terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

No Pinheirinho, o Brasil das trevas


Sociedade


Wálter Maierovitch

Reintegração precipitada

28.01.2012 17:05

No Pinheirinho, o Brasil das trevas


Moradores do Pinheirinho sentiram a mão pesada da polícia paulista. Foto: Reuters/Latinstock
Uma pergunta perturbadora. Pode ser considerado civilizado um país cuja Justiça determina, sem qualquer motivo de urgência e com emprego de tropa de choque da Polícia Militar, a expulsão violenta dos seus lares de 1,5 mil famílias pobres, com apreensão de todos os seus pertences e uso da tática militar da surpresa e a agravante de não lhes ser ofertado um teto substitutivo de abrigo?
A resposta, por evidente, é negativa. Com efeito, o fato aconteceu no domingo 22, por força de mandado judicial expedido nos autos de uma ação de reintegração de posse em Pinheirinho, na cidade paulista de São José dos Campos, uma área com 1,3 milhão de metros quadrados e cerca de 6 mil moradores, todos sem títulos de propriedade e cuja ocupação daquele espaço remonta a 2004.
A decisão de reintegração foi da juíza da 6ª Vara da Comarca que, num Brasil com direito de matriz romana, se esqueceu de uma velha lição da lavra do jurista e político Giuvenzius Celso Figlio e encartada no Digesto: Jus est ars boni et aequis (o Direito é a arte do bom e do equitativo).
Fora isso, a decisão foi precipitada. Os canais conciliatórios estavam abertos e soluções alternativas justas poderiam ser alcançadas, como, por exemplo, a desapropriação por utilidade social. No particular, havia, além de um protocolo de intenções a tramitar no Ministério das Cidades, um acordo de adiamento da reintegração com prazo de vigência em curso.
Mais ainda, no âmbito jurisdicional existia um conflito de competência entre a Justiça estadual, que determinara a reintegração, e a federal, com liminar a suspender a desocupação. Esse conflito só foi resolvido, em sede liminar, pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e quando a tropa de choque da PM, com bombas e projéteis de borracha, já desalojara mais de 2 mil moradores, com muitas mães, como mostraram as fotografias dos jornais, a carregar os seus pequenos filhos. Esse conflito de jurisdição poderia ter sido motivador, pela Justiça paulista, de adiamento da reintegração. Por parte de Ari Pargendler, poderia esse presidente do STJ usar a sua conhecida arte amistosa de fazer lobby, demonstrada na tentativa de obter uma vaga de ministra para a cunhada, para suspender a reintegração e encaminhar a questão a exame colegiado do STJ. Não se deve olvidar, ainda, que um representante da presidenta Dilma Rousseff estava no Pinheirinho e procurava encontrar soluções definitivas. Em vez de um acordo, o representante federal experimentou lesões provocadas por balas de borracha disparadas pela PM.
Numa ação de reintegração de posse de área grande e com muitos ocupantes, a regra básica a orientar o juiz do processo é buscar, à exaustão, conciliações e evitar medidas traumáticas. A reintegração coercitiva só deve ocorrer excepcionalmente e não era o caso da executada no Pinheirinho. Essa grande e valiosa gleba-bairro, com casas de alvenaria, barracos, comércio e até biblioteca municipal, está registrada como de propriedade da Selecta Comércio e Indústria S.A. No momento, o Pinheirinho integra o acervo ativo da massa falida da empresa, cujo processo de falência se arrasta sem solução por mais de dez anos.
A Selecta era uma holding controlada pelo megaespeculador Naji Nahas, que já quase quebrou a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e acabou indiciado, e preso cautelarmente, na Operação Satiagraha. Essa operação, frise-se, restou anulada em 2011 pelo STJ, sob o leguleio tabaréu de vedada participação, ainda que meramente burocrática e em apoio à repressão à criminalidade organizada por poderosos e potentes, de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), lotados juntos ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.
Nahas nunca foi condenado criminalmente pela Justiça e beneficiou-se do efeito ampliativo da liminar de soltura concedida pelo ministro Gilmar Mendes em favor do banqueiro Daniel Dantas. Na falência da Selecta não há notícia de crime falimentar e, no Brasil, esses delitos são quase sempre alcançados pela prescrição.
Numa falência, como estabelece a legislação, há previsão para devolução, pagos os credores, de sobras aos sócios e acionistas da empresa falida. Não se descarta isso, com a grande valorização do Pinheirinho. E não é incomum, quando a massa falida possui propriedades em valorização, antigos sócios, por laranjas, comprarem créditos, negociados barato em face da tramitação demorada da falência.
O caso do Pinheirinho, pela iniquidade, faz lembrar Pierre Joseph Proudhon, célebre filósofo e revolucionário. Em 1840, ele publicou o seu primeiro ensaio político-econômico com uma pergunta na capa da obra: “O que é a propriedade?” Para Proudhon, ícone dos socialistas e contrário ao marxismo, “a propriedade é liberdade” e passa a ser condenável quando se torna “poder do homem sobre o homem”. Aí, ele conclui: “A propriedade é um furto”.

A sangria na política monetária



Coluna Econômica - 06/02/2012
Vamos ampliar um pouco mais a discussão sobre a relação Selic-PIB, retomando o tema da última coluna.
A maneira como a Selic impacta a economia lembra muito o uso de sanguessugas para o uso da sangria no tratamento de saúde. Se contasse para um médico como a Selic atua sobre a economia, haveria denúncia ao Conselho Federal.
A idéia central de uma política monetária é atuar sobre o nível de atividade. Se a economia está aquecida, há risco de aumento de preços. Aumentam-se os juros para reduzir a atividade e, com isso, aliviar a pressão sobre preços. E vice-versa. Se a economia está desaquecida derrubam-se os juros para estimular a atividade econômica.
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Na prática, ocorreo seguinte.
O Banco Central aumenta a Selic:
1. O efeito sobre o canal de crédito é mínimo. Um comentarista do Blog (www.luisnassif.com.br) comentou que a cada aumento da Selic seu banco aumenta as taxas de juros.
Experimente calcular o efeito sobre o valor final da prestação. Dado o elevadíssimo nível de juros do crédito, variações da Selic são inexpressivas.
Por exemplo, um bem de R$ 1.000,00, por 36 meses a taxa de 3% ao mês (42,6% ao ano) resultará em uma prestação de R$ 45,80. Um aumento de 1 ponto na Selic (que provoca comoção nacional), se repassado para o financiamento, resultará em uma prestação de R$ 46,21. Um aumento de 3 pontos na Selic anual resultará em uma prestação de R$ 47,03. Pergunto: impactará a decisão de compra do consumidor? Evidente que não. Portanto, o efeito do canal de crédito é inexpressivo.
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2. Decisão de investimento privado.
Suponha um investimento de R$ 1 milhão, com uma taxa anual de retorno de 10% e um prazo de 10 anos para amortização. O fluxo de caixa terá que ser de R$ 162,7 mil por ano para amortizar o investimento em 10 anos (sem considerar o valor residual).
Se a taxa de retorno exigida aumentar 3 pontos, o prazo de retorno aumentará para 14 anos. É evidente que ocorre um corte em todos os investimentos que proporcionem um retorno inferior.
É uma lógica maluca. A política monetária atua sobre a demanda visando corrigir o descompasso com a oferta. No entanto, a maneira que tem de atuar sobre a demanda agregada é inibir o aumento da oferta - isto é os investimentos. Só um país da jabuticaba para aceitar essa lógica.
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3. Um terceiro efeito é sobre o câmbio. Aumenta a Selic, atrai mais capital especulativo, que pressiona o câmbio tornando mais baratos os chamados produtos exportáveis - os importados e aqueles controlados por cotações internacionais. É o uso da sangria no tratamento médico. Interfere-se em um preço fundamental da economia, com implicação direta sobre as contas externas e sobre a competitividade, para atingir o objetivo de controlar a inflação. Mesmo assim, hoje em dia o efeito é pequeno.
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4. Reduz investimentos públicos.
Esse é o ponto mais nefasto da operação sanguessuga.
Aumenta a Selic. Há uma pressão adicional sobre as contas públicas e sobre a relação dívida/PIB. Para contrabalançar, exige-se um aumento do superávit primário. Cortam-se investimentos públicos e, com isso, reduz-se a demanda agregada.
Depois, alega-se que o país não pode crescer (e tome juros altos para segurar o crescimento) porque não tem infraestrutura adequada.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Cidades partidas



Para urbanista, desabamentos no Rio alertam para os sinais de exaustão das estruturas de nossas metrópoles

05 de fevereiro de 2012 | 3h 52
Ivan Marsiglia
Se a causa foi a famigerada reforma no 9º andar, as inclinações registradas durante as obras do metrô nos anos 70, os três pavimentos extras malandramente incorporados ao projeto original ou o fato de o prédio ter sido construído sobre um terreno alagadiço, cabe aos responsáveis pela investigação esclarecer. Entretanto, há outra reflexão a fazer diante da tragédia do Edifício Liberdade, que desabou no último dia 25, arrastando outros dois prédios no centro do Rio de Janeiro.
Problemas pedem planejamento sistemático e mudança de mentalidade - Fabio Motta/AE
Fabio Motta/AE
Problemas pedem planejamento sistemático e mudança de mentalidade
Um especialista nas entranhas de nossas grandes cidades vê no incidente o sintoma de um problema mais amplo e perturbador: a exaustão das estruturas e infraestruturas das metrópoles brasileiras. Para o arquiteto gaúcho Vinicius M. Netto, professor adjunto do Departamento de Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), há um problema sistêmico por trás das imagens de engarrafamentos, casas descendo morros, bueiros voadores e bondes desgovernados que vemos nos noticiários do País.
“Temos dificuldade em entender os problemas de nossas cidades, planejar estrategicamente as ações e mobilizar técnicos em número e preparo suficientes para executá-las”, diz o pesquisador, que concluiu seu doutorado na University College London (UCL) sob a orientação de Bill Hillier, um dos mais influentes urbanistas contemporâneos, e conviveu com expoentes como David Harvey e Anthony Giddens.
Na entrevista a seguir, Netto - que, de volta da Inglaterra, escolheu o Rio “pela vitalidade encantadora de suas ruas” - alerta para a degradação que afeta indiscriminadamente todas as capitais do País. “Estamos produzindo cidades cada vez menos sustentáveis, baseadas em uma urbanização rarefeita, na forma de condomínios e edifícios fechados à convivência pública.” E chama a atenção para as oportunidades e riscos que eventos como a Copa do Mundo e a Olimpíada trazem para uma necessária mudança na mentalidade brasileira em relação ao tema.
Que lições devemos tirar da tragédia?
Precisamos colocar o problema em perspectiva, como parte de um contexto. O desabamento do edifício como problema estrutural é tema para especialistas em engenharia, mas está provavelmente associado a uma série de outros fatores, como modificações acumuladas no tempo sem avaliação precisa de consequências possíveis e sem controle técnico desses procedimentos. Esses fatores nos permitem relacionar esse grave incidente com outros no histórico recente da cidade. O Rio está mostrando sinais de exaustão de suas estruturas e infraestruturas: casas descendo morro abaixo, bueiros explodindo evidenciando redes de gás em ponto crítico, bondes com falta de segurança ao longo de suas linhas. São sinais claros de uma precariedade que atravessa instâncias bastante diversas. Isso nos faz supor que ela se inicia na forma de lidar com essas infraestruturas, sem um modo sistemático de reconhecer problemas e antecipar danos que podem vir a ocorrer. A tragédia nos lembra que riscos existem e que monitoramento, manutenção e planejamento devem ser constantes.
Não há manutenção sistemática nas cidades brasileiras?
Nossa cultura tem sido a oposta: esperamos que os problemas não aconteçam ou que se resolvam por si só. Temos dificuldade em pensar e agir de modo sistêmico: entendendo que as partes da cidade se afetam entre si. Um exemplo: construímos viadutos e elevados que terão em seguida impactos negativos sobre comércios e serviços no entorno imediato, criando áreas inseguras, impactando o valor de imóveis e a atividade microeconômica nesses espaços - por décadas. Resolvemos momentaneamente o problema do tráfego, mas ao não olhar o problema sistemicamente, contemplando outras variáveis, criamos problemas para outros componentes da cidade.
A hipótese inicial, de que uma reforma no 9º andar possa ter abalado a estrutura do Edifício Liberdade perdeu força diante da descoberta de que a planta original, de 1938, previa nele três andares a menos. Os problemas de fiscalização e manutenção no Rio são antigos?
Há dificuldades em se lidar com a complexidade de uma cidade: elas são parte baseadas em rotinas, parte em imprevisibilidades. Por isso, planejar e preparar estruturas e infraestruturas é tão importante: elas dão resiliência às cidades. O cenário hoje é de dificuldade para se entender os problemas e suas ramificações, e ao entendê-los, planejar estrategicamente, com senso de todo. Mesmo quando se sabe o que fazer, surgem problemas de execução, sobretudo em municípios de menor porte onde não há técnicos em número e preparo suficientes.
Que outros sinais de exaustão das estruturas são visíveis em nossas cidades?
Lembremos que sequer fizemos o básico: há cidades inteiras no País sem boas redes de esgoto. Como vamos tratar esses resíduos e reduzir impactos ambientais? O Brasil é um país fortemente urbano: enquanto a população do mundo só se tornou majoritariamente urbana em 2010, ultrapassamos essa linha ainda em 1965. Hoje, cerca de 85% da população brasileira vive em cidades. Só que os níveis de infraestrutura em muitas delas é semelhante ao de nações africanas pouco urbanizadas. Precisamos reverter essa desatenção histórica. O caso do trânsito é exemplar. Apoiamos nossa mobilidade em uma forma de transporte pouco eficiente: o automóvel. E ainda não investimos suficientemente em sistemas de transporte de massa. Buenos Aires construiu sua rede de metrô no início do século 20, enquanto nossas maiores cidades mal contam com duas ou três linhas. Além disso, não há no País controle efetivo da expansão urbana. A expansão sem fim das metrópoles, envolvendo baixíssima densidade e loteamentos sem provisão de infraestrutura, dificulta ainda mais a cobertura do transporte de massa, pois demanda mais e mais extensão de linhas. Nossos sistemas viários são como colchas de retalho, sem continuidade interna. São fatores que vão transformando nossa mobilidade em um pesadelo logístico cotidiano.
A divisão de atribuições entre prefeituras e governos estaduais é parte do problema?
Creio que o problema não está na definição das atribuições de cada instância, mas na coordenação entre elas a partir de um projeto conjunto. Atuar em cooperação, como em um time, não em ações pontuais. Há também uma questão cultural, eu diria. Culturas como a alemã mantém forte senso de individualidade, mas racionalidade suficiente para ver que o bem individual depende de ações cooperadas. O caso japonês é outro exemplo. Percebo, infelizmente, certa permissividade em nosso modo de agir. Uma cultura do deixar para se preocupar depois, de achar que as coisas vão se ajeitar por si sós. Elas nunca vão: cidades são construções que demandam cuidado.
O que pode ser feito para reduzir a precariedade das construções no Brasil?
Precisamos de reforço técnico e programas de capacitação em escala nacional. Nossas graduações em arquitetura e urbanismo não constroem planejadores: há necessidade de formação específica em função da complexidade das cidades e das decisões envolvidas. Outro problema é a cisão entre a esfera técnica do planejamento, nas prefeituras, e estudos na academia. Técnicos e academia afastam-se mutuamente e quem perde é a sociedade. Finalmente, a população também tem papel importante: deve estar atenta a intervenções nos espaços urbanos e alertar o poder público sobre irregularidades. A preocupação com a cidade tem que fazer parte do cotidiano das pessoas.
Até a década de 40, era possível notar certa uniformidade no desenho urbano carioca. Hoje, o crescimento se dá de forma tão improvisada que começa a lembrar o de São Paulo. É uma impressão correta?
Sem dúvida. O Rio tem qualidades urbanas além da sua paisagem natural: partes dela, ainda visíveis, foram produzidas sob regras de desenho urbano e senso de conjunto. Não por acaso são apreciadas esteticamente. Planos diretores a partir dos anos 1940 tenderam a abrir mão desse valor em nome da busca por condições de ventilação - em tese garantidos por afastamentos entre edificações variáveis conforme a altura de cada edifício. Isso gerou uma fragmentação da forma urbana e induziu à descontinuidade das fachadas. Há no Brasil um descaso sobre a questão urbana de tal ordem que problemas tão sérios quanto a falta de infraestrutura, mas mais sutis que ela, nos passam batidos. Estamos produzindo cidades cada vez menos sustentáveis: uma urbanização rarefeita, na forma de condomínios e edifícios que se fecham para a rua. Essa forma de urbanização traz dificuldades ao pedestre, ao aumentar as distâncias na cidade e eliminar comércios e serviços de seus térreos, e erode a vida microeconômica e social de nossos bairros. Com ela, vai-se também a segurança de nossas ruas. Por medo ou status, nos encerramos atrás de muros e, com isso, contribuímos exatamente para o esvaziamento das ruas, o que aumenta a insegurança no espaço público.
O crescimento econômico dos últimos anos no País trouxe forte expansão da construção civil - com grandes projetos imobiliários e ampliações nas residências de classe média e baixa. O 'progresso' melhorou as edificações de nossas cidades?
Não. Essas construções têm reproduzido práticas bastante limitadas tecnologicamente. Estamos presos a uma forma de construir semelhante à dos anos 1920 e 1930, com a entrada do concreto armado no Brasil. E essa limitação independe de classe social ou dimensão do empreendimento. No caso das habitações em áreas precárias, o problema requer atenção urgente. Vemos favelas em grandes cidades se verticalizando em edificações de quatro ou cinco andares - pavimentos sobrepondo-se em estruturas que não foram construídas com condução técnica. Elas também podem entrar em colapso. A densidade, acompanhada de boa condição de habitação, tende a ser boa para as cidades: reduz deslocamentos, dá suporte ao pedestre, melhora o desempenho urbano. Mas é preciso inspecionar as construções para que se evitem novas tragédias. Já no caso da cidade formal, vemos um cenário de produção imobiliária escravizado por pesquisas de opinião - feitas com um público que não está habituado a pensar sobre o espaço arquitetônico e urbano, e em como ele pode fazer diferença na nossa forma de atuar como sociedade. O mercado está obcecado por um tipo de arquitetura segregada, fechada atrás de muros, aspirando à autossuficiência quando é dependente da cidade em torno para a maioria das atividades dos seus moradores. A Barra da Tijuca, no Rio, inóspita ao pedestre, é um ícone dessa tendência equivocada. Mas pequenas “barras” estão sendo construídas nas cidades Brasil afora, substituindo formas de edificar mais eficientes como suporte à vida urbana. Esse tipo insustentável de arquitetura tem sido prescrito em planos diretores mesmo em municípios pequenos.
A Copa do Mundo em várias capitais do País e os Jogos Olímpicos no Rio devem atenuar ou agravar esse quadro?
O alívio ou agravamento do quadro dependerá do modo como realizarmos essas intervenções. E do uso das novas demandas para resolver velhos problemas de nossas cidades. Prever e nos prepararmos para esses eventos tem a ver com as dificuldades em nossa relação com a cidade. Note que todas essas questões são atravessadas por algo em comum: a dificuldade de pensarmos em conjunto, de forma sistêmica, conscientes de que nossas ações têm consequências nas estruturas e infraestruturas urbanas. Não apenas quanto aos impactos desses eventos, mas sobretudo quanto à continuidade das rotinas urbanas depois que eles acontecerem, temos muito a fazer para reduzir esses imensos déficits urbanos. É nossa mentalidade que precisa ser transformada imediatamente.