segunda-feira, 17 de novembro de 2014

A crise de energia - o que fazer?


JOSÉ GOLDEMBERG - O ESTADO DE S.PAULO
17 Novembro 2014 | 02h 03

A reeleição da presidente da República para mais um período de quatro anos torna urgente uma reanálise das políticas de energia adotadas no País nas últimas décadas, e particularmente desde 2004, que nos levaram a uma crise sem precedentes no setor, parte da qual se deve ao clima adverso (falta de chuva) e parte, a um planejamento falho.
Há duas maneiras de olhar para os problemas de energia: pelo lado da oferta e pelo lado do consumo. No Brasil, a ênfase tem sido dada apenas ao aumento da oferta, no qual a adoção de políticas equivocadas é evidente.
Até recentemente, o aumento da oferta de energia elétrica foi feito construindo usinas hidrelétricas, já que o Brasil é um dos poucos países do mundo onde isso ainda pode ser feito. Na Europa e nos Estados Unidos, por exemplo, há muitos anos o potencial hidrelétrico foi esgotado.
O Brasil tem um potencial de geração hidrelétrica de cerca de 250 milhões de quilowatts, dos quais um terço já está sendo utilizado. A capacidade instalada tem crescido cerca de 4 milhões de quilowatts por ano. Do ponto de vista técnico, é possível dobrar o potencial utilizado. O problema é que essa expansão deverá ocorrer na Região Amazônica, o que provoca conflitos de natureza social e ambiental.
Poder-se-ia argumentar que mesmo quando os impactos são significativos, como ocorre, por exemplo, na Usina Hidrelétrica de Belo Monte, é preciso comparar os custos ambientais e sociais decorrentes do empreendimento com os benefícios de sua instalação, que em geral são muito maiores. Na prática, as controvérsias levantadas atrasaram significativamente as obras na Região Amazônica e o governo nunca as enfrentou com determinação.
Aliás, a prática de construir usinas com reservatórios pequenos ou sem reservatórios desde 1990 contribuiu muito para a crise atual. Para agravar a situação, o governo encorajou, a partir de 2012, o consumo de eletricidade com incentivos para a compra de eletrodomésticos e com a redução demagógica das tarifas de energia numa ocasião em que já eram evidentes os problemas causados pela crise hidrológica.
A estratégia a seguir seria tentar reduzir o consumo com medidas de racionalização e economia do consumo, que o governo se recusou a adotar, insistindo na expansão do sistema. Isso foi feito ativando as usinas térmicas, usando gás natural, derivados de petróleo e até carvão, cuja eletricidade é três a quatro vezes mais cara do que a energia hidrelétrica, além de altamente poluente. O custo dessa opção vai acabar custando mais de R$ 60 bilhões aos consumidores, além de "carbonizar" a matriz energética brasileira.
O governo até que tentou diversificar as fontes de geração por meio dos leilões a partir de 2004, mas de uma maneira canhestra: todas as fontes de energia foram tratadas como se fossem iguais - energia hidrelétrica, eólica, de biomassa, solar e outras cujo custo de produção é diferente. É como se alguém fosse ao supermercado e tentasse comprar um quilo de frutas. Ora, não se vende frutas por quilo como se todas fossem iguais: o que se faz é compor um "cesto de frutas" e de custos diferentes - correspondentemente, um "cesto de energias" de custos diferentes.
O sistema de leilões adotado em 2004 tinha, portanto, um defeito genético: a "modicidade tarifária". Oferecer um preço final baixo ao consumidor tornou-se ideia fixa do governo - provavelmente por motivos ideológicos -, que deixou de lado considerações de caráter técnico e econômico que acabaram se impondo.
Só em 2014 é que os leilões passaram a ser diferenciados por fonte, encorajando o uso de energias renováveis. A partir de agora as renováveis estão começando a contribuir significativamente para a produção de energia, mas dez anos foram perdidos!
Quando se olha o problema energético pelo lado do consumo, é preciso lembrar que a racionalização do uso de energia poderia também desempenhar um papel importante.
Um terço da energia no Brasil é consumido em transporte, uma vez que o tráfego rodoviário (automóveis e caminhões) domina inteiramente esse setor no País. Todos os países com extensão territorial parecida com a do Brasil, como Estados Unidos, China, Rússia e Índia, mantiveram a opção ferroviária, apesar da expansão do tráfego rodoviário que caracterizou a segunda metade do século 20.
Além disso, a eficiência dos veículos automotores no Brasil é, de modo geral, 30% inferior à dos similares no exterior. O mesmo se verifica com geladeiras, que consomem mais eletricidade do que os modelos fabricados no exterior, bem como com fogões a gás e outros utensílios domésticos, que também têm desempenho ineficiente.
O que se impõe aqui é introduzir equipamentos e modelos mais eficientes, retirando do mercado - ao longo do tempo - os menos eficientes. Isso pode ser feito por meio de normas, leis e regulamentos que gradualmente exijam padrões de desempenho melhores. Tais procedimentos foram introduzidos em 1980 na Califórnia, hoje o Estado com melhores índices de eficiência energética nos Estados Unidos. O consumo per capita de eletricidade na Califórnia é cerca de metade do consumo da média americana.
No Brasil, a Lei n.º 10.295, de 2002, permite fazer o mesmo que foi feito na Califórnia, mas até hoje a adoção de padrões tem sido, em geral, voluntária. A introdução de padrões mandatórios pode ser gradual e não necessita de recursos orçamentários (como é o caso da construção de hidrelétricas ou ferrovias).
O sucesso obtido na Califórnia e em muitos países da Europa mostra que o crescimento econômico não é incompatível com o uso racional de energia.
*José Goldemberg é professor emérito da Universidade de São Paulo (USP). Foi secretário de Ciência e Tecnologia da Presidência da República 

domingo, 16 de novembro de 2014

Controle da mídia - SACHA CALMON


CORREIO BRAZILIENSE - 16/11


Após a reunião da Executiva Nacional do PT apregoando, entre outras medidas liberticidas, o controle da mídia, Dilma as rejeitou parcialmente, dizendo-se presidente do Brasil e não do PT. E que jamais aceitará o controle do "conteúdo jornalístico", no que andou bem.

Mas que tipo de controle aceitará? O da autonomia privada dos proprietários de jornais, rádios, tevês, periódicos, sites, blogs e portais da internet? Dilma disse querer evitar "monopólios" e "oligopólios" jornalísticos. São técnicas com as quais o execrável Chávez e a não menos repugnante Cristina Kirchner acabaram com a liberdade de imprensa na Venezuela e arruinaram o Grupo Clarín, na Argentina. Consiste em dizer quem pode e como se pode fazer jornalismo. A nação democrática espera uma definição clara da presidente sobre o assunto.

De início, cabe observar, e fazer ver à presidente, a inexistência no Brasil de oligopólios jornalísticos, quer se trate de mídia escrita, falada ou televisiva. Temos seis redes nacionais de tevê (Globo, Record, Band, Rede TV!, SBT e a do governo). Vir a Globo, a maior e mais competente, destacar-se em audiência é uma questão de mercado. Os jornais são, por excelência, locais. Todas as 27 capitais dos estados da República possuem seus jornais, assim como a maioria das cidades entre 100 mil e 1 milhão de habitantes. Serem O Globo, a Folha, o Estadão, o Correio Braziliense capazes de circulação nacional é questão de competência e de mercado (sempre estão juntos).

Em tema de radiofonia, a pulverização é enorme, imensurável. Existir uma CBN ou Band com audição nacional implica, novamente, falar em competência e mercado. Quanto ao universo das revistas, elas existem aos montes, sobre todos os assuntos. A Veja e a Época são lidas porque sabem fazer jornalismo semanal. A ser assim, Dilma não tem com que se escarmentar, mas ela referiu-se, de passagem, às regulações americana e inglesa. Ora, nessas democracias as regulações visam a proteger os particulares e não os governos. São regras para evitar calúnias e métodos invasivos, que os meios de comunicação brasileiros observam, com base na Constituição e nas leis, muito mais que os tabloides ingleses sensacionalistas.

Reza a Carta Magna no capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais no art. 5º: "IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença". São cláusulas pétreas, dona Dilma!

O que se não pode é impedir os brasileiros de falar, relatar, expor e comentar fatos verdadeiros e os malfeitos do governo e dos políticos, justamente o que incomoda partidos totalitários e governos corruptos, tanto que a Constituição reza (art. 5º, XIV): "É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional". Não se compreende, dessarte, e nisso V. Senhoria tem razão, essa obsessão do PT de calar a imprensa livre do Brasil.

Não que eu esteja satisfeito. Acho que os governos no Brasil concedem rádios à mancheia aos seus correligionários e financiadores. É demasia anacrônica e autoritária o "poder" que a União tem de outorgar ou não aos particulares o direito de ter rádios e tevês. O controle democrático da mídia, no mundo democrático, vai em sentido oposto ao do PT. A uma, tirar da União o poder de conceder rádios e tevês e até o de cassá-los. A duas, proibir que os políticos sejam donos de quaisquer veículos de comunicação. Isso sim é devolver à sociedade o controle da mídia. Ela lê, ouve e vê o que quiser. E quem quiser que se estabeleça no mercado sem submeter-se aos humores do governo, prática somente compatível com a ditadura. A três, que o poder competente para interpretar a Constituição e as leis obrigue o Executivo a não gastar o dinheiro dos tributos em propagandas de suas supostas realizações. Os governos têm seus jornais oficiais e o federal, até televisão. Os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade (art 37da CF) obstam o uso de verbas de publicidade distinguindo entre órgãos de divulgação, e gastar dinheiro de imposto em propagandas pessoais de governantes.

Quem precisa de controle é o governo, não a mídia. A militância blogueira petista, tal qual a nazifascista, é instruída pelo departamento de propaganda do PT a propagar notícias falsas ou falseadas. Há dias acusaram Aécio de "usar" o Senado para fazer oposição. Ora, é o lugar próprio, o parlamento nacional. Errado é a presidente usar a Presidência para fazer políticas partidárias em época de eleição. Sua missão é governar.

Cansada da guerra - DORA KRAMER


O ESTADÃO - 16/11


A senadora, ex-ministra e ainda petista Marta Suplicy ainda não sabe qual será seu próximo passo, mas hoje examina três hipóteses: disputar a legenda do PT com Fernando Haddad para concorrer à Prefeitura de São Paulo em 2016, sair do partido ou ficar no Senado aguardando a eleição para o governo do Estado em 2018.

Caso resolva mudar de endereço, há vários em vista: PMDB, PR, Rede. "De qualquer modo, é uma decisão que não preciso tomar de imediato. Pode ser daqui a um ano ou nos próximos meses", diz ela.

A aflição deixou para trás na terça-feira passada, quando mandou protocolar na Casa Civil sua carta de demissão que vinha tentando entregar à presidente Dilma Rousseff desde dois dias depois de encerrada a eleição.

Marta chegou a ir ao Palácio da Alvorada, mas Dilma não a recebeu alegando cansaço. Falaram por telefone. Uma conversa difícil, em que a então ministra expôs as razões da saída, entre as quais boicotes na administração e atitudes de desdém no campo político; a presidente reagiu, disse que ela estava com mania de perseguição. Marcaram reunião para dali a uma semana, no Palácio do Planalto.

Durante uma hora e meia expôs todas as suas contrariedades, tentou entregar a carta, Dilma mais ouviu do que falou, mas não pegou o pedido de demissão. Sugeriu que Marta saísse em dezembro e, diante da negativa, pediu que ela esperasse até a volta da viagem à Austrália, dia 18. Pediu sigilo.

Tudo acertado, dois dias depois dessa conversa, Marta viu divulgada a notícia de que o ministro Aloizio Mercadante estava pedindo as cartas de demissões de todos os ministros para o dia 18. Nessa hora sentiu-se liberada de qualquer compromisso e antecipou a demissão que já estava decidida desde meados do ano.

A razão? "A maneira estreita e autoritária como Dilma, Mercadante e Rui (Falcão) conduzem o governo e o PT. Eles não ouvem ninguém, não reconhecem os erros e levam o partido ao isolamento."

Por que ficou tanto tempo? "Porque sou uma militante que engoliu todos os sapos que me forçaram a engolir mesmo sendo passada para trás." Marta se refere às ocasiões em que foi preterida como candidata do partido das eleições de 2006, 2012 e 2014, além do risco que correu na eleição do Senado quando o PT apoiou sorrateiramente o nome de Netinho de Paula, do PC do B.

Por essas e várias outras é que pensa mesmo em sair do partido. Tudo vai depender, segundo ela, do rumo que as coisas vão tomar daqui em diante. "É como eu disse na carta, se houver mudança, novos compromissos, recuperação de credibilidade, muito bem, mas se ficar tudo do mesmo jeito, não há outro caminho."

Marta tem certeza que a avaliação dela encontra eco na base do PT. "A militância está vendo o desmando, o partido que era da inclusão interrompeu sua ligação com a classe média, com a juventude e, além disso, não entendeu que o povo brasileiro votou pela manutenção das conquistas sociais e também pela mudança na economia."

Mapa da mina. Como se vê, o menor dos problemas com a corrupção na Petrobrás era a repercussão eleitoral. Fica evidente o tamanho do sol que a presidente Dilma Rousseff pretendeu tapar com a peneira quando quis tirar o corpo fora no caso da refinaria de Pasadena, dizendo que aprovara o negócio com base em relatórios técnica e juridicamente incompletos.

As prisões de sexta-feira feitas pela Polícia Federal já demonstram que os delatores forneceram à Justiça provas consistentes. Depois de ex-diretores da Petrobrás e executivos de empreiteiras, serão alcançados os políticos, fechando-se as pontas do esquema.

Fica, assim, diminuto o espaço para o governo continuar a negar desconhecimento total dos fatos. A menos que considere adequado dizer ao mundo que o Brasil é dirigido por gente que se deixa ludibriar por bandidos com a grande facilidade.