a defesa do projeto feita pelo deputado Barros Munhoz (PSDB), líder do governo na Assembleia.

terça-feira, 7 de novembro de 2017

charge do Chico Caruso, no Globo

Essa gente incômoda, VEJA


A 'fé evangélica', em grande parte, é composta do 'tipo moreno', ou 'brasileiro', que vem sendo visto com crescente horror pela gente bem do Brasil

Quem é contra a liberdade de religião no Brasil? Mais gente do que você pensa, com toda a certeza, embora quase ninguém vá dizer isso em público, é claro — provavelmente não dirá nem mesmo no anonimato de uma pesquisa de opinião. Mas é preciso ser realmente muito bobo, ou muito hipócrita, para achar que está tudo em ordem com a liberdade religiosa no Brasil quando as nossas classes mais altas, que também se consideram as mais civilizadas, sentem tanto desprezo, irritação e antipatia pela religião que mais cresce no país. Trata-se da “fé evangélica”, como se chama, para simplificar, a vasta constelação de igrejas, seitas e cultos de origem protestante que nas estatísticas já reúnem um terço da população brasileira — e na vida real podem estar além disso. Esse povo, em grande parte do “tipo moreno”, ou “brasileiro”, vem sendo visto com horror crescente pela gente bem do Brasil. Sabe-se quem são: os mais ricos, mais instruídos, mais viajados, mais capacitados a discutir política, cultura e temas nacionais. São geralmente descritos como esclarecidos, liberais, intelectuais, modernos, politizados, sofisticados e portadores de diversas outras virtudes. Toda a esquerda nacional, por definição, está aí dentro. Também estão todos os que são de direita ou de centro — desde que não se misturem com o povo brasileiro.
Nada é tão fácil de perceber quanto um preconceito que se pretende bem disfarçado. Os meios de comunicação, por exemplo, raramente conseguem escrever ou dizer a palavra “evangélico” sem colocar por perto alguma coisa que signifique “ameaça”, “medo” ou “perigo”. Fala-­se de maneira quase sempre alarmante da “bancada evangélica” na Câmara dos Deputados — como se os parlamentares ligados às igrejas formassem um corpo estranho, infiltrados ali por alguma conspiração não explicada. São tratados como uma coisa só — e ruim. Fala-se do “risco” de aumento da bancada evangélica nas próximas eleições. Há um escândalo permanente no Brasil de “primeiro mundo” diante de suas posições em matéria de família, sexo, crime, polícia, drogas, educação, moral, propriedade privada e mais umas trezentas outras coisas. Os evangélicos são vistos ali como retrógrados, reacionários, repressores, fascistas e inimigos da democracia. Já foram condenados como machistas, homofóbicos e fanáticos. Defendem a “cura gay”. São a “extrema direita”. Estão definitivamente fora do “campo progressista”.
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Naturalmente, argumenta-se que essa condenação universal não tem nada a ver com religião; se os evangélicos pensassem o contrário do que pensam em cada uma das questões aqui citadas, por exemplo, não haveria nenhuma objeção e a população estaria liberada pelas classes intelectuais para rezar nas Assembleias de Deus, na Catedral da Bênção ou nas Igrejas do Evangelho Quadrangular. Ou seja: o problema dos evangélicos está nas suas convicções como cidadãos. No fundo, é a mesma história de sempre. O que atrapalha o Brasil, na visão das pessoas que se consideram capacitadas a pensar, são os brasileiros. O povo brasileiro, de fato, é muitas vezes inconveniente — principalmente quando vota. Os intelectuais, preocupados, lamentam o crescimento da bancada evangélica — mas raramente se lembram de que ela só cresce porque cresce o número de eleitores evangélicos. Pode ser uma pena, mas toda essa massa de gente que vai ao templo é formada por brasileiros que têm direito de votar, votam em quem quiserem, e o seu voto, infelizmente para a sensibilidade da elite, vale tanto quanto o voto dos pais que colocam seus filhos no Colégio Santa Cruz.
Há muita indignação, também, com a escroqueria aberta, comprovada e impune que é praticada há anos em tantos cultos evangélicos espalhados pelo Brasil afora. É um problema real. Pastores, bispos e outros peixes graúdos tomam dinheiro dos fiéis, sob a forma de donativos, em troca de ofertas a que obviamente não podem atender: desaparecimento de dívidas, expulsão de demônios, cura de doenças, enriquecimento rápido, eliminação do alcoolismo, dependência de drogas e outros vícios — enfim, qualquer milagre que possa ser negociado. Diversas igrejas se transformaram em organizações milionárias, e muitos dos seus líderes são charlatães notórios — alguns deles, aliás, já chegaram a ser presos por delitos variados em viagens ao exterior. Estão acima do Código Penal e da Lei das Contravenções em matéria de fraude, trapaça e quaisquer outras formas de estelionato que seus advogados consigam descrever como atividade religiosa; não podem ser investigados ou processados por enganar o público, pois são protegidos pela liberdade de culto. São o joio no meio do trigo, e há tanto joio nas igrejas evangélicas que fica difícil, muitas vezes, achar o trigo.
Ninguém realmente sabe o que fazer de prático a respeito disso. É possível separar religião de vigarice? Possível, é — pensando bem, é perfeitamente possível. O impossível é escrever leis que resolvam o problema de maneira eficaz, racional e coerente com a democracia. Não se conhece nenhum regulamento capaz de distinguir donativos bons de donativos ruins — pois o foco da infecção está aí, no tráfego de dinheiro do bolso dos fiéis para o caixa das igrejas. Como proibir alguns e permitir outros, sem abrir uma discussão que vai durar até o dia do Juízo Final? Ao mesmo tempo, sabe-se quanto é inútil baixar decretos que obriguem as pessoas a ser espertas, da mesma forma que não dá para obrigá-las a ser felizes. O que fazer se o cidadão acredita que vai ficar rico, ou obter algum prodígio parecido, pagando o seu dízimo ao pastor? Os postes das cidades brasileiras também estão cobertos de cartazes com promessas de benefícios do tarô, dos búzios, da “amarração” garantida — isso para não falar da cura da calvície, do emagrecimento em sete dias e da eliminação de multas de trânsito. Na melhor das hipóteses, é propaganda 100% enganosa, mas fica assim mesmo — e talvez seja bom que fique, pois imagine-se o que acabaria saindo se nossos poderes públicos tentassem se meter nisso.
É um desapontamento, sem dúvida — e as cabeças corretas deste país ficam impacientes com a frustração de ver os cultos evangélicos crescendo, enquanto em Nova York e no resto do mundo bem-sucedido as pessoas vão a concertos de orquestras sinfônicas e não admitem a circulação de preconceitos. Não podem exigir que os evangélicos sejam proibidos de existir; secretamente, bem que gostariam que eles sumissem por conta própria, mas essa não é opção disponível na vida real. Fazer o quê? Propor, por exemplo, uma comissão de filósofos da OAB, CNBB e organizações de direitos humanos, nomeada pela Mesa do Senado Federal, para separar as religiões legítimas das ilegítimas? É duro, mas o fato é que, num momento em que apoiar a diversidade passou a ser a maior virtude que um cidadão pode ter, fica complicado sustentar que no caso dos evangélicos a diversidade não se aplica. Não há outro jeito. Se você defende a “arte incômoda”, digamos, tem de estar preparado para conviver com a “religião incômoda”. Em todo caso, para quem não gosta dessas realidades, é bom saber que os evangélicos, muito provavelmente, são um problema sem solução.
Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2017, edição nº2550