quinta-feira, 2 de maio de 2024

Jornalismo e proteção ambiental: uma aliança implacável, FSP

 

Patricia Blanco

Presidente do Instituto Palavra Aberta

desinformação climática está em toda parte, ameaçando a nossa e as futuras gerações. Combatê-la não é tarefa fácil. Exige o fortalecimento e o estabelecimento de uma sólida e permanente parceria entre ciência, jornalismo e educação voltada à sustentabilidade com respeito aos direitos dos indivíduos e à diversidade de vozes.

Esse é o alerta que faz a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), ao liderar as atividades globais deste ano alusivas ao Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, comemorado nesta sexta-feira (3), com atividades dedicadas à importância do jornalismo e da liberdade de expressão no contexto da crise ambiental no planeta.

Nesta agenda, um ponto destacado pela Unesco é a garantia de segurança dos jornalistas e dos veículos de notícias independentes, plurais e de reconhecida credibilidade, sobretudo fora dos grandes centros. Segundo a Unesco, repórteres investigativos têm lançado luz sobre crimes ambientais, expondo corrupção e interesses poderosos, e por vezes pagando um preço caro por fazerem o seu trabalho.

Clareira aberta por desmatamento no meio da floresta amazônica
Para a Unesco, além de garantir a educação midiática, o entendimento da ciência e o acesso ao jornalismo pela população é primordial para a proteção ambiental - Raul Arboleda - 23.abr.24/AFP

No Brasil, é o que acontece no escrutínio das ilegalidades ocorridas na Amazônia, região vital para a sustentabilidade do planeta. O caso mais emblemático nesse sentido é, sem dúvida, o assassinato, em 2020, do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira, mortos de forma cruel na região em uma ação do crime organizado em represália à busca incansável dos dois por informações que denunciavam a caça e a pesca predatória, o tráfico de animais e o desmatamento e a mineração ilegais.

Não se trata, porém, de um ponto fora da curva, infelizmente. Segundo relatório da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), foram registrados 66 casos de ataques à imprensa nos nove estados que compõem a Amazônia Legal ao longo de um ano, entre 30 de junho de 2022 e 30 de junho de 2023. A insegurança na região, relata a RSF, combinada com pressões políticas e econômicas, cria condições que levam os jornalistas à autocensura.

Essa situação, diz a Unesco, se repete nas mais diversas regiões do planeta onde os jornalistas enfrentam desafios significativos na procura e divulgação de informações sobre questões contemporâneas relacionados às alterações do clima, tais como problemas nas cadeias de abastecimento, migração climática, indústrias extrativas, mineração ilegal, poluição, caça furtiva, tráfico de animais e desmatamento.

As diversas ameaças (físicas, econômicas, políticas, psicológicas, digitais e jurídicas) às quais os jornalistas estão sujeitos, ressalta a agência da ONU, refletem um contexto complexo em que existe uma luta constante pelo controle da informação.

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Nessa batalha informativa, o mundo tem convivido com uma acirrada polarização ideológica, um campo fértil ao extremismo, que tem se aproveitado dos efeitos colaterais das redes sociais para espalhar desinformação e discurso de ódio com o objetivo de desestabilizar democracias e abrir caminho para o autoritarismo.

Como contraveneno à desinformação, além de garantir a prática do jornalismo independente, a Unesco defende também a transparência das empresas tecnológicas, a sua responsabilização, a devida diligência e a moderação e curadoria de conteúdos com base nas normas internacionais de direitos humanos, conforme indicado nas diretrizes da agência para Governança de Plataformas Digitais.

Tudo isso é fundamental, mas não é o suficiente. Como defende a própria Unesco, é preciso ainda proporcionar a capacitação dos usuários das modernas tecnologias —que avançam de forma exponencial, como é o caso da inteligência artificial generativa— para se envolverem e pensarem criticamente no ambiente digital. Além de garantir a educação midiática, o entendimento da ciência e o acesso ao jornalismo a toda população. Melhor ainda quando essas ações conseguem chegar às comunidades mais vulneráveis.

Foi o que fez, por exemplo, a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, em outubro de 2023, no Rio de Janeiro. Crianças e jovens moradores da favela de Manguinhos participaram de oficinas e de jogos interativos sobre desinformação e atenção ao meio ambiente oferecidos pela Fiocruz e seus parceiros.

"Se elas (crianças e jovens) entendem como o conhecimento da ciência e do jornalismo funcionam, aumenta a chance de elas poderem reconhecer quando o que vem é diferente disso, mesmo que não conheçam o contexto das informações", diz Eric Andriolo, assessor de comunicação da Agenda Jovem Fiocruz e cientista político.

Como se vê na prática, a aliança entre ciência, jornalismo e educação midiática é, sem dúvida, o melhor antídoto contra a desinformação climática.

Ruy Castro - Faltou dizer que, FSP

 Uma constante na doce relação entre os colunistas e seus leitores é que, na exigente opinião destes, todo colunista é um amnésico crônico —ao tratar de qualquer assunto, sempre deixa de citar alguém ou alguma coisa. Eles têm razão. Vide os comentários que começam por "Só se esqueceu de..." ou "Faltou dizer que...". E, para vergonha do colunista, seguem-se os exemplos do que faltou ou foi esquecido.


Meu consolo é que nem sempre é por esquecimento. As colunas têm limite de tamanho —a que você está lendo não pode passar de 1.880 caracteres— e não permitem que se esgote o assunto. Às vezes, o colunista se vê diante de duas citações e só tem espaço para uma.

Daí tento aproveitar o espaço ao máximo, concentrando as ideias em poucas palavras, usando palavras mais curtas e apagando aquelas que se revelam redundantes. Qualquer advérbio de modo, por exemplo, é totalmente inútil. Se não acredita, corte o "totalmente" desta frase e veja se ela perde em sentido. Radicalizando a cirurgia, corte também o "por exemplo", e verá que o sentido continua intacto. Com a extração dessas palavras ganham-se 20 caracteres, que podem ser necessários no caso de se ter de escrever "otorrinolaringologia".

Em coluna recente (26), falei de como o Brasil tem mais faculdades de direito do que a soma de todas no mundo, assim como somos imbatíveis em farmácias, agências de banco, supermercados, shoppings e lojas de colchões. Citei também o enxame de bundas e peitos inflados. Os leitores concordaram, mas disseram que faltou muita coisa.

E citaram: influencers, igrejas evangélicas, sites de apostas, botequins, motoqueiros, bocas de botox, academias de ginástica, gente tatuada, de mochila às costas, de boné ao contrário, de celular ao nariz. É verdade, faltou tudo isso. Mas, como não existe memória absoluta, desconfio que continua faltando alguém ou alguma coisa.

Botox (imagem ilustrativa)
Botox - Gustavo Fring from Pexels

quarta-feira, 1 de maio de 2024

Priorizar o combate ao crime organizado é um imperativo, Ilona Szabó de Carvalho, FSP

 O crime organizado está praticamente em todo lugar, apesar de ser muitas vezes invisível. Suas estratégias, táticas e operações estão evoluindo rapidamente, o que infelizmente não está sendo seguido pelas instituições governamentais. É um tema que nos diz respeito a todos, mas muitas vezes é demasiado sensível para ser discutido.

O foco dos governos no enfrentamento das organizações criminosas geralmente está nos perpetradores e menos nos mercados que elas controlam e contaminam. No entanto, hoje, o crime organizado abrange um ecossistema criminal global complexo e interliga economias legais, informais e ilegais. Sua forma de operação responde pela morte violenta de centenas de milhares de pessoas todos os anos e afeta literalmente bilhões de outras.

Detidos chegam a delegacia de polícia em Guarujá após serem flagrados com um tablete de maconha - Danilo Verpa/Folhapress

Certamente, a escala, sofisticação e intensidade do crime organizado variam de lugar para lugar. Apesar dessas variações, o tráfico de drogas, de armas e de pessoas, o contrabando de migrantes, o crime ambiental, o comércio de produtos falsificados e o cibercrime parecem estar acelerando em todos os lugares, ao mesmo tempo.

Embora difícil de quantificar, estima-se que a corrupção, a lavagem de dinheiro e as economias ilícitas, real sustento e coração pulsante do crime organizado, sejam o maior negócio do mundo —avaliado conservadoramente em trilhões de dólares.

Milhões de pessoas dependem dessas economias informais e ilícitas ligadas a mercados criminais, seja para prover formas não democráticas de segurança, seja para garantir meios de subsistência (pense em produtores de coca ou garimpeiros artesanais). E, claro, políticos e elites empresariais corruptas obtêm capital político e econômico preservando esse status quo.

Particularmente preocupante, grupos criminosos organizados estão se infiltrando em instituições públicas nacionais e subnacionais, subvertendo-as. Uma combinação de cartéis, máfias, gangues, milícias e outros estão em conluio com, e em alguns casos capturando, governos. Não são apenas as instituições militares, policiais, judiciais, penais e aduaneiras que estão sendo alvo, mas também a entrega básica de serviços, compras públicas e agências financeiras.

Grupos criminosos estão saindo das sombras e endossando candidatos a cargos públicos, financiando campanhas e influenciando resultados eleitorais com implicações corrosivas para a democracia. A degradação das instituições estatais também pode reforçar o apoio a políticas populistas e autoritárias e justificar medidas repressivas que muitas vezes excedem a lei e alimentam um ciclo vicioso que empodera o crime organizado.

Isso significa que as estratégias anticrime precisam ir além de medidas repressivas de força bruta e oferecer uma gama mais ampla e inteligente de abordagens de prevenção para desmantelar mercados criminais, moldar normas e fornecer alternativas reais.

Precisamos de estratégias que avancem tanto em medidas "duras" (aplicação técnica da lei, combate ao crime financeiro, descapitalização das organizações criminosas e outras estratégias penais) quanto em medidas "suaves", focadas na construção de normas sociais e de incentivo a comportamentos positivos e no desenvolvimento de alternativas econômicas aos mercados criminais.

No Brasil, priorizar o enfrentamento ao crime organizado e seus tentáculos é mais urgente do que nunca.

Além de ser o fator determinante para a consolidação democrática, esse enfrentamento é fundamental para destravar o investimento privado e o desenvolvimento econômico do país. Isso demanda traçar linhas claras de integridade e aplicação da lei e fechar espaço de conivência e convivência que abalam normas não só legais, mas culturais.

Por mais difícil que seja, é preciso começar pelo "mercado" da segurança. Estamos dispostos a cortar na carne para virar o jogo?

Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com dois meses de assinatura digital grátis.