terça-feira, 26 de abril de 2011

O bônus demográfico do Brasil


24 de abril de 2011 | 0h 00
- O Estado de S.Paulo
Dadas as deficiências estruturais do Brasil, há quem considere discutível a opinião de James O"Neill, criador da sigla Bric, de que já nos desenvolvemos a ponto de não mais sermos classificados como "economia emergente". Uma coisa, porém, é certa: a nossa taxa de natalidade já é muito semelhante à dos países industrializados. Segundo a OCDE, a taxa de fertilidade da mulher brasileira é hoje de 1,8 filho, em média, índice bastante próximo ao dos países ricos (1,7 filho por mulher). Se o País souber aproveitá-lo, esse bônus demográfico deve permitir que a renda per capita do brasileiro aumente 2,5% ao ano entre 2010 e 2050, segundo as projeções dos especialistas. Na metade do século, haverá o problema de envelhecimento da maior parte da população, mas ao longo desta e das próximas décadas, a qualidade de vida dos cidadãos tende a melhorar e a sua capacidade produtiva, a aumentar, assim como seu nível de poupança, desde que o País seja capaz de tirar o atraso em áreas como educação e saúde.
É importante notar que o crescimento demográfico no Brasil diminuiu sem medidas coercitivas do governo, como as em vigor na China, onde a taxa de fertilidade caiu para 1,5 filho por mulher em razão de uma legislação draconiana, inaceitável nos países democráticos. Sem dúvida, a alta taxa de natalidade, característica dos países mais pobres, agrava os problemas sociais e, sob esse ponto de vista, o Brasil avançou muito em relação ao período de 1950/80, quando a população acusava uma taxa de crescimento de 2,8% por ano, em média. O mesmo não se pode dizer da Índia, cuja taxa de fecundidade ainda é de 2,7 filhos por mulher. No grupo dos Bric, o Brasil também está em situação mais favorável do que a Rússia, que registra uma taxa de natalidade negativa de 0,6, ou seja, muito abaixo do nível de reposição, tornando mais graves os problemas de envelhecimento da população.
Um conjunto de fatores contribuiu para a transição demográfica por que passa o Brasil. Com a crescente urbanização do País e a expansão da indústria e da área de serviços, um número cada vez maior de mulheres passou a trabalhar fora de casa, sendo incluídas na População Economicamente Ativa (PEA). Segundo estudo do demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, do IBGE, a taxa de atividade total das mulheres com mais de 10 anos subiu de 13,6% da PEA em 1950 para 26,9% em 1980 e 44,1% em 2000, estando atualmente em mais de 60%, com tendência a crescer. As contingências do trabalho e da vida urbana, bem como os novos métodos anticoncepcionais, contribuíram decisivamente para o declínio da taxa de fecundidade.
Ao lado disso, a taxa de dependência demográfica vem despencando. Em 1950-1980, cada 100 pessoas em idade produtiva tinham, em média, 82 dependentes. A projeção para 2010/2030 é de que o número de dependentes deve cair para 42 pessoas inativas (crianças e idosos) para cada 100 em atividade. Somente a partir de 2025, segundo o estudo, a taxa de dependência voltará a se elevar, diminuindo a proporção dos que trabalham em relação aos que já se aposentaram.
São nítidas as vantagens desse processo, que terá um impacto macroeconômico ainda mais pronunciado nas próximas quatro décadas, pois significa "maior capacidade de poupança, condição indispensável para a elevação dos investimentos necessários ao desenvolvimento", diz Alves.
Um trabalho dos professores Cássio Turra e Bernardo Queiroz, da UFMG, mencionado em estudo do Banco Mundial sobre o assunto, considera que o "primeiro dividendo" demográfico foi usufruído no período 1970/2010, tendo contribuído com 30% do crescimento econômico do País, embora tenha ficado aquém do que seria ideal. O "segundo dividendo" demográfico, que seria colhido entre 2020 e 2050, possibilitaria um acúmulo de capital associado à forma de trabalho mais madura, aumentando a produtividade do trabalho (Estado, 7/4).
Quer dizer, o Brasil tem aproveitado o bônus demográfico, mas menos do que poderia. Como o Banco Mundial sugere, o País terá de promover mudanças no mercado de trabalho e na Previdência Social para estimular sua poupança para investimentos. 


Brasil aumenta em 6,8% geração do lixo, mas coleta seletiva cresce só 1,6%


Crescimento da produção de resíduos sólidos é consequência do bom momento econômico e da elevação do poder aquisitivo da população, afirmam especialistas; dados do Panorama dos Resíduos Sólidos foram coletados com 350 municípios

26 de abril de 2011 | 0h 00

Andrea Vialli - O Estado de S.Paulo
A geração de lixo está em crescimento no Brasil, mas tanto a correta destinação desses resíduos quanto os programas de coleta seletiva não avançam na mesma proporção. Em 2010, o País produziu 195 mil toneladas de resíduos sólidos por dia, um aumento de 6,8% em relação a 2009, quando foram geradas 182.728 toneladas.
Paulo Liebert/AE
Paulo Liebert/AE
Inadequado. Deslizamento de lixo de um aterro em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, cobre trecho de uma rua no Jardim Lucinda, na periferia da cidade
Ao longo de 2010, o montante chegou a 60,8 milhões de toneladas de lixo. Dessas, 6,5 milhões de toneladas não foram coletadas e acabaram em rios, córregos e terrenos baldios. Do total de resíduos produzidos, 42,4%, ou 22,9 milhões de toneladas/ano, não receberam destinação adequada: foram para lixões ou aterros controlados (que não têm tratamento de gases e chorume).
Os programas de coleta seletiva também não avançaram na mesma medida: dos 5.565 municípios brasileiros, 3.205 possuem alguma iniciativa de coleta seletiva. Em 2009, eram 3.152 - uma alta de apenas 1,6%, aquém do crescimento da geração de resíduos.
Os dados fazem parte do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2010, levantamento anual realizado pela Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), entidade que reúne as empresas de coleta e destinação de resíduos. O estudo será divulgado hoje, em São Paulo, e tem como base informações prestadas por prefeituras de 350 municípios.
"Os dados mostram que o País está em uma trajetória ascendente na geração de resíduos, o que já havia sido verificado nos anos anteriores. No entanto, a destinação adequada não avança no mesmo ritmo", afirma Carlos Roberto Vieira da Silva Filho, diretor executivo da Abrelpe. Segundo ele, esse crescimento é um efeito colateral do bom momento econômico e da melhoria do poder aquisitivo dos brasileiros, que passaram a consumir mais produtos e mais embalagens.
"O fato de existirem 6,5 milhões de toneladas por ano de resíduos que sequer são coletados mostra que é preciso reforçar as políticas de gestão do lixo no Brasil", ressalta.
O estudo acrescenta que o padrão de geração de lixo no País já equivale à média dos países europeus - tendência que havia sido verificada no estudo anterior, de 2009. O brasileiro, em média, produz 1,213 kg de resíduos por dia. Na Região Sudeste, o montante chega a 1,298 kg por habitante/dia. O europeu produz, em média, 1,2 kg por dia, e o americano, 2,8 kg.
Lixões. Embora 61% dos municípios brasileiros ainda destinem os resíduos de forma inadequada, os lixões têm data marcada para serem eliminados. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), regulamentada em dezembro de 2010, prevê a extinção dos lixões até 2014.
Para Silvano Silvério Costa, secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, o prazo para adequação dos municípios é factível. "O Brasil precisa trabalhar para cumprir a lei. Se depender do governo federal, a PNRS será feita no prazo estipulado", diz.
Ainda segundo a Abrelpe, São Paulo é o Estado que mais avançou na gestão do lixo: é o que destina menos resíduos para lixões - 8,7%, ou 4.776 toneladas/dia. Desde 1997, o governo estadual vem implementando ações para interditar lixões e regularizar aterros, explica Maria Heloisa de Assumpção, engenheira da Cetesb, a agência ambiental paulista. "Em 1997, 77,8% dos municípios paulistas dispunham o lixo de forma inadequada. Hoje, são apenas 3,7%", diz.
PARA LEMBRAR
Lei de resíduos demorou a sair
O Projeto de Lei 1991/07, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, ficou parado no Congresso Nacional por 18 anos. A demora ocorreu por conta de uma série de emendas recebidas ao longo dos anos e da falta de consenso entre representantes dos setores público e privado. A aprovação do PL no Senado ocorreu em julho de 2010 e, em dezembro, ele foi regulamentado pelo então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. A lei agora está em fase de estruturação. 


segunda-feira, 25 de abril de 2011

A frustração do velho capitão: Brasil


Coluna Econômica - 25/04/2011 
Velho guerreiro da industrialização brasileira, Paulo Cunha, do grupo Ultra, está quase realizado. Nos últimos anos o Ultra tornou-se o terceiro grupo privado brasileiro em faturamento, atrás apenas da Vale e da JBS. A empresa profissionalizou-se totalmente. Nas ultimas semanas foi para o Novíssimo Mercado da Bolsa e transformou todas as ações em ordinárias - com direito a voto
Foi o processo final de uma promessa feita em 1980 para o fundador do grupo, Peri Igel, de não colocar em risco a empresa por questão de sucessão.
As três principais famílias acionistas - Cunha, Igel e Beltrão - chegaram a um consenso e toparam abrir mão das vantagens do controle, em favor da empresa.
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Nos últimos anos, Paulo Cunha adotou a estratégia mais adequada para a empresa, mas não a que gostaria de ter adotado se as condições econômicas fossem outras.
Defensor de um cambio competitivo, que permitisse o fortalecimento das indústrias no país, há tempos perdeu as esperanças. Julga que a marcha da insensatez conduzirá o país inapelavelmente para o populismo cambial. Então direcionou o grupo para a área de serviços. Adquiriu o grupo Ipiranga, reforçou a distribuição de gás e abriu mão dos planos de construir uma refinaria para óleo pesado, em parceria com a Petrobras.
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O grupo continua investindo em busca de qualidade, redução de custos e em pesquisas tecnológicas. Mantém um conselho com técnicos internacionais, em geral aposentados de grandes companhias globais, com conhecimento acumulado para indicar o rumo dos investimentos no setor.
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Mas Cunha acumula uma decepção. Acha que a maldição do câmbio baixo veio para ficar, matando as chances de uma industrialização autônoma brasileira.
Dia desses, em uma reunião com empresários, constataram desalentadas que o Brasil não possui mais sequer uma indústria de fundição – base para qualquer tentativa de fabricação de maquinário pesado.
O câmbio abaixo de R$ 1,60 está produzindo uma devastação terrível no perfil industrial, mais ainda que os desastres dos últimos 16 anos, diz ele.
Nas conversas com membros do governo tem tentado alertá-los de que esse processo gradativo de conter a queda do dólar, com poucos resultados, é infrutífero devido ao fator tempo. Quando Fazenda e BC conseguirem contornar as resistências do mercado e, de alguma maneira, tentarem desvalorizar o real, será tarde.
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O velho capitão continua indo diariamente ao trabalho. A profissionalização da empresa permitiu que cada filho seguisse seu caminho, sem a pressão da sucessão. Dia desses registrou sua carreira em longo depoimento no CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas. Falou da importância da mãe na sua formação, de seu início na Petrobras, da entrada no grupo Ultra.
Não sei se chegou a registrar a única frustração de uma vida profícua: a de ter apostado em um país que, mesmo com os avanços registrados nas últimas décadas, abdicou da industrialização e, com isso, da rota para consolidar seu papel de grande economia no mundo.
A alta da Selic – 1
Os descaminhos da política monetária brasileira são fáceis de demonstrar. A taxa Selic impacta dois clientes distintos. O primeiro, os demandantes de crédito em reais; o segundo, os investidores e captadores de ativos em dólares. No mundo dos reais, o custo do crédito oscila entre 40% a 200% ao ano; no mundo dos dólares, a 5%, 8% ao ano. Nas aplicações, o mundo do real remunera a 8 a 15% ao ano; o dos dólares a 2%.
A alta da Selic – 2
Qualquer mexida na Selic tem efeito ínfimo sobre o crédito e a demanda interna; e efeitos avassaladores sobre o fluxo de dólares. Suponha um bem de R$ 1.000,00, financiado por 24 meses a taxas de 4% ao mês. O valor da prestação será de R$ 65,59 mensais. Com mais 0,25% de custo de captação, esse valor subirá para R$ 65,73 mensais. Desestimulará algum financiamento? É evidente que não.
A alta da Selic - 3
Na outra ponta, 0,25% - mesmo em cima de uma maluquice de 12% ao ano – é um estímulo a mais para a entrada de dólares. Não apenas isso. Mesmo sendo menos do que o mercado fingiu que seria, é sinal de que o Banco Central não pretende deter a apreciação do real. É gasolina na fogueira da especulação com o real. Não altera em nada o crédito em reais mas influi na veia na entrada de dólares.
A alta da Selic - 4
Esta semana estive com um conhecido, grande investidor. Ele recebeu uma oferta do Credit Suisse para uma aplicação em dólares. Funciona assim: Se o dólar continuar caindo ele ganha até 23% ao ano. O que passar disso é ganho do Credit Suisse. Se o dólar se valorizar, o banco garante ao menos 6% de remuneração nominal para sua aplicação. Na conta dos vendedores do banco, a aposta é que o dólar chegue a R$ 1,32 este ano.
A alta de Selic - 5
O sujeito aplica US$ 1 milhão. Pelo dólar a R$ 1,56, converte em R$ 1.560.000,00. Aplica na Selic a 12,5%. Em um ano, o investimento sobe para R$ 1.755.000,00. Daqui um ano, se o dólar estiver de fato em R$ 1,32, ele converterá o saldo em US$ 1.329.545. O ganho será de 33% em um ano. Não se trata de mero exercício matemático. Trata-se do raciocínio que está embalando todo o mercado a manter a aposta na apreciação do real.
A alta da Selic - 6
O custo que o BC infringiu ao país com essa alta de 0,25 na Selic não é apenas o do impacto direto no custo da dívida. É a manutenção da fogueira acesa das apostas contra o câmbio, é a aceleração do desmonte das indústrias, o aumento do custo de ampliação das reservas cambiais. O governo Dilma tem ess consciência. O que impede medidas mais pro-ativas é o medo da desestabilização provocado pelo mercado.