segunda-feira, 30 de junho de 2014

O diagnosticador do presente


DEBORA DINIZ - O ESTADO DE S. PAULO
28 Junho 2014 | 16h 00

Morto há três décadas, Michel Foucault deixou uma obra em mutação e sem retorno às origens

Retórica inspiradora. ‘Procuro dizer o que somos hoje e o que significa dizer o que dizemos’
Retórica inspiradora. ‘Procuro dizer o que somos hoje e o que significa dizer o que dizemos’
Reprodução
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Michel Foucault morreu em 25 de junho de 1984. Um giro no pensamento se iniciava - para alguns, a fase da subjetividade; para outros, da ética. Já com a morte anunciada, pediu que não publicassem escritos inacabados. Seu testamento é lei, mas novos escritos circulam a cada ano. São aulas, conferências ou entrevistas, aparições públicas em que as ideias já haviam circulado para fora do arquivo de seu gabinete. A coleção Ditos e Escritos reúne parte importante desse conjunto esparso de pronunciamentos. Aos que gostam de números, só nela há 364 textos. O mais recente livro é Mal Faire, Dire Vrai, ainda sem tradução para a língua portuguesa. A edição abrange seis aulas ministradas na Universidade de Louvain e enfrenta o tema da confissão para as práticas judiciárias: é traçada uma leitura original de Édipo Rei, tragédia em que nossas práticas de confissão e inquérito foram desenhadas. Nestes 30 anos, Foucault é um autor que publicou mais morto que vivo. Logo ele, cuja aula inaugural da cátedra de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France foi a provocação “O que é um autor?”. Isso foi em 1970, quando ele tinha 44 anos.
Se há autores fortes que provocaram deslocamentos no pensamento contemporâneo, Foucault é um deles. Seu lugar é híbrido e liminar às práticas acadêmicas - nem mesmo ele sabia como se definir. Ou melhor, essa pergunta sobre identificações e autoridades disciplinares o cansava. Os historiadores gozam ao identificar equívocos documentais em seus relatos históricos, os filósofos se deliciam ao mostrar a fragilidade conceitual de seus escritos. Mas Foucault resistia às classificações. Em uma entrevista publicada em 1967, provocativamente intitulada Que É você, Professor Foucault?, ele se apresentou como um diagnosticador do presente: “Tento diagnosticar, fazer um diagnóstico do presente: dizer o que somos hoje e o que significa, hoje, dizer o que dizemos”.
Um diagnosticador do presente. O passado deve ser escavado para melhor pensar o presente. Mas ele também se imaginava como um diagnosticador do presente cujos livros deveriam ser como bombas. Sim, bombas. Os livros deveriam ser úteis no instante em que fossem escritos ou lidos, mas imediatamente destruídos. Após as explosões, não seríamos mais as mesmas pessoas - “os livros produziram bonitos fogos de artifício”, disse ele, mas nada além disso. Os historiadores no futuro apenas fariam referência aos livros como explosões, ou simplesmente pela beleza dos fogos que produziram. Mas não haveria adoração nem retorno aos evangelhos do já dito ou escrito. Foucault se irritava quando lhe mostravam incoerências em seus escritos: como iniciar o curso “O Poder Psiquiátrico” redescrevendo-se em relação à “História da Loucura”? Porque seu movimento na vida acadêmica seguia a ordem de seu pensamento - sempre em eterna mutação e sem retorno às origens. Nem mesmo às origens por ele instituídas em textos com sua assinatura.
Foucault é daqueles autores para ler e levantar a cabeça, uma alegoria de seu colega Roland Barthes para as obras que nos inquietam. Foi assim que admirei os fogos de artifício da pequena peça A Vida dos Homens Infames, um texto de 1977 que seria um prefácio de obra, mas ganhou estatura solitária. Homens infames são aqueles que passariam a vida sem o registro da história se não tivessem cruzado suas biografias com o poder. Em particular, com o poder judiciário ou policial. Os arquivos do poder registram breves notícias dessas vidas sob a inspiração da infâmia. Os homens infames passam a ser imortalizados pelo arquivo do poder que os noticia, em geral por malfeitos à ordem. Foucault teve adoração pelas notícias de homens infames em arquivos históricos: Pierre Rivière, o louco bandido cujo malfeito não foi pequeno, mas matricídio e fratricídio, e Herculine Barbin, a hermafrodita de corpo inoportuno, foram dois que alcançaram a permanência da história após seus livros.
Preciso confessar que os escritos de Foucault são mais do que breves fogos de artifício para mim - busco neles inspiração e conforto para o que ensino, escrevo ou penso. O efeito é bombástico e, ao contrário do fantasiado pelo criador, os livros não desaparecem de minha biblioteca. Ao contrário, só crescem em formatos, cores ou traduções. Isso me conforta, pois neles há palavras que exigem retorno. Foucault não nos autoriza encontros rápidos, mas permanentes aproximações. Entre o tempo do Grupo de Informações sobre Prisões, um coletivo de intelectuais e militantes formado para denunciar o que ocorria nas prisões francesas em finais dos anos 1960, em que Foucault foi um dos porta-vozes, e o hoje é que precisamos atualizá-lo como diagnosticador do presente. Seus escritos são atuais não só pela potência do diagnóstico, mas pelos enunciados de como pensar o real, em particular suas formas de poder, vigilância e táticas de governo.
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Débora Diniz é antropóloga, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero

A lição da Copa, Entrevista. Albrecht Sonntag no Aliás (não lido)


Para especialista em sociologia do esporte, Copa no Brasil é um sucesso por ser ápice de um evento que une povos em torno de causas comuns


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Andrei Netto
Boa imagem. ‘Os protestos mostraram que o Brasil é uma democracia que chegou à maturidade’
Boa imagem. ‘Os protestos mostraram que o Brasil é uma democracia que chegou à maturidade’
Mario Tama/Getty Images
Em La Voie (O Caminho) o sociólogo Edgar Morin apontou um dos grandes paradoxos de nosso tempo. “A globalização”, diz ele, “é ao mesmo tempo o melhor e o pior.” Por melhor, entende-se a possibilidade de emergência de um novo mundo. Por pior, a possibilidade de autodestruição da humanidade. Em meio à incerteza do porvir, escreve o mestre francês, um fato é concreto: somos cada vez mais interdependentes e pertencemos a uma “comunidade de destino”. Morin não foi o primeiro a observar a formação dessas comunidades, mas um dos primeiros a diagnosticar sua reemergência no mundo de hoje. O termo designa uma espécie de cimento social que une indivíduos com vidas díspares em torno de um objetivo comum.
São essas “comunidades de destino”, segundo outro sociólogo, o alemão Albrecht Sonntag, que fazem o sucesso da Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Para o especialista em sociologia do esporte, professor da Escola de Administração (Essca) de Angers e Paris e coordenador do projeto Football Research in an Enlarged Europe (Free), nós, torcedores, sofremos de certa esquizofrenia: somos pós-modernos, consumidores globalizados, hedonistas, mas também pré-modernos, arcaicos, sentimos a necessidade de estar juntos e compartilhar um mesmo objetivo.
Nesse sentido, a Copa tornou-se ao longo dos anos um símbolo de união capaz de superar as diferenças de classes sociais, de éticas ou religiões. “Grandes nações, para existirem, têm necessidade de se confortar sobre si mesmas de tempos em tempos por pulsões emocionais fortes”, diz Sonntag. “Temos a necessidade de dizer a nós mesmos que somos uma comunidade, que tem problemas, mas também vínculos. Chamo isso de metáfora da família.” Embora não considere a melhor de todos os tempos, Sonntag fala com paixão da Copa no Brasil. E, otimista, adverte: a grande imagem positiva que ficará para o mundo não é apenas a de um país que sabe apreciar o futebol, mas a de uma sociedade madura e democrática que, ao mesmo tempo, sabe se rebelar e pedir a seus governantes mais justiça social, mais igualdade e menos corrupção.
Por que o sr. diz que nós brasileiros podemos adorar a Copa sem receios?
Antes de mais nada porque é um espetáculo fascinante, bem organizado, que nos envia diretamente à infância - um formidável parêntese na vida cotidiana. A Copa tem sua dinâmica própria, seu poder emocional que domina o resto da atualidade - política, social - durante um mês. É claro que o Brasil é uma democracia imperfeita, como todas as outras, que a população brasileira e sua classe média têm boas razões para se revoltar contra certas práticas governamentais e econômicas, mas é necessário que nos concedamos uma pequena pausa para observar como o futebol consegue eclipsar o resto quando a competição começa. É notável.
Mas, depois de tanta efervescência social, essa entrega do Brasil à Copa não é ruim?
Essa é a razão pela qual eu pesquiso sobre o futebol há 15 anos. Esse jogo é especial - e, em alguns países, mais especial do que em outros. Vimos o mesmo na Alemanha em 2006, uma nação que vive em osmose em relação ao futebol e deve muito a ele no que diz respeito a sua coesão social. Trata-se de uma democracia que funciona melhor que a do Brasil - não é feio nem maldoso dizer isso - e também é um pouco menos corrompida. Mas a necessidade de coesão é exatamente a mesma.
Por quê?
Porque os símbolos que reúnem os alemães foram desnaturados, desvalorizados pelo nazismo. O hino nacional foi por 50 anos uma questão delicada. A bandeira, nós não usávamos. Não havia uma relação natural com a “comunidade de destino”. A Copa de 2006 criou esse símbolo nacional de substituição. O Brasil e a Alemanha são muito comparáveis em suas necessidades de se encontrar em torno do futebol. Se você observar a França, vai ver o mesmo. É uma democracia que funciona, um ótimo país para se viver. Mas há tendências de fragmentação do corpo social. Facilmente identificamos uma grande sede de “estar junto” por um lapso de tempo. A Copa do Mundo exerce esse papel.
E como entender a febre da Copa que os EUA parecem ter contraído também?
Os EUA, outra democracia que funciona bem, têm o mesmo problema que a Alemanha, a França ou o Brasil: são um monstro de 300 milhões de habitantes, fragmentado, com antagonismos incríveis. Sempre necessitaram ao longo de sua história de uma forte dose de nacionalismo a fim de existir. Muitos intelectuais, a começar por Tocqueville, compreenderam isso. É preciso preservar essa ideia de Estado-Nação sob a qual repousam os países. Por isso, o soccer entra cada vez mais no imaginário americano. E, neste ano, eles têm uma equipe bem simpática, com um treinador carismático, simbólico por ser um imigrante que sente pertencer ao país. Mas não sei se isso terá impacto duradouro.
A Fifa é o mal ou só um bode expiatório?
A Fifa é um bode expiatório, sem dúvida. Pediu oito estádios, e o governo brasileiro quis 12, por exemplo. Não podemos culpá-la por isso. Logo, a Fifa é um bode expiatório, ainda que ela mereça. É a Copa do Mundo em si que reúne características que a transformam em um símbolo ideal e justificado para manifestações de ordem social. Em primeiro lugar, ela cria uma visibilidade extraordinária: todo mundo fez reportagens sobre as manifestações no Brasil, tremendamente justificadas, que ganharam uma amplitude mundial. Foi um palco de teatro extraordinário. Além disso, a Copa permite expressar melhor o que se quer dizer. É o país do futebol que está protestando contra a Copa, ora!
Qual é o impacto real de uma Copa?
A Copa do Mundo é um luxo. Mas se diz que não há outro evento que provoque um efeito econômico e de visibilidade tão positivo para um país. Isso é falso. Às vezes é possível limitar os prejuízos, como aconteceu na Alemanha, onde os estádios acabaram sendo bem aproveitados, por exemplo. Não será o caso da Arena de Manaus. Na Rússia, em 2018, serão gastos milhões e milhões e vai ser uma piada. Mas a Rússia não é uma democracia, logo não haverá protestos. No Catar, a mesma coisa. Em geral, a Copa do Mundo é um escândalo, algo desmesurado por natureza. Ela faz desaparecer dinheiro que pode ser utilizado de outra forma. Na Alemanha tudo bem, porque o país tem dinheiro. No Brasil, convenhamos, há outras coisas a fazer em Manaus do que construir um estádio. Logo, as manifestações no Brasil são justificadas, corretas, e tiveram bom efeito, porque hoje o mundo inteiro está por dentro. Fazer coisas impróprias em um país fechado é muito mais fácil do que em uma democracia aberta, como o Brasil.
Essa rebeldia fez do Brasil um ponto de não retorno na história das Copas?
A resposta é sim, sem dúvida. O Brasil é um ponto de não retorno em direção a mais responsabilidade, mais abertura, mais transparência. E não acabou, tenho certeza. No seio da própria Fifa, aposto que eles mordem os dedos por terem decidido muito cedo e muito rápido a realização da Copa na Rússia, em 2018, e no Catar, em 2022.
Seu colega David Ranc, pesquisador do esporte, escreveu um artigo dizendo que a Copa no Brasil é mais organizada que os Jogos Olímpicos em Londres. É isso mesmo?
Ranc é um colega que trabalha na sociologia do esporte, viveu em Londres e viajou muito ao Brasil. Ele defende que os europeus devem mudar de atitude em relação aos países emergentes e em vias de desenvolvimento. Nós continuamos a dizer que sabemos fazer e os outros estão aprendendo. Não é verdade, quando observarmos os enormes erros orçamentários, de organização e de segurança, erros banais, cometidos na Olimpíada de Londres. Meu colega tem razão quando diz que o velho conceito orientalista que dizia que o Ocidente faz uma ideia condescendente do que é o Oriente hoje tem uma nova tradução: o Norte faz uma ideia condescendente do que o Sul é hoje.
Qual será a imagem do País pós-Mundial?
O Brasil ganhará em imagem, pouco importa o resultado. E vai ganhar em imagem por causa das manifestações. Para o mundo, o Brasil é um país onde manifestantes, a maioria pacíficos, defendem ideias justas: justiça social, igualdade de oportunidades, fim da corrupção, etc. Ou seja: é uma democracia que chega a sua maturidade, alcançada por sua população, o que é formidável. Sabíamos que o Brasil era ótimo em fazer festa, e não precisávamos da Copa para saber disso. Hoje, constatamos que é também uma democracia que vive de um pluralismo de ideias essencial. O que falta à Rússia, por exemplo.
Quem deve ganhar a Copa?
Vou dizer uma coisa que vai surpreendê-lo: a melhor coisa que pode acontecer ao Brasil será não vencer a Copa do Mundo.
Você diz isso porque é alemão!
Não, não é isso. O Brasil não precisa de uma sexta estrela na camisa para ser reconhecido para toda a eternidade como o país do futebol. Isso, todo mundo já entendeu. Disputamos o segundo lugar, porque o primeiro é de vocês, de verdade. O que seria interessante é que, se vocês perderem nos jogos eliminatórios, ainda sobrarão tantos outros jogos na Copa. E aí veremos se vocês amam a seleção brasileira ou se, mais ainda, vocês amam o futebol. Eu creio que vocês amam o futebol. Nesse caso, continuarão a fazer a festa, e essa mensagem jamais será esquecida.
E quem é o favorito para a conquista?
Hum… O Brasil pode ser conduzido por uma onda de euforia, mesmo que não esteja muito convincente dentro do campo até aqui. A Argentina - ou melhor, Messi e mais 10 - podem chegar. Se a Holanda continuar nessa batida, pode ir muito longe. E a Alemanha dá a impressão de que ainda tem muita potência escondida sob o capô. Considero essa Copa genial porque tudo pode acontecer.
Essa é mesmo a Copa das Copas?
A melhor Copa do Mundo é aquela que descobrimos quando crianças. Depende da idade de quem responde. A melhor para mim foi - e é - a do México, em 1970. Descobríamos a TV em cores, tivemos uma semifinal incrível entre Alemanha e Itália. Foi um torneio com modelo compacto de três semanas e 16 equipes, coroada por Pelé como o rei. Tudo foi reunido para que o México 1970 fosse a Copa do Mundo. Mas em termos de qualidade do jogo, a Copa de 2014 é seguramente melhor do que as últimas quatro.
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Albrecht Sonntag é sociólogo da Escola Superior de Ciências Comerciais de Angers (França)

CNJ define estratégia para magistratura até 2020 (nalini)


REDAÇÃO
Segunda-Feira 30/06/14

Combate à corrupção e à improbidade está entre os maiores desafios da magistratura


Fausto Macedo
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) definiu a Estratégia Judiciária 2020. Aprovado por unanimidade pelo Plenário do colegiado, o texto da Resolução 198, que institui o plano para a toga nos próximos anos, impõe prioridade na elaboração das metas nacionais do poder – uma delas voltada ao combate à corrupção e à improbidade administrativa.
Os macrodesafios da Justiça no período 2015-2020 foram aprovados pelos presidentes dos tribunais brasileiros no VII Encontro Nacional do Judiciário, no ano passado, informa o site do CNJ.
A Resolução 198, publicada no Diário de Justiça eletrônico (DJe) da última sexta feira, 27, contém alguns dos maiores desafios da magistratura, pelo menos 12, todos agora incluídos na Resolução 198.
1) garantir os direitos da cidadania; 2)combater a corrupção e a improbidade administrativa; 3) promover a celeridade e produtividade na prestação jurisdicional; 4) adotar soluções alternativas de conflito; 5) gerir as demandas repetitivas e dos grandes litigantes; 6) impulsionar as execuções fiscais, cíveis e trabalhistas; 7) aprimorar a gestão da justiça criminal; 8) fortalecer a segurança do processo eleitoral; 9) melhorar a gestão de pessoas; 10) aperfeiçoar a gestão de custos; 11) instituir a governança judiciária; e 12) melhorar a infraestrutura e governança da Tecnologia da Informação e Comunicação.
O texto da Resolução 198 promove uma revisão na estratégia em vigor desde 2009 (Resolução CNJ/70), que instituiu o Planejamento Estratégico do Judiciário para o período 2009-2014.
A Resolução 198 estabelece que as metas nacionais sejam prioritariamente elaboradas a partir de indicadores nacionais – que todos os órgãos do Judiciário obrigatoriamente têm de medir – e que constam do Relatório Justiça em Números.
Já existe uma lista de indicadores monitorados pelo CNJ, como carga de trabalho, taxa de congestionamento e produtividade, que podem, após definição e revisão, ser aproveitados como Meta – caso da meta de produtividade dos magistrados.
A nova Resolução, apresentada pela conselheira Maria Cristina Peduzzi, presidente da Comissão Permanente de Gestão Estratégica, Estatística e Orçamento do CNJ, terá vigência a partir de janeiro de 2015, mas foi publicada com antecedência para que os tribunais possam ajustar seus orçamentos e alinhar suas estratégias às prioridades nacionais.
“O planejamento estratégico, visto como um processo de definição de metas e escolha de programas de ação a serem promovidas para alcançá-las, é ferramenta indispensável à administração e ao seu gerenciamento”, avalia Maria Cristina Peduzzi. “Por seu intermédio, são definidos os objetivos organizacionais da administração a longo prazo, o que possibilita o implemento do Princípio da Eficiência, positivado na Constituição da República e que ganha especial relevância no âmbito do Poder Judiciário.”
Alguns macrodesafios serão aplicáveis a todos os tribunais e outros a segmentos específicos da Justiça (Estadual; Federal; do Trabalho; Eleitoral, Militar e Superior Tribunal de Justiça), assinala o texto do site do CNJ.
Os tribunais também poderão instituir estratégias próprias, além das estabelecidas na Estratégia Nacional.
Outra determinação estabelecida pela Resolução 198 está na obrigatoriedade de os tribunais reunirem magistrados e servidores a fim de realizarem eventos periódicos – uma vez por ano, ao menos – para avaliar a implementação da Estratégia, o alcance dos resultados e a eventual necessidade de ajustes.
Segundo a informação divulgada pelo site do CNJ, também ficaram estabelecidas três áreas de competências básicas e específicas das unidades de planejamento e gestão estratégica dos órgãos para que os macrodesafios possam ser implementados, geridos e seus resultados apurados: área de projetos, área de melhoria de processos e área de estatística e informação.
Foi incluído no texto a participação oficial dos Corregedores e dos representantes da Rede de Governança Colaborativa nos Encontros Nacionais para a discussão da Estratégia. Também ficou decidido que a coordenação dos trabalhos para aprovação de propostas nos Encontros Nacionais passa a ser oficialmente de responsabilidade dos conselheiros no CNJ.
O juiz auxiliar da Presidência do CNJ Clenio Jair Schulze destacou que o texto-base da nova resolução nasceu na Rede de Governança Colaborativa instituída pela Portaria n. 138/2013. “Isso demonstra a perspectiva democrática adotada no âmbito do Poder Judiciário”, destacou o magistrado.
“A aprovação do texto, amplamente debatido pelos Tribunais na rede de governança colaborativa do Judiciário, traduz o resultado de uma construção coletiva de ideias que resultaram na modernização e no aperfeiçoamento da estratégia do Judiciário para os próximos anos”, reforçou o diretor do Departamento de Gestão Estratégica (DGE), Ivan Bonifácio.
A Resolução também prevê incremento no Banco de Boas Práticas (BPIJus). Além de contemplar as práticas inovadoras originárias dos órgãos da Justiça, deverão ser incluídas e até mesmo premiadas ideias propostas e encaminhadas por qualquer cidadão, após processo de seleção.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

A quarta agenda democrática, por RENATO JANINE RIBEIRO

O Estado de SP| O Estado de SP


Desde o ano passado, o Brasil mudou de futuro. As manifestações de maio a julho definiram um horizonte novo. O problema é que as eleições de outubro estarão aquém da nova agenda política. Tivemos três agendas democráticas bem-sucedidas nestes 30 anos: a derrubada da ditadura, a da inflação e a inclusão social em larga escala. Agora é a vez do que chamo "quarta agenda democrática”, que consiste em transporte, educação, saúde e segurança públicos de qualidade. É ela que porá fim ao apartheid entre quem paga ao setor privado pela qualidade deles, e quem está restrito à má qualidade do Estado. Mas os candidatos de oposição, centrando a campanha na crítica à política econômica, não têm uma proposta que sensibilize uma população que exige direitos que custam dinheiro, direitos que ela nunca viu atendidos, dinheiro que – dizem os dois candidatos – faltará. Já a candidata à reeleição enfrenta o êxito das políticas de inclusão social: quem subiu na vida quer subir mais e, afinal, sente – sem muita razão – que nada deve a políticas públicas, só ao próprio esforço e mérito.
Mas, além da exigência de serviços de qualidade, outro tema vai se firmar em nossa política. Cresce uma exigência de liberdade, nos mais amplos sentidos – uma exigência que os partidos não parecem ter compreendido.
Essa liberdade tornada valor, antes de mais nada, é a liberdade pessoal. Cada um tem o direito de florescer o máximo, no que lhe importa. Essa ideia é liberal. Para ela, cada ser humano tem riquezas singulares, únicas, que para se manifestarem só precisam de uma coisa: não serem reprimidas. Estado, Igreja, externalidades, impedem esse florescimento. Então, reduzindo esses obstáculos externos, cada um crescerá. Só que tal ideia de liberdade, mesmo sendo de origem liberal, vai muito além da direita. Hoje suas faces mais visíveis são a liberdade da mulher em face do machismo, do homossexual diante da homofobia, do negro e do indígena contra o racismo.
A pauta da liberdade se fortalece a cada dia. Comentei em outro lugar que ela está, por exemplo, no El País, no New York Times e, entre nós, na revista Trip e talvez Rolling Stones. Sua primeira característica é se opor radicalmente a qualquer preconceito. Um vídeo que se tornou viral no YouTube – The Ultimate (Sarcastic) Anti-Gay Marriage Ad – mostra bem isso: diante da igualdade entre heterossexuais e homossexuais, uma família bem norte-americana – crianças rosadinhas, todos loiros, gente de comercial de margarina – chora e se descabela porque todos vão ser "obrigados” a se separar e, cada um, a casar-se com pessoa do mesmo sexo... É hilariante. Ou seja: o preconceito está sendo vencido quando, de odioso, vai se tornando ridículo.
Um romance que fez sucesso na Alemanha – uma boa ideia, ainda que com resultado final fraco – é Ele Voltou, de Timur Vermes. "Ele” é Hitler, que acorda, em 2011, de um desmaio que durou décadas. Retoma sua carreira, mas todos creem que ele é um cômico. Talvez seja esse o grande sucesso sobre a maldade – quando ela não desperta mais medo, só riso. Quando sai do horizonte do possível e do pensável. Os preconceitos parecem, hoje, estar perto de agonizar: em breve, quem se opuser a mulheres, gays e negros será folclórico. É o que essa nova sensibilidade implica.
Mas isso não significa que a luta tenha terminado. Crimes de ódio são frequentes no País. Não são reprimidos de maneira sistemática. Pior: a veiculação de propaganda de ódio é tolerada, em que pese afrontar diretamente a Constituição e constituir incitação ao crime. Deputados, ainda que poucos, dizem enormidades, pelas quais poderiam riam perder o mandato, ao negarem que membros dos grupos discriminados sejam iguais em direitos aos homens brancos heterossexuais. E por isso mesmo, essa nova sensibilidade não está – ainda? – vitoriosa. Na verdade, não sabemos se triunfará ela ou o preconceito supersticioso. Seria bom os candidatos firmarem um pacto contra o preconceito e a superstição.
Porém, seria errado ligar diretamente esse novo modo de ver o mundo humano a um lado político específico. Repudiar o preconceito contra indivíduos e grupos é uma tradição que, desde o Iluminismo e seus herdeiros das grandes  revoluções, inspira as esquerdas. Mas em vários pontos a nova sensibilidade desagrada à esquerda brasileira. Pois faz parte dessa atitude o horror à corrupção; ora, o PT, que já foi nosso partido mais veemente na condenação do tráfico de dinheiros públicos, é acusado de ter sido leniente, no governo, com essas velhas práticas brasileiras. Não importa se o escore do PSDB é igual ou pior que o seu: o mensalão acabou simbolizando uma séria falta dos governantes à honestidade. Tal situação gerou um estresse entre o que chamo de nova sensibilidade e a esquerda.
Outro desencontro se refere ao repúdio à opressão política e internacional. Alguns amigos meus, por desconfiarem das intenções ocidentais sobre a Ucrânia, simpatizam com Putin. Mas com isso acabam endossando políticas autoritárias e repressivas: negam o valor da luta do povo na Praça Maidan, acusando-o de ingênuo ou agente estrangeiro. Ou tomemos o voto facultativo. Embora haja no PT defensores do fim da obrigatoriedade do sufrágio – ao que parece, talvez o próprio Lula –, a esquerda é mais favorável a ele. Os argumentos pela obrigatoriedade são bons: havendo voto facultativo, a abstenção dos miseráveis aumenta, o que leva os políticos a não se preocuparem com eles, o que por sua vez aumenta a abstenção entre os mais pobres. Mas aqui falamos de uma atitude pró-liberdade, de uma filosofia, de uma sensibilidade. O voto facultativo e a descriminação da maconha andam juntos: nos dois casos, se repudia a tutela sobre as escolhas pessoais.
Resumindo, o que temos? Uma atitude contrária aos preconceitos de costumes, à opressão, à corrupção – e também à repressão. Com todo incômodo que as greves pré- Copa causaram no transporte público, também se vê com maus olhos a repressão a esses movimentos.
Resta explicar por que, falando da mídia internacional, citei dois jornalões e, no Brasil, duas revistas quase alternativas, Trip que nasceu para os surfistas, RS, que é de rock – e por que eu, nem surfista nem roqueiro, as menciono. Ora, é interessante que a atitude pró-liberdade que aqui celebro nasça fora da política. Na verdade, a política é um setor da atividade humana sem dúvida essencial, mas nem sempre fecundo. Quando na mesma família se sucedem gerações de políticos, o que sem dúvida é rotina nas regiões mais atrasadas do País, mas também acontece nos Estados mais desenvolvidos, o que se perde não é só a renovação de sangue, mas também a de ideias.
E para nossa política atual? Não penso, até o momento, que as eleições deste ano sejam particularmente importantes para o Brasil. Provavelmente marcarão o fim de um ciclo, não o começo de outro. O PT fez um trabalho notável de inclusão social, mas isso já não basta, tanto porque é preciso garantir que os serviços públicos sejam bons quanto porque a sensibilidade que descrevo não é a do PT dos anos 2010, embora fosse a sua de 1982 a 2002. Já os candidatos de oposição cometeram um ato falho forte ao tentar surfar nos xingamentos à presidenta Dilma Rousseff. Nem Eduardo Campos nem Aécio Neves deram importância ao teor sexual do ataque a uma mulher. Provavelmente, netos ambos de políticos, Miguel Arraes e Tancredo Neves, que figuram entre os mais importantes governadores de nossa história, eles não se dão conta de quanto é difícil uma mulher liderar na política. Os dois "insiders” desconhecem o que é ser a grande "outsider”, a mulher. Basta ver uma coisa: a dificuldade enorme que tem uma mulher em conciliar o poder e a feminidade. Candidatos a presidente podem se casar e ter filhos em plena campanha; já a presidenta é sozinha. Aliás, veja-se que a oposição situa entre seus principais temas de ataque ao governo a existência ou não da palavra "presidenta”, que Carlos Drummond utiliza na sua tradução das Relações Perigosas. Poderia ser mera "questão de opiniães”, como diz Guimarães Rosa sobre "pão ou pães”, mas virou um cabo de guerra – que é claro sinal, ainda que involuntário, dessa recusa a conjugar no feminino o poder.
Disso resulta que, se Dilma, mais preocupada com o desenvolvimento econômico e social, não assume como sua essa agenda jovem, jovial, da liberdade que vai do pessoal para o público, seus adversários parecem estar ainda mais longe dela. Aqui não discuto programas votados em congresso partidário, e sim a reação quase instintiva de dois homens para quem um insulto sexual não é coisa grave, dirigido a uma mulher que chefia o Estado. Ora, quando alguém quer liderar o País, precisa estar mais antenado com as novas tendências da sociedade.
Porque o Brasil não é uma sociedade politizada, como foram França e Argentina. Nossa educação e cultura políticas são precárias. Mas em termos de costumes, de vivido, somos bons. Aqui, a política passa pelos costumes. Mesmo durante a ditadura, avançamos extraordinariamente em sensibilidade democrática, por sinal graças à música popular mais do que a manifestos políticos.
Quem se desliga da renovação constante de costumes se desliga do que o Brasil tem de melhor, de inovador – mais que isso, de invejável. Porque a política institucional está perdendo terreno, mundo afora. Aqui, podemos ainda nos perguntar o que fazer; podemos perguntar qual será a quarta agenda da democracia; podemos esperar melhorar muito. Mas olhem França, Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, para não falar da Itália; nenhum desses países tematiza, a sua frente, desafios como os nossos, esperanças como as nossas. Dará trabalho conseguirmos serviços públicos de qualidade. Mas dará satisfação conseguirmos uma relação entre política e costumes que configure, uma e outros, como democráticos. Melhorar os serviços é atingir o patamar dos países desenvolvidos. Democratizar os costumes é propor algo novo, que irá além deles.

Renato Janine Ribeiro é Professor de Ética e Filosofia Política da Usp e Autor, entre outros livros, de ‘A Sociedade Contra o Social: O Alto Custo da Vida Pública no Brasil’ (Companhia Das Letras)

Lula diz, com todas as letras: marco regulatório da mídia é urgente, in CC


 
Lula acredita que o governo se comunica mal e, por isso, perde o contato com a população brasileira

Ex-presidente da República e um dos principais líderes políticos do país, o petista Luiz Inácio Lula da Silva, aos 68 anos, mostra que está mais disposto do que nunca a eleger a presidenta Dilma Rousseff para mais um mandato e, se houver chances, ainda espera voltar em 2018. Em uma longa entrevista à revista Carta Capital, sem medo de represálias, Lula diz, com todas as letras, que o governo não sabe se comunicar e torna-se necessário, o quanto antes, o estabelecimento de um marco regulatório da mídia. O ex-presidente também descarta a tese de que a Copa do Mundo possa ser relacionada, de alguma forma, com as próximas eleições.
 
 
– Difícil imaginar que a Copa do Mundo possa ter qualquer efeito sobre a preferência por este ou aquele candidato. Por outro lado, se o Brasil perder, acho que teremos um desastre similar àquele de 1950. Temo uma frustração tremenda, e a gente não sabe com que resultado psicológico para o povo. Em 50 jogaram o fracasso nas costas do goleiro Barbosa. O Barbosa carregou por 50 anos a responsabilidade, e morreu muito pobre, com a fama de ter sido quem derrotou o Brasil. É uma vergonha jogar a culpa num jogador. Se o Brasil ganha, a campanha passa a debater o futuro do País e o futebol vai ficar para especialistas como eu – brincou.
 
 
Quanto às manifestações de rua, Lula ressalta que “ainda há pouco tempo a gente não esperava que pudessem acontecer manifestações. E elas aconteceram sem qualquer radicalização inicial, porque as pessoas reivindicavam saúde padrão Fifa, educação padrão Fifa; poderiam ter reivindicado saúde padrão Interlagos, quando há corrida, ou padrão de tênis, Wimbledon, na hora do tênis”.
 
 
– Eu acho que isso é até saudável, o povo elevou seu padrão reivindicatório. E é plenamente aceitável dentro do processo de consolidação democrático que vive o Brasil. Eu acho que, ao realizar a Copa, o governo assumiu o compromisso de garantir o bem-estar e a segurança dos brasileiros e dos torcedores estrangeiros. Quem quiser fazer passeata que faça, quem quiser levantar faixa, que levante, mas é importante saber que, assim como alguém tem o direito de protestar, o cidadão que comprou o ingresso e quer ir ver a Copa tenha a garantia de assistir aos jogos em perfeita paz – ponderou.
 
 
Leia, adiante, os principais trechos da entrevista:
 
 
– O povo brasileiro amadureceu e nós entendemos que o resultado da Copa será bem menos importante do que foi em 1950. Mesmo que a seleção perca, não haverá tragédia. Deste ponto de vista. Efeitos sobre as eleições podem ocorrer em função das chamadas manifestações.
 
 
– Eu tenho certeza de que a presidenta Dilma e os governos estaduais estão tomando toda a responsabilidade para garantir a ordem. Com isso podemos ficar tranquilos, é questão de honra para o governo brasileiro. O que está em jogo é também a imagem do Brasil no exterior. De qualquer maneira, acho que não vai ter violência, e, se houver será tão marginal a ponto de ser punida pela própria sociedade. Agora se um sindicato quer fazer uma faixa “abaixo não sei o quê, 10% de aumento”, é seu direito.
 
 
Eu me lembro que disse ao ministro José Eduardo Cardozo, quando começou a se aventar a possibilidade de uma lei contra os mascarados: “Olha, gente, nem brincar com lei contra mascarados porque a primeira coisa que iremos prejudicar vai ser o Carnaval, não os mascarados”.
 
 
A Constituição e o Código Penal definem claramente o que é ordem e o que é desordem e, portanto, o governo tem mecanismos para evitar qualquer abuso. Recomenda-se senso comum. Nesses dias tentaram até confundir uma frase minha sobre uma linha de metrô até os estádios. Em 1950, no Maracanã cabiam 200 mil pessoas, mais de duas vezes as assistências atuais. É verdade, havia menos carros nas ruas, infinitamente menos carros, mas também não havia metrô.
 
 
 
– De todo modo, vale a pena realizar uma Copa?
 
 
– Discordo daqueles que defendem a Copa no Brasil dizendo que vão entrar R$ 30 bilhões, ou que geraremos novos empregos. O problema não é econômico. A Copa do Mundo vai nos permitir, no maior evento de futebol do mundo, mostrar a cara do Brasil do jeito que ele é. O encontro de civilizações, o resultado dessa miscigenação extraordinária entre europeus, negros e índios que criou o povo brasileiro. Qual é o maior patrimônio que temos para mostrar? A nossa gente.
 
 
 
– Em que medida essas manifestações nascem do fato de que houve uma ascensão econômica? Aqueles que melhoraram de vida reivindicam mais saúde, mais educação.
 
 
– Não há apenas uma explicação para o que está acontecendo. Precisamos aprender a falar com o povo, para que entenda o momento histórico.
 
 
O jovem hoje com 18 anos tinha 6 anos quando ganhei a primeira eleição, 14 anos quando deixei de ser presidente da República. Se ele tentar se informar pela televisão, ele é analfabeto político. Se tentar se informar pela imprensa escrita, com raríssimas exceções, ele também será um analfabeto político. A tentativa midiática é mostrar tudo pelo negativo.
 
 
Agora, se nós tivermos a capacidade de dizer que certamente o pai dele viveu num mundo pior do que o dele, e se começarmos a mostrar como a mudança se deu, tenho certeza de que ele vai compreender que ainda falta muito, mas que em 12 anos, passos adiante foram dados.
 
 
 
– O governo não soube se comunicar?
 
 
– Eu acho. Eu de vez em quando gosto de falar de problema histórico, para a gente entender o que de fato aconteceu neste país. Já disse e repito: Cristóvão Colombo chegou em Santo Domingo, em 1492, e em 1507 ali surgia a primeira faculdade. No Peru, em 1550, na Bolívia, em 1624. O Brasil ganhou a primeira faculdade com dom João VI, mas a primeira universidade somente em 1930. Então você compreende o nosso atraso. Qual é o nosso orgulho? Primeiro, em 100 anos, o Brasil conseguiu chegar a 3 milhões de estudantes em universidades. Nós, em 12 anos, vamos chegar a 7,5 milhões de estudantes, ou seja, em 12 anos, nós colocamos mais jovens na universidade do que foi conseguido em um século. Escolas técnicas. De 1909 até 2002, foram inauguradas 140. Em 12 anos, nós inauguramos 365. Ou seja, duas vezes e meia o número alcançado em um século.
 
 
 
E daí você consegue imaginar o que significa o Reuni ao elevar o número de alunos por sala de aula, de 12 para 18. Ou o que significa o Ciências Sem fronteiras, o Fies: 18 universidades federais novas. Pergunta o que o Fernando Henrique Cardoso fez? Se você pensar em 146 campi novos, chegará à conclusão de que foi preciso um sem diploma na Presidência da República para colocar a educação como prioridade neste país. Nós triplicamos o Orçamento da União para a educação. É pouco? É tão pouco que a presidenta Dilma já aprovou a lei permitindo 75% dos royalties para a educação. É tão pouco que a Dilma criou o Ciência Sem Fronteiras para levar 65 mil jovens a estudar no exterior. É tão pouco que ela criou o Pronatec, que já tem 6 milhões de jovens se preparando para exercer uma profissão. Isso tudo estimula essa juventude a querer mais.
 
 
 
Tem de querer mais. Quanto mais ela reivindicar, mais a gente se sente na obrigação de fazer. Quem comia acém passou a comer contrafilé e agora quer filé. E é bom que seja assim, é bom que as pessoas não se nivelem por baixo. Eu sempre fui contra a teoria de que é melhor pingar do que secar. Quanto mais o povo for exigente e reivindicar, forçará o governo a fazer mais. O que é ruim? A hipocrisia. Nós temos um setor médio da sociedade, que ficou esmagado entre as conquistas sociais da parte mais pobre da população e os ricos, que ganharam dinheiro também. A classe média, em vários setores, proporcionalmente ganhou menos. Toda vez que um pobre ascende um degrau, quem está dez degraus acima acha que perdeu algumas coisas. A Marilena Chauí tem uma tese que eu acho correta: um setor da classe média brasileira que às vezes também é progressista, do ponto de vista social, mas não aprendeu a socializar os espaços públicos e então fica incomodado.
 
 
 
 
– Nós entendemos que o problema é representado pela elite brasileira. Quem se empenha contra a igualdade?
 
 
– Eu sou o mais crítico do comportamento da elite brasileira ao longo da história. Este país foi o último a acabar com a escravidão, foi o último a ser independente. Só foi ter voto da mulher na Constituição de 34. Tudo por aqui resulta de um acordo, inclusive um acordo contra a ascensão social. Na Guerra dos Guararapes, quando pretos e índios quiseram participar, a elite disse “não, não vai entrar, porque depois que terminar essa guerra vão querer se voltar contra nós”.
 
 
 
 
– Permita-nos insistir: como vencer as resistências da elite, atiçada pela mídia?
 
 
– No movimento sindical, em 1969, comecei a negociar com a Fiesp, certamente a elite era muito mais retrógrada do que hoje. Eu lembro quando nós constituímos a primeira grande comissão de fábrica na Volkswagen nos anos 80, nós fomos pedir a Antônio Ermírio de Moraes a criação de uma comissão de fábricas na sua indústria química de São Miguel Paulista, e significava trabalhador querendo mandar na empresa dele. Hoje tem uma classe empresarial, mais jovem, que já compreende a importância da negociação coletiva. Mesmo assim, permanecem setores retrógrados. Ainda temos coronel que mata gente por este Brasil afora por briga de terra. Nesses dias a Nissan americana não queria deixar seu pessoal sindicalizar-se por lá mesmo e eu tive de mandar uma carta para o presidente da empresa. Mas voltemos à mídia.
 
 
 
 
– A mídia nutre essa elite.
 
 
– Eu certamente não sou especialista nesta questão da mídia e nunca tive muita simpatia dos seus donos. Toda vez que tentei conversar com eles, cuidei de explicar que ao governo não interessa uma mídia chapa-branca, como foram no governo Fernando Henrique Cardoso. Eu não quero isso, não quero que tratem o PT como trataram a turma do Collor nos dois primeiros anos do seu mandato. Agora, também é inaceitável a falta de respeito com Dilma. Se querem falar mal, façam-no no editorial do jornal. Na hora da cobertura do fato, publiquem o fato como ele é. Nunca liguei para o dono de mídia pedindo para fazer essa ou aquela matéria, mas o respeito há de ter, tanto mais por parte da comunicação, que é concessão do Estado. Respeito à instituição, e acho que eles saíram de um momento em que lambiam as botas da ditadura e evoluíram para o pensamento único a favor de FHC, e contra o meu governo e contra o da Dilma, e contra a presidenta com agressividade ainda maior.
 
 
 
 
– E em termos de informação?
 
 
– Quando eu cito os números da educação, por exemplo, é porque nunca foram divulgados por esta mídia. É como se houvesse a obrigação de omitir, sem perceber que com isso se desrespeita o próprio público, que lê, ouve ou assiste. Nem o recente Ibope eles divulgaram. Nem comentaram a inauguração da Rodovia Norte-Sul, que passaram três anos criticando. Há uma predisposição ao negativismo, e isso contribui para uma desinformação da sociedade brasileira. E uma questão é ideológica, se fosse econômica, eles deveriam ir todo dia à igreja acender uma vela para mim, porque muitos estão quebrados e se salvaram no meu governo. Eu estou com a alma tão leve, eu até acho normal o que eles fazem. Vem esse metalúrgico, que a gente supunha destinado a um fracasso total, e é um sucesso. Vem essa mulher aí, que a gente achava um poste, e ela não é um poste. E essa mulher vai se eleger outra vez.
 
 
 
 
– Insistimos novamente: o governo não se comunica?
 
 
– Vocês estão certos, não se comunica, eu tenho falado para o Guido Mantega, para a Dilma: vendo como está o mundo hoje, a cada dois meses o governo tem de fazer igual uma empresa com seus acionistas, que têm fundos de pensão. Ou seja, você tem de fazer viagens e convencer o fundo de que a sua empresa é rentável e vale a pena investir. Então, a cada dois meses o governo brasileiro tem de ir a Nova York, não para falar com aposentados brasileiros, mas com o investidor. Já falei com o Itamaraty, com Bradesco, Santander, todos se dispõem a articular os maiores debates brasileiros para mostrar ao mundo realizações e potencialidades. A Petrobras tem de viajar a cada 30 dias para onde tem investidor. Não podemos ficar por conta de um jornalista inglês que copiou matéria de um jornalista que vive no Rio de Janeiro e fica procurando matéria em jornal para se inspirar. O Brasil precisa reconhecer enquanto vira a sétima economia mundial com viés de ser a quinta, que lá fora já não se fala bem da gente. José Luis Fiori escreveu um artigo comparando Brasil e México para acabar com o complexo de vira-lata de quem fala que o Brasil está pior que o México. O que o México tem melhor que o Brasil? Eu quero que o México fique cada dia mais rico, mas a comparação com o Brasil é inadequada, porque o Brasil é maior que o México em tudo.
 
 
Dias atrás, estava aqui com meu amigo Gerdau e perguntei: como está o setor siderúrgico? E ele: não está muito bem. Perguntei: quanto é que você está ganhando no Brasil? Somente aqui, respondeu. Perguntem para o Josué Gomes da Silva, da Coteminas, onde ganha dinheiro? No Brasil. O mercado interno brasileiro é uma bênção de Deus que a elite não sabia existir, eles nunca imaginaram que podíamos ultrapassar os 35 milhões de consumidores.
 
 
 
– Que chances há de mudar essa falha do governo?
 
 
– Não é fácil, eu sei o que foram meu primeiro e segundo mandatos. Tenho dito com a Dilma que não tem de dar ouvidos a quem fala que gastamos muito com publicidade. Eu acho que, se foi anunciado um programa hoje, e no segundo dia não houve repercussão, vai em rede nacional. O governo tem de dizer o que a mídia não divulgou, porque se não disser, o silêncio se fecha sobre o fato. Dois dias de tolerância, e coloca um ministro em rede nacional, não precisa ir a presidenta todo dia. Mas não fiquemos nisso. O Marco Regulatório tem de ser compreendido. Não é censura, queremos é fazer valer a Constituição de 88, tanto mais quando entram em cena Facebook e companhia, eu nem sei o nome de tudo. Existe Marco Regulatório de 1962. O Franklin Martins foi feliz ao observar: “Em 62, a gente tinha mais televizinhos do que televisores”. Eu lembro que menino ia à casa do vizinho ver televisão, a gente só podia sentar no chão, o sofá era do dono da casa e ele ainda pisava no dedo da gente. Para assistir luta livre, tinha de gastar dinheiro no bar, o dono cobrava. Hoje acontece essa revolução tecnológica e você não quer discutir sua regulamentação? Então, o Marco Regulatório e a reforma política são dois temas de ponta que o PT tem de assumir. Temos de convocar uma Constituinte própria para fazer uma reforma política.
 
 
 
– O que seria esta Constituinte própria?
 
 
– Não se destinaria a elaborar uma nova Constituição, e sim discutir a reforma política, exclusivamente. O Congresso tem de aprovar a ideia do plebiscito, e na convocação você diz o que é. E aí, não faltam recursos jurídicos para adotar a nomenclatura adequada. É insuportável governar com o Congresso tomado por tantos partidos. É preciso ter critério para organizar um partido, tem de haver cláusula de barreira.
 
 
 
– E essa história que a imprensa criou do “Volta Lula”?
 
– O “Volta Lula” começou já na época que eu era presidente, quando pediam o terceiro mandato. Eu, graças a Deus, aprendi a ter responsabilidade muito cedo. E aprendi que, ao aceitar o terceiro mandato, por me achar insubstituível, poderia permitir que outros também achassem, com a possibilidade de alguém, algum dia, tentar o quarto. Não é prudente brincar com a democracia. Cumpri meus dois mandatos, saí cercado pelo carinho do povo. Se, em algum momento, tiver de voltar, posso daqui a 4 anos. Mas não é a minha prioridade. Estarei então com 72 e acho que tem de ser gente mais jovem, com mais vigor físico e capacidade de administração. Mas em política a gente não pode dizer que não, nem sim. Nunca me passou pela cabeça voltar. Em todo caso, minha relação com a Dilma é muito forte, e de muito respeito e admiração pelo caráter dela. Bem formada ideologicamente e muito leal. Nunca iria disputar sua candidatura. Não faltou quem quisesse minha volta, mas quando o Rui Falcão botou em votação, deixei claro: “Quero que saibam, sou candidato a cabo eleitoral da companheira Dilma Rousseff para o segundo mandato à Presidência da República”.
 
 
 
– E quanto aos adversários?
 
– Conheço o Eduardo Campos, é meu amigo, gosto dele profundamente. Conheço o Aécio, ele não tem a mesma firmeza ideológica do Eduardo, tem outro compromisso, é um representante mais afinado com a elite. Mas a Dilma é a mais preparada. Fico triste que não conseguimos construir algo capaz de manter o Eduardo Campos junto da gente. Mas era destino.
 
 
– E a Marina?
 
– Eu gosto muito da Marina, como figura humana. Foi minha companheira no PT por 30 anos, tenho por ela um carinho muito grande, mas acho que, de vez em quando, comete equívocos na análise política dela, meio messiânica. Imaginei-a candidata e agora entra de vice. Nisso não consigo entender a Marina. Mas não confundo relação de amizade com a minha decisão política. Tenho amizade com o Aécio mais formal do que com o Eduardo e sua família.
 
 
 
– Dilma ganha no primeiro turno?
 
– A ganhar no primeiro turno por 51% a 49% prefiro ganhar no segundo turno, com 65% a 35%. Reeleição é sempre muito difícil, mas no segundo turno você pode consolidar um processo de alianças com a coalisão e você é eleito com mais desenvoltura, e também permite fazer um debate mais profundo. No primeiro turno todo mundo fala a mesma coisa, promete tudo para o povo. Eu acho que a Dilma está tranquila. Se em 2002 a esperança venceu o medo, acho que agora a esperança e a certeza do que pode ser feito pode vencer o ódio.
 
 
 
– Como analisar o avanço na relação dos BRICS?
 
– Neste mundo globalizado a gente tem de procurar parceiros. Acabou o tempo em que o mundo pobre esperava tudo da Europa e dos Estados Unidos. Então, eu penso que o Brasil tem de fortalecer as suas relações. Eu sou da tese de que a gente tem de criar um colchão de proteção do Brasil em suas relações externas, do ponto de vista estratégico, do ponto de vista da segurança, econômico, do ponto de vista estratégico do desenvolvimento científico-tecnológico. Porque quem já tem não quer repartir com a gente. Por isso o Brasil há de fortalecer cada vez mais sua participação, sobretudo na América do Sul. E ter aqui, na América do Sul, algo muito forte na área do comércio e da interação das nossas empresas. Ter empresas fortes e bancos de desenvolvimento fortes. O BNDES tem de arcar com um papel mais importante e a gente tem de construir o Banco Sul. Acho que temos de fazer o mesmo com a África, porque agora, no século XXI, a África dará um salto de qualidade. E com os BRICS, precisamos tomar decisões políticas.
 
 
Nós somos uma espécie de pêndulo do planeta, então não podemos ficar dependendo do dólar para fazer negócio. Temos de construir, e não esperar que o mundo construído no século XIX, no começo do século XX, venha nos salvar. Nós podemos fazer a diferença. Eu acho que esse acordo da Rússia com a China, esse negócio do gás, foi um tapa de pelica na cara da Aliança do Atlântico. Acho que os BRICS devem funcionar como uma espécie de segurrança na relação de cinco economias importantes. Por que eu falo isso? O Mercosul, quando cheguei à Presidência, não valia nada. A Alca é que estava na moda. Nós não implantamos a Alca e o Mercosul passou de 10 bilhões para 49 bilhões de fluxo de comércio exterior. A América do Sul não valia nada, o Brasil não conversava com ninguém, ninguém conversava com o Brasil.
 
 
– Não é de interesse da elite que esses dados apareçam.
 
– O Brasil é o primeiro produtor, e primeiro exportador, de carne processada, suco de laranja, tabaco, o segundo de soja. Tudo que você imaginar, o Brasil está entre os cinco do mundo. Vamos gostar deste país!