O discurso de que a Operação Lava Jato atravanca a retomada da economia no País, conjugado com a virtual queda de interesse das pessoas sobre o tema do enfrentamento à corrupção e a articulação crescente de políticos emparedados pelo escândalo para aprovar leis de salvaguarda aos investigados, colocaram os procuradores da força-tarefa, em Curitiba, na defensiva.
“Estão tentando um esvaziamento lento e gradual da operação, mas a Lava Jato tem força própria.”
A opinião do mais antigo dos procuradores da força-tarefa, que investiga a corrupção na Petrobrás, Carlos Fernando dos Santos Lima, é fruto de tensão ímpar que tomou o QG da Lava Jato, no sétimo e oitavo andares do Edifício Patriarca, região central de Curitiba, nesse início de 2017.
Às vésperas de completar 3 anos de investigação, a força-tarefa da Lava Jato está entrincheirada, à espreita do mais pesado bombardeio a enfrentar – fruto da reação de políticos com o avanço dos processos, no Supremo Tribunal Federal (STF), e do “tsunami” que representará a delação premiada da Odebrecht.
Dos três fatores que representam um risco para a Lava Jato, na avaliação de integrantes da força-tarefa, a narrativa propalada para a opinião pública, de abusos jurídicos e de que a operação é a responsável pela crise econômica do Brasil, é o que mais preocupa.
“O sistema político disfuncional atrapalha a economia, não a Operação Lava Jato.”
Aos 52 anos e prestes a se aposentar, o tom efusivo e as bochechas avermelhadas são os sinais mais aparentes da preocupação que aflige a equipe diante desse “inimigo oculto”.
Formada por 13 procuradores da República, que atuam exclusivamente no caso, a avaliação comum entre membros da força-tarefa é que a “corrupção enfraquece o potencial competitivo da indústria nacional” e, por isso, precisa ser atacado – mesmo que gere um período de efeitos negativos na economia.
“Precisamos resolver isso. É possível manter um bom desempenho econômico por um, dois, cinco anos por conta de commodities, boom no exterior, entrada de dólares. Mas basta uma queda, e o sistema político disfuncional vai se revelar e desestabilizar a situação.”
Para o procurador, o “sistema disfuncional” é o que usa a corrupção como forma de financiamento político e eleitoral, num ciclo em que empresas abastecem esse caixa paralelo em troca de negócios com os governos.
“Mantida a situação atual, de corrupção e deturpação do regime democrático, outras crises econômicas virão.”
Risco. Não é a primeira vez que a Lava Jato se vê sob ataques. Acusações de que o caso Petrobrás se sustenta em prisões abusivas, investigações ilegais e que exista um fundo político partidário nas apurações, são algumas das críticas recorrentes.
Foi assim em novembro de 2014 – ano inaugural do escândalo -, quando foram levados para a cadeia os primeiros empreiteiros, em junho de 2015, quando o dono da maior empreiteira do País, Marcelo Bahia Odebrecht, foi preso, ou mesmo em março de 2016, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi levado coercitivamente para depor.
O que diferencia a atual contraofensiva, na avaliação dos investigadores, é que a narrativa que atrela a crise econômica ao trabalho da Lava Jato dá maior força a articulação de parlamentares e políticos investigados.
Associada ao menor interesse das pessoas no caso, com a longevidade do escândalo e a redução das operações ostensivas, com prisões e buscas policiais, e à mudança de discurso de setores que apoiaram as investigações até a destituição da ex-presidente Dilma Rousseff, essa nova ofensiva pode representar o primeiro grande revés.
Em três anos, a operação deflagrada em 17 de março de 2014, por uma força-tarefa do Ministério Público, Polícia e Receita Federais, formada em Curitiba, levou para a cadeia 188 pessoas, entre elas importantes nomes do governo e também proeminentes empresários.
Hoje, nas celas da Lava Jato, estão detidos os ex-ministros Antonio Palocci e José Dirceu, os ex-deputados Eduardo Cunha e André Vargas e o presidente afastado da maior empreiteira do País, Marcelo Odebreht.
Mudança. Com 38 fases deflagradas e premiada internacionalmente – na entrada do QG há um altar com as tabuletas de honraria – , a Lava Jato em Curitiba entra em uma nova fase, em que as grandes operações de buscas e prisões serão reduzidas, afirmam Carlos Fernando e o procurador da República Deltan Dallagnol.
Coordenadores da força-tarefa, os procuradores defendem que a sociedade continua a ser o principal “escudo” contra a ofensiva de políticos e demais setores, que tentam minar o avanço das investigações.
“É um risco que o interesse comece a cansar as pessoas”, avalia Dallagnol.
Para os investigadores, a “Lava Jato, por si, não é capaz de resolver o problema”. “Mas ela criou a condição para que se comece a alterar esse sistema político disfuncional e corrupto”, diz Carlos Fernando.