domingo, 14 de julho de 2013

Seis mil sem-teto no quintal do presidente


Crise econômica fez o número de miseráveis na capital da maior potência global subir 10%

23 de junho de 2013 | 2h 03

DENISE CHRISPIM MARIN , CORRESPONDENTE / , WASHINGTON - O Estado de S.Paulo
Charles, Chris, Vendora, Anne, Paul, Sigfredo e mais de seis mil pessoas fazem parte da triste paisagem humana nas vizinhanças da Casa Branca. Frustrados com as promessas não cumpridas pelo vizinho mais nobre, o presidente dos EUA, Barack Obama, eles têm em comum a condição de sem-teto na capital da maior potência do planeta.
Em Washington, há 6.865 pessoas sem habitação, segundo um recente estudo da associação independente Metropolitan Washington Council of Governments. Trata-se de 1% da população, concentrado especialmente na região onde estão os prédios do governo, monumentos, museus, escritórios de lobby, centros de estudos, hotéis e restaurantes. Somados, os sem-teto da região metropolitana de Washington, que abrange cidades vizinhas dos Estados de Virgínia e Maryland, são 11,5 mil pessoas.
A crise financeira contribuiu especialmente para que o número de sem-teto de Washington aumentasse 10% entre 2009, quando foram percebidos os sinais mais profundos da débâcle econômica, e 2012. Obama começou seu governo em 2009. Mas não caminhou nas redondezas para observar o que se passa nos arredores do poder.
Os gramados das praças Franklin e McPherson, a poucas quadras da sede do governo, têm moradores fixos, assim como as calçadas do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Correio dos EUA, as saídas de ar da estação Metro Center e a marquise da Biblioteca Martin Luther King.
"Eu queria que, em vez de desperdiçar o dinheiro com a guerra do Afeganistão, a vigilância sobre telefones e mais uma lista infinita de coisas estúpidas, o governo olhasse para albergues e oferta de casas a sem-teto, para educação e a saúde", afirmou James Barclay, 59 anos, veterano do Vietnã e aposentado depois de um acidente de trabalho em uma construção.
"Sei o que está se passando no país. Leio os jornais. Tenho muito tempo pra isso. É chocante ver a quantidade de sem-teto em Washington", completou TJ, de 45 anos, mais conhecido na Praça Franklin como Chris.
Barclay tenta há anos ter acesso aos programas de ajuda oferecidos pelo Departamento de Veteranos, cujo prédio está a apenas uma quadra da praça Franklin. Já se inscreveu várias vezes, sem sucesso. Ele não fala dos combates no Vietnã. Conta ter se alistado voluntariamente, viajado durante anos pelo país depois do conflito e mergulhado no alcoolismo e nas drogas. Livre dos vícios, mas enfermo, ele hoje dorme "como um gato", para não ser roubado por outros sem-teto.
Os veteranos de guerras formam um grupo especial entre os sem-teto de Washington. Atualmente, 499 veteranos vivem na cidade nessas condições. Em 2009, eram 702. Na região metropolitana, houve queda de 31% nesse total - de 1.004 para 692. Em boa medida, a redução deveu-se a programas do Departamento de Veteranos e às famílias.
Ex-presidiário, TJ escolheu a Praça Franklin para "estacionar" um carrinho de supermercado repleto de seus últimos pertences. Instalou-se no local há seis semanas como "ato de protesto" contra a presença, ao redor do jardim, das mais abastadas consultorias de lobby de Washington. Na hora do almoço, funcionários dos escritórios dividem com os sem-teto os bancos, enquanto comem tacos ou sanduíches comprados em trailers de fast-food.
Segundo o estudo, 512 pessoas estão vivendo nas ruas, sem procurar abrigos. Barclay afirmou preferir a praça a misturar-se com pessoas que não se banham e com os viciados em drogas. "Há muitas situações ruins dentro de um albergue", afirma. Mas há quem prefira o conforto de uma cama.
Há sete anos, Paul Allou espera todo fim de tarde na marquise da Biblioteca Martin Luther King pelo ônibus que leva pessoas sem-teto do centro para os diferentes albergues de Washington. Dorme e se alimenta no abrigo e, na manhã seguinte, retorna para o mesmo lugar. A biblioteca, a seis quadras da Casa Branca e vizinha do National Portrait Museum, tornou-se um celeiro de sem-teto. O ex-professor de Literatura Francesa em colégios da Costa do Marfim agora passa os dias pesquisando e lendo.
Allou emigrou para os EUA há 23 anos esperando encontrar uma vida melhor e mais fácil. Escapou de duas guerras civis em sua terra natal na última década. Na América, trabalhou como carpinteiro em construções até ser demitido, em 2006. Desde então, procura emprego e vive com os US$ 200 mensais recebidos do programa Selo Comida, do governo federal, e de bicos como jardineiro e pintor de paredes.
"Estava animado com a reeleição do Obama. Fiz campanha por ele. Mas eu continuo estagnado, mais ainda do que a economia dos EUA, e à procura de trabalho", afirmou Allou pouco antes de tomar o ônibus. "Ser um sem-teto é como perder-se a si mesmo. É muito frustrante", completou.
A esperança da maioria dos sem-teto é conseguir uma casa onde possam viver de forma independente. O aluguel de um quarto modesto em Washington não sai por menos de US$400. Instituições como o albergue CCNV e a Christ House têm programas para subsidiar o aluguel de apartamentos, com a ajuda do governo municipal. Mas a demanda extrapola a oferta.
Vendora tornou-se uma sem-teto em 2006, quando perdeu seu emprego no governo da capital. Ela reparava ruas. Sem trabalho, perdeu a casa e não quis pedir ajuda à família, para não comprometer sua independência. No dia 25, deverá receber seu apartamento do CCNV. "O meu sonho, agora, é comprar a mobília", afirmou.
Segundo o estudo o estudo da Metropolitan Washington Council of Governments, o uso crônico de drogas e álcool, o histórico de prisões, a deficiência física e a doença mental severa estão entre os males sofridos pela grande maioria dos sem-teto. A violência doméstica supera essas mesmas causas quando se trata de famílias que vivem em albergues. Em Washington, há 983 famílias sem-teto.
"Certamente, a habilidade de tratar um grande número de indivíduos com problemas de saúde mental teria um efeito positivo na redução do número de pessoas sem-teto", afirmou Hilary Chapman, uma das autoras do estudo do COG.

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