Versão para Impressão |
Envie para um amigo |
10/07/2013 18:29 |
Nove de julho de 1932 foi uma noite fria de inverno. A capital paulista, que ainda não tinha completado o seu primeiro milhão de habitantes, vivia apenas a movimentação nos cinemas, teatros e cafés. Depois das 22h, grupos de homens vestidos com roupas pesadas se dirigiram para o bairro da Luz, onde se localizava o quartel da então Força Pública do Estado (hoje Polícia Militar). Na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, se concentravam vários estudantes. Por volta das 23h, três caminhões da Prefeitura de São Paulo chegavam ao prédio da velha academia, com uma carga inusitada - armamento, que foi distribuído rapidamente entre os jovens acadêmicos e populares que lá estavam, que logo após começaram a circular pelas ruas do centro. Uma das primeiras atitudes desses civis foi ocupar os prédios das três emissoras de rádio existentes na Capital, a Educadora Paulista, a Record e a Cruzeiro do Sul. Concomitantemente, tropas regulares armadas com fuzis eram vistas sendo transportadas por caminhões por diversas vias da cidade. Aqueles que retornavam para suas residências se assustavam com aquela movimentação militar. Por volta da meia noite, a milícia paulista ocupou o imponente edifício dos Correios e Telégrafos, localizado na esquina da Avenida São João com o Vale do Anhangabaú e logo depois a sede da Companhia Telefônica. A maior movimentação era na sede na 2ª Região Militar, localizada na Chácara do Carvalho, antiga propriedade da família Silva Prado, e afastada do centro da cidade. O comandante da 2ª RM, general José Luís Pereira de Vasconcellos, recém nomeado para o posto, estava a caminho de São Paulo, vindo em um trem da Central do Brasil, do Rio de Janeiro, e tomou conhecimento das ocorrências na capital quando se encontrava na cidade de Lorena, no vale do Paraíba. Na ausência do comandante, assumiu as tropas federais em São Paulo, designado pelo general Isidoro Dias Lopes, o coronel Euclydes Figueiredo (pai do ex-presiden-te da República, João Baptista Figueiredo). Um comunicado do comando da 2ª Região Militar foi transmitido por intermédio das estações de rádio: "De acordo com a frente única paulista e com a unânime aspiração do povo de São Paulo e por determinação do general Isidoro Dias Lopes, o coronel Euclydes Figueiredo acaba de assumir o comando da 2ª Região Militar, tendo como chefe do Estado-Maior o coronel Palimércio de Rezende. A oficialidade da região assistiu incorporada, no quartel general, a posse do coronel, nada havendo ocorrido de anormal. Reina em toda a cidade intenso júbilo popular e o povo se dirige em massa aos quartéis, pedindo armas para a defesa de São Paulo". Notícia chega ao Rio A adesão das guarnições militares do Exército, inclusive do 4º Regimento de Infantaria sediado no quartel de Quitaúna, no então distante bairro de Osasco, com seu poderoso armamento pesado de canhões, foi total na madrugada do dia 10 de julho. Reunido no Palácio dos Campos Elíseos desde a noite anterior com seu secretariado, o interventor federal Pedro de Toledo encaminhou telegrama ao chefe do governo provisório, presidente Getúlio Vargas, apresentando seu pedido de renúncia do cargo. Com o apoio do Exército, da Força Publica e do povo, ficou decidido aclamar Pedro de Toledo como governador do Estado, em manifestação marcada para as 15h daquele 10 dejulho, em frente ao largo do Palácio (Pátio do Colégio), onde se localizava a sede do governo do estado, desde o tempo do Império. No Rio de Janeiro, as notícias chegaram ao amanhecer do domingo, dia 10. Getúlio Vargas, informado da verdadeira rebelião paulista, convocou uma reunião de emergência com todo o ministério no Palácio do Catete, sede do governo federal. O general Pedro Aurélio de Góes Monteiro foi então nomeado comandante das tropas governamentais que iriam combater os revoltosos. Dentro do governo da República a situação era confusa, com problemas em várias áreas. Getúlio tinha sido informado que havia apenas 4.700 carabinas, mas no dia seguinte, para alivio dos governistas, chegou nova informação dando conta de que as tropas federais dispunham de fato de 180 mil armas. A situação em São Paulo vinha se agravando desde o aniversário da cidade, em 25 de janeiro, quando uma imensa multidão realizou na Praça da Sé um comício, no qual foi exigido o retorno da democracia ao Brasil, com a convocação de uma Constituinte. A mudança constante de interventores nomeados para governar o Estado Bandeirante e a ingerência do governo federal na política interna paulista, inclusive escolhendo ou vetando nomes para o secretariado estadual, culminou na noite de 23 de maio, em uma manifestação na Praça da República. A multidão resolveu tomar de assalto a sede da Legião Revolucionária, ligada a Getúlio Vargas. A turba foi recebida a bala e o grave conflito resultou em feridos e vítimas fatais entre os manifestantes envolvidos no protesto. O confronto na Praça da República resultou na morte a tiros de Mário Martins de Almeida, (fazendeiro na cidade de Sertãozinho, 31 anos), Euclydes Bueno Miragaia (auxiliar de cartório em São Paulo, 21 anos), Dráusio Marcondes de Souza (ajudante de farmácia na capital, 14 anos) e Antônio Américo de Camargo Andrade (comerciário em São Paulo, 30 anos). Com as siglas de seus nomes formou-se o MMDC, uma sociedade secreta, organizada no dia 24 de maio, e que em 10 de agosto de 1932, pelo Decreto 5627-A, foi oficializada pelo governo estadual, tendo colaborado muito com a Revolução Paulista. Posteriormente, esse tiroteio faria mais uma vítima: Orlando Oliveira Alvarenga (escrevente, 32 anos), também baleado em 23 de maio e que em consequência dos ferimentos morreria no dia 12 de agosto. A data marcada para o início do movimento seria o dia 14 de julho, dia da queda da Bastilha e data máxima da Revolução Francesa, mas a atitude do general Bertholdo Klinger, comandante da circunscrição militar do Mato Grosso, enviando uma carta desaforada ao ministro da Guerra, general de divisão Augusto Ignácio Espírito Santo Cardoso (tio-avô do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso), precipitou os acontecimentos. Ao tomar conhecimento do teor da missiva, Klinger foi exonerado do comando e reformado administrativamente pelo governo. Essa atabalhoada e intempestiva postura custaria muito caro para os revolucionários. O general Bertholdo Klinger se viu obrigado a deixar o comando e com isso não pode contar com a adesão de sua tropa à causa paulista, para desapontamento de todos. De avião, chegou sozinho à capital de São Paulo, mas mesmo assim assumiu o comando das tropas constitucionalistas e passou a orientar as operações militares em direção ao Rio, abandonando outros setores. Início do confronto Uma das primeiras medidas tomadas pelo governo federal foi determinar o bloqueio de todos os portos paulistas, inclusive o de Santos, com navios da Marinha de Guerra. Apesar da precipitação da revolta, o governo federal teve tempo de organizar e receber adesão de outros Estados da Federação, alguns inicialmente comprometidos com os paulistas. No domingo, dia 17 de julho, em companhia do ministro da Guerra e auxiliares de governo, das Casas Civil e Militar, Getúlio Vargas foi até a zona de guerra na divisa dos Estados do Rio de Janeiro, e São Paulo, onde visitou as tropas em operações, e também esteve no quartel general em Barra Mansa, onde o general Góes Monteiro e seu estado maior informaram da situação e dos planos de ação. No dia seguinte, as tropas mineiras tomaram a cidade de Passa Quatro, e o Túnel (entre Rio de Janeiro e São Paulo, na linha da Estrada de Ferro Central do Brasil), abrindo um flanco para a cidade de Cruzeiro. No sul, as tropas legalistas gaúchas e paranaenses, sob o comando do general Waldomiro Lima, ocuparam Itararé e no dia 24, Faxina (hoje Itapeva). Na capital de São Paulo e em diversas cidades do interior a mobilização foi total, com a adesão da população, que voluntariamente colaborou sem medir esforços. Nada menos que 200 mil homens se apresentaram para lutar, mas não havia armas para todos; somente perto de 30 mil puderam efetivamente ser aproveitados. A mulher paulista participou ativamente, não só costurando uniformes, como também nas cozinhas, em enfermarias, e na confecção dos conhecidos capacetes de aço. O Instituto de Pesquisas Tecnológicas também ajudou efetivamente com o movimento Constitucionalista, elaborando e fabricando armamentos, como a criação de tanques lança-chamas e até do famoso trem blindado. Este poderia ter tido um papel preponderante na Revolução se tivesse sido feito antes; com o elemento surpresa poderia ter ido até a então Capital Federal levando tropas e depondo o governo federal. No dia 23 de julho, em um quarto do Hotel La Plage, no Guarujá (então pertencente ao município de Santos), após ter conhecimento que aviões estavam atacando posições em terra e no mar, o grande brasileiro Alberto Santos Dumont, deprimido, pôs termo a sua vida, deixando o país de luto. As autoridades policiais de São Paulo acobertaram que o inventor havia cometido suicídio; somente após o fim da Revolução Constitucionalista é que foi autorizada a divulgação dessa triste informação. Mas a luta continuava. Os constitucionalistas invadiram nos primeiros dias do movimento as cidades mineiras de Guaxupé, Pouso Alegre e Três Corações, que foram retomadas pelas tropas de Minas Gerais no dia 24 de julho. Por causa da demora na mobilização e na ofensiva, as tropas revolucionárias acabaram sendo obrigadas a agir somente na defensiva; em poucos dias o território paulista foi cercado em todas as suas divisas. O governo federal, com o apoio e solidariedade dos interventores dos outros Estados, recebeu notadamente do então chamado norte do país milhares de soldados de tropas regulares, tanto do Exército como das policias estaduais, e alguns Estados, como o Rio Grande do Sul, mandaram voluntários para combater os revoltosos. A ofensiva das tropas federais conseguiu, em 27 de julho, atravessar o rio Paraíba e tomar a cidade de São José do Barreiro, apreendendo material militar e fazendo inúmeros prisioneiros e também bateram os paulistas na serra da Mantiqueira e invadiram São Paulo pelo sul de Minas. Os paulistas possuíam uma aviação militar pertencente à Força Pública, que estava baseada no Campo de Marte. Uma das proezas dos pilotos paulistas foi lançar sobre a cidade do Rio de Janeiro, para a surpresa da população carioca e do próprio governo, panfletos no qual explicavam a razão da Revolução Constitucionalista. Estudantes na Capital Federal em conluio com outros interessados resolveram praticar atentados, as autoridades policiais, em represália, realizaram várias prisões. Ainda não existia o Ministério da Aeronáutica, e a aviação militar do governo central era constituída pela aviação militar do Exército e outra da Marinha de Guerra. Os aviões legalistas - conhecidos como vermelhinhos, em virtude de sua cor -, após serem armados com bombas, atacaram diversos pontos do Estado de São Paulo, inclusive a usina hidrelétrica de Cubatão, a Henry Borden, no dia 29 de julho, que fornecia energia elétrica para São Paulo. A situação não era tranquila entre nas hostes governamentais. Ao receber uma correspondência de Getúlio Vargas, em 6 de agosto, na qual informava as dificuldades de natureza político-militar, o general Góes Monteiro, sentindo-se desprestigiado e achando que faltava confiança por parte do governo, pediu demissão do cargo de comandante das tropas legalistas. De pronto, o presidente negou o pedido. No sul, as tropas do general Waldomiro Lima estavam em situação calamitosa, sendo atacadas por aviões constitucionalistas, e não dispunham de armamentos próprios para combatê-los. Em 9 de agosto, Areias, no vale do Paraíba, foi ocupada, e Queluz foi cercada. A cidade de Cruzeiro foi a próxima visada pelas tropas governamentais, fazendo os revoltosos paulistas recuar. No dia seguinte, as cidades de Queluz e Silveiras foram evacuadas, obrigando os constitucionalistas a formarem uma linha de resistência em Cachoeira Paulista. As tropas de São Paulo, na frente leste, bombardearam de suas linhas de defesa, com canhões 105 mm. Nesse mesmo dia, 14 de agosto, sigilosamente, um emissário do general Klinger chegou ao Rio de Janeiro com uma carta ao ministro da Marinha, com uma proposta de armistício, no mesmo teor em que fora apresentada pelo ex-ministro da Justiça Mauricio Cardoso, que posteriormente foi recusada, mas ainda acrescentava a exigência da saída de Vargas do poder. Essa correspondência deixava patente as divergências com os civis paulistas e ainda desejava um entendimento entre os militares para um governo militar em São Paulo. Repercussão no exterior Uma grave preocupação de Getúlio Vargas foi com o governo francês, que, apesar de ter recebido do governo brasileiro os valores referentes à compra de armamentos, protelava o envio dessa aquisição, sob a alegação de "fins humanitários". Dos EUA, também haviam sido comprados armamentos e aviões, mas a única informação que o governo do Brasil tinha era que cinco aviões haviam sido embarcados por via marítima para o Rio de Janeiro. No dia 22, é travado o mais importante combate na região sul, em Buri. Na Capital Federal, o general Góes Monteiro, em palestra com Vargas e com o ministro da Guerra general Espirito Santo Cardoso no Palácio do Catete, descreveu as deficiências da organização, as falhas do Exército, a escassez de material e a situação dúbia do governo mineiro, cujas forças policiais não queriam atacar o território paulista. Em reunião ministerial na sede do governo, na noite de 25 de agosto, foram discutidas e reiteradas as condições para a paz, já apresentadas por Mauricio Cardoso e pelo ministro da Marinha Protógenes Guimarães: 1) Deposição das armas pelos rebeldes; 2) Novo governo civil e paulista; 3) Anistia; e 4) Constituição provisória até que a futura Constituinte votasse a definitiva. A situação do lado dos paulistas foi se complicando e, em 31 de agosto, a cidade de Itapira foi tomada por tropas do governo federal vindas de Minas Gerais, grande número soldados paulistas foram feitos prisioneiros e apreendendo todo o material bélico. Uma semana depois foram ocupadas Mogi-Mirim e Mogi-Guaçu. Em uma carta recebida pelo ministro da Marinha, o coronel Brasílio Taborda, chefe da coluna sul das tropas paulistas, confessou tacitamente a derrota e "ofereceu" ao ministro a chefia do governo provisório no lugar de Getúlio... Em Belém do Pará, em 6 de setembro, quando da chegada dos prisioneiros do forte de Óbidos, houve uma rebelião na capital, e no dia seguinte estourou um levante por parte da Polícia Civil paraense. Esses dois motins foram sufocados por tropas leais ao interventor major Joaquim de Magalhães Barata e os envolvidos acabaram presos. Entre os dias 10 e 11, Amparo foi tomada por tropas federais, e foi apertado o cerco a Silveiras e à zona do Túnel. Finalmente, o governo central recebeu 10 toneladas de pólvora e trotil há muito tempo encomendados e angustiosamente aguardados. No dia seguinte, Góes Monteiro encaminhou a Getúlio um relatório no qual explanou sua ideia de reagrupamento das forças e de aumento das tropas do Exército para 100 mil homens. No dia 15, as tropas federais ocuparam a cidade de Lorena e a fábrica de pólvora de Piquete. As tropas constitucionalistas, ao recuar, destruíram o que puderam, além de levar todos os gêneros alimentícios disponíveis. Quem sofreu foram os habitantes das zonas abandonadas, que ficaram sem recursos. A linha de defesa paulista ficou estabelecida na estação de engenheiro Neiva, entre Lorena e Guaratinguetá. Combates no Rio de Grande do Sul terminaram com a vitória das tropas leais aos governos federal e estadual, sendo preso Borges de Medeiros, ex-governador do Estado, que encabeçava o movimento constitucionalista no estado sulista. Em Minas Gerais, o ex-presidente da República Arthur Bernardes também foi detido, após manifestar publicamente seu apoio aos paulistas. Os dois seriam transferidos para o Rio de Janeiro, ficando confinados na Ilha do Rijo, no meio da Baia da Guanabara. Enquanto prosseguiam as conversações para o fim das hostilidades, no dia 29 de setembro chegava ao porto do Rio o navio alemão General Osório, trazendo da Europa material bélico para reequipar as tropas do governo federal. Cerco a São Paulo O cerco se fechava sobre São Paulo. No dia 30 de setembro, as tropas da Força Pública de São Paulo se recusaram a obedecer às ordens do general Klinger. Este sabedor da impossibilidade de continuar a luta tentou mais uma vez um acordo para a cessação da rebelião. O comando da polícia paulista, em entendimento direto com o general Góes Monteiro, apresentou então uma formula de paz, que foi aceita à revelia dos líderes do movimento revolucionário. Finalmente, no dia 2 de outubro de 1932, terminou a Revolução Constitucionalista, quando foi deposto o governo do Estado, chefiado por Pedro de Toledo, pelo Coronel Herculano de Carvalho, comandante geral da polícia paulista, que assumiu o poder interinamente até a chegada das autoridades federais. Com o fim do conflito, Getúlio Vargas nomeou como comandante da 2ª Região Militar o general Waldomiro Lima, que assumiu também o cargo de governador militar em São Paulo. Todos os 77 cabeças da Revolução Constitucionalista foram encaminhados presos para o Rio de Janeiro, e posteriormente exilados na Europa. O número de vítimas do conflito até hoje é uma incógnita, mas calcula-se que perto de dois mil homens morreram no conflito, além de milhares de feridos, inclusive civis. A situação econômica do Brasil, que já não era boa, desde a crise da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, complicou-se gravemente quando a União foi obrigada a gastar uma verba que não tinha, na compra de armamentos e com o deslocamento e a manutenção das tropas federais. O déficit no orçamento foi de 1.108.878.000.00, o maior da história do Brasil até então. Somente quando da entrada do Brasil na II Grande Guerra Mundial, em 1942, é que a despesa ultrapassou esse valor negativo na conta da União. Apesar de ter perdido a luta por falta de armas e de estrutura, os paulistas acabaram vitoriosos politicamente, já que poucos meses depois, em 3 de maio de 1933, foram realizadas as eleições para a Constituinte, que elaborou uma nova Carta Magna para o Brasil. Com a sua promulgação, em 16 de julho de 1934, houve o retorno da tão esperada democracia. *Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador. É Diretor do Departamento de Documentação e Informação da Alesp. |
domingo, 14 de julho de 2013
A Revolução Paulista de 1932, por Antônio Sérgio Ribeiro no site da Alesp
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário