Ricardo Kotscho
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A taça do mundo é nossa
Com brasileiro não há quem possa
Eêta esquadrão de ouro
É bom no samba, é bom no couro
(Primeira estrofe da música “A Taça do Mundo é Nossa”, de autoria de Wagner Maugeri, Lauro Müller, Maugeri Sobrinho e Victor Dagô, cantada pelos brasileiros após a conquista da Copa do Mundo de 1958 na Suécia).
***
Faz 60 anos este ano.
Em 1958, quando o Brasil ganhou sua primeira Copa do Mundo, Juscelino Kubitschek entrava no seu terceiro ano de governo, a Bossa Nova e o Cinema Novo começaram a fazer sucesso aqui e no exterior, Brasília era plantada no cerrado, a Ford inaugurava sua primeira fábrica no Brasil.
Foi o ano de afirmação do Brasil como Nação, no embalo de um povo feliz e orgulhoso, a época de ouro em que largamos o complexo de vira-latas e demos início a um círculo virtuoso na economia, na cultura e na política.
Está todo mundo falando agora dos 50 anos de 1968, o ano que bagunçou o mundo, mas nos esquecemos de celebrar os 60 anos do inesquecível ano de 1958.
Quem me chamou a atenção para tudo de bom que aconteceu dez anos antes foi o amigo Ludembergue Góes, decano da velha Turma do Estadão, que completou 83 anos esta semana.
Eu tinha 10 anos, mas me lembro bem da grande festa depois da goleada por 5 a 2 contra a Suécia em Estocolmo, no dia 29 de junho de 1958 _ o Pelé com 17 anos e o Garrincha das pernas tortas barbarizando naquela final histórica que ouvimos pelo rádio, na voz potente de Edson Leite, pela rádio Bandeirantes de São Paulo, no comando da Cadeia Verde Amarela Norte Sul.
Ao fazer uma rápida pesquisa sobre os principais fatos daquele ano, encontrei um documentário de José Carlos Asbeg sobre aquela conquista, o melhor resumo do que foi 1958 para nós, “o ano em que o mundo descobriu o Brasil”.
E eu descobri na internet um fantástico projeto de José Henrique Fialho, pesquisador mineiro que publicou em seu blog a série “Década de 50 – Quando a felicidade parecia bater às portas do Brasil”.
Para quem viveu aquele ano lembrar e para quem nasceu depois ficar sabendo, listei alguns dos episódios e fatos mais marcantes de 1958 na sociedade, no teatro, na literatura, na vida, enfim:
- 1958 foi o ano em que Fernanda Montenegro, a melhor atriz brasileira de todos os tempos, se consagrou com a peça “Panorama Visto da Ponte”, de Arthur Miller.
- Dois dias após a vitória na Suécia, que enlouqueceu os brasileiros de alegria e orgulho, JK inaugurou em Brasília o Palácio da Alvorada, primeiro marco da nova capital do país.
- No dia 22 de fevereiro, estreou no Teatro de Arena a antológica peça “Eles não usam Black-Tie”, de Gianfracesco Guarnieri.
- Raimundo Faoro lançou no mesmo ano a sua obra prima sobre a formação política do país, “Os Donos do Poder”, uma “análise weberiana do caráter burocrático das classes dirigentes lusitana e brasileira”, segundo Darcy Ribeiro, e deu no que deu.
- Jorge Amado lança “Gabriela Cravo e Canela”, campeão de vendas aqui e lá fora.
- A USP instala o primeiro reator nuclear na América Latina.
- A Odeon lança em disco de 78 rotações “Chega de Saudade”, o hino inaugural da Bossa Nova, de Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, interpretada pelo então quase desconhecido João Gilberto.
- Elisete Cardoso grava o LP “Canção do Amor Demais”, também de Tom e Vinicius.
- No dia 15 de maio, JK cria a Rodobrás e nomeia Bernardo Sayon para cuidar da construção da Belém-Brasília, a grande rodovia de integração Nacional.
- Chamado de “Presidente Bossa Nova”, nosso presidente dançarino, sempre com um sorriso no rosto, promove a rápida industrialização do país para a substituição de importações de bens de consumo duráveis, com vultosos investimentos do Estado em energia elétrica, transportes, construção e modernização de portos e estradas.
- Rock Hudson se esbalda no carnaval carioca e pula com uma faixa de “Princesa do Carnaval” no peito.
- Inspirado na peça de Vinicius de Moraes, o filme “Orfeu Negro”, dirigido pelo francês Marcel Camus, com 42 atores negros, levou o Oscar de melhor filme estrangeiro e a Palma de Ouro em Cannes.
- Chega ao Rio o subsecretário do governo norte-americano, Roy Rubotton, para anunciar um programa de desenvolvimento econômico multilateral, a Operação Pan-Americana.
Esta semana, por coincidência, Rex Tillerson, secretário de Estado dos EUA, fez um giro pelos principais países da América do Sul. Só não veio ao Brasil.
Não é para menos: voltamos a ser um país anão e o mundo esqueceu o Brasil, 60 anos depois de descobri-lo.
Em lugar de Juscelino Kubitschek na Presidência da República, temos hoje o sorumbático bacharel Michel Temer _ e não é preciso dizer mais nada.
Não quero estragar o Carnaval de ninguém, que não é hora de falar destas coisas deprimentes, mas lembrar as glórias do passado pode nos ajudar a enfrentar as agruras do presente e sonhar com um futuro melhor. Pena que o tempo não volta.
O Brasil já foi um belo país e, como escreveu José Henrique Fialho no título da sua pesquisa, “a felicidade parecia bater às portas do Brasil”.
Pois é, parecia…
“Tudo certo pra dar merda” é o premonitório nome de um bloco do carnaval carioca citado neste sábado na coluna do filósofo popular José Simão, na Folha.
E vida que segue.
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