domingo, 14 de julho de 2013

Excesso de bravatas

14/07/2013 - 03h30


Bispo licenciado da Igreja Universal, Honorilton Gonçalves assumiu a superintendência executiva e de produção da Record em agosto de 2003. No ano seguinte, a emissora lançou o slogan "a caminho da liderança", embora ainda fosse a terceira principal rede de televisão do país.
Fruto dos próprios investimentos, mas também da acomodação do SBT (cujo slogan era "liderança absoluta do segundo lugar"), a Record superou o rival em 2007 e, pela primeira vez, viu a Globo um pouco mais de perto.
Ao longo destes dez anos, o slogan se tornou uma espécie de palavra de ordem, gritada por executivos da emissora e repetida por fiéis espectadores em qualquer situação, seja no lançamento de novos produtos, seja em resposta a críticas à qualidade da programação.
Em vez de se aproximar da líder, porém, em 2012 a Record sentiu a volta do SBT aos seus calcanhares. A luta entre as redes de Edir Macedo e Silvio Santos nunca foi tão acirrada quanto nestes últimos meses.
Coincidência ou não, a emissora deu início a um doloroso processo de enxugamento de custos, demissão de pessoal e cancelamento de programas. O que aconteceu? O que deu errado?
Há muitas explicações para a crise da Record, mas impressiona ver a emissora não reconhecer erro algum e, ainda, culpar os outros pelos seus maus resultados.
Não tenho simpatia alguma por Gugu Liberato nem pelo programa que ele fazia no canal, mas foi triste ver o apresentador transformado na face mais visível da crise ao ser vazada a informação de que, eliminando-se o seu salário, estimado em R$ 3 milhões mensais, seria possível poupar a cabeça de 600 funcionários.
Duas semanas depois desta notícia, no dia 7 de junho, o apresentador chegou a um acordo com a Record para a rescisão de contrato. Na véspera, o então vice-presidente da emissora, Honorilton Gonçalves, havia dito à Folha: "Esta é a fase mais importante da Record, pois estamos preparando a empresa para ser ainda mais competitiva, para o caminho da liderança. Temos a preocupação de adequar a rede à realidade atual do país e do mundo."
Menos de 30 dias depois desta entrevista, na segunda-feira, 1º de julho, foi a vez de o próprio Honorilton perder o cargo, encerrando um ciclo de uma década na casa. Foi substituído por Marcelo Silva, igualmente oriundo da hierarquia religiosa que comanda a Record.
Contrariando a lógica neste tipo de mudança, dois dias depois da demissão do vice-presidente, na quarta (3), a empresa anunciou a troca do seu presidente: saiu Alexandre Raposo, entrou Luiz Claudio Costa.
A concorrência à Globo é necessária, mas a Record ainda não encontrou a fórmula nem os meios para levar adiante a sua proposta. A emissora tem sustentado um jornalismo de qualidade no horário nobre, mas ainda não conseguiu achar o tom da sua teledramaturgia.
Pior, segue apelando a programas popularescos, a assistencialismo e ao proselitismo religioso em diversas atrações.
O excesso de bravatas ("A Record nunca esteve tão pronta para enfrentar a Globo", dizia Honorilton) pode ajudar a mobilizar seguidores para uma batalha, mas não parece ser o caminho indicado para conquistar público na televisão.
Arquivo pessoal
Maurício Stycer é jornalista, repórter e crítico do portal UOL, autor de "História do Lance!" (Alameda Editora). Escreve aos domingos em "Ilustrada".

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