05 de maio de 2013 | 2h 05
Amir Khair - O Estado de S.Paulo
Após dois anos de baixo crescimento, a arrecadação foi ficando mais fraca e dificultou o setor público (União, Estados, municípios e estatais) em atingir a meta de superávit primário (receitas menos despesas exclusive financeiras) de 3,1% do PIB.
A lei orçamentária permitia reduzir da meta os investimentos do PAC, o que ajudou o governo federal a cumpri-la. Mas, no ano passado, foi obrigado a fazer uma ginástica contábil para engordar as receitas com dividendos de suas controladas para atingir essa meta, que foi reduzida ao usar os descontos do PAC. Na realidade, enquanto não for retomado o crescimento econômico, será difícil o setor público conseguir cumprir essa meta de superávit primário.
Em consequência, neste ano, duas alterações significativas, e na direção correta, foram feitas na esfera fiscal. Na primeira, o governo federal vai responder apenas pela sua meta e não mais pelas metas dos Estados, municípios e estatais, que são definidas autonomamente nos seus orçamentos, independendo, pois, do governo federal.
Na segunda, o superávit primário passa a ser consequência da arrecadação e essa, como depende do crescimento econômico, caso seja fraca, como nos últimos dois anos, o governo vai ampliar despesas para estimular a economia e como resultado o superávit primário será reduzido. Por outro lado, no caso de crescimento econômico maior o superávit primário seria maior. É a afirmação da política fiscal contracíclica defendida por analistas tanto no campo ortodoxo como no heterodoxo.
Essa segunda mudança enterra a política que vinha sendo adotada desde 1999, de constituir resultados primários elevados para pagar a dívida pública. Naquele ano, o País capitulou nas contas internas e externas e teve de ser salvo pelo FMI que, para socorrer, fez um empréstimo com cláusulas contratuais que obrigavam o governo a cumprir exigências fiscais, entre elas a constituição de superávits fiscais elevados. Com a liquidação dessa dívida, ocorrida no governo Lula, o País ficou com liberdade de definir autonomamente suas metas fiscais e, sua política fiscal.
Evolução. O quadro abaixo apresenta a evolução das contas públicas desde 1995 até 2012, destacando os períodos que correspondem aos mandatos presidenciais. O resultado nominal negativo significa déficit nas contas, e o déficit é a diferença entre os juros e o superávit primário, indicando que o esforço fiscal não foi suficiente para arcar com os juros da dívida pública.
No primeiro mandato de Fernando Henrique (1995/1998), o superávit primário foi negativo em 0,2% do PIB e os juros atingiram 6,1% do PIB dando um déficit nominal de 6,3% do PIB. No segundo mandato de FHC (1999/2002), já sob a égide do acordo com o FMI, o superávit primário foi de 3,2% do PIB, mas os juros foram bem maiores, atingindo 10,1% do PIB, dando um déficit ainda maior do que no primeiro mandato.
No primeiro mandato do presidente Lula (2003/2006), o superávit primário foi de 3,6% do PIB, mas os juros atingiram 6,8% do PIB, ocasionando um déficit de 3,3% do PIB. No segundo mandato de Lula (2007/2010), o superávit primário foi menor que no primeiro mandato, mas os juros também foram menores e, como resultado, o déficit baixou para 2,6% do PIB.
Em 2011, o governo Dilma priorizou o combate à inflação através das medidas macroprudenciais, que encareceram o crédito e elevação da Selic. Apesar de cumprir a meta de superávit primário de 3,1% do PIB, os juros ainda atingiram 5,7% do PIB, ocasionando um déficit de 2,6% do PIB.
Em 2012, em consequência da política de redução da Selic, os juros caíram para o menor patamar dessa série histórica, se situando em 4,9% do PIB, permitindo um superávit primário reduzido para 2,4% do PIB e, com déficit de 2,5% do PIB.
Neste ano, caso a Selic não suba, como o desejo do mercado financeiro, será possível obter déficit menor do que em 2012, mesmo com superávit primário na casa de 2% do PIB.
Avanço. Ao passar a segundo plano a meta de superávit primário, o governo deu um passo à frente no trato da questão fiscal, ao subordiná-la à política de crescimento econômico (política contracíclica), mas falta afirmar que o conceito correto para medir o resultado das contas públicas é o resultado nominal (resultado primário menos os juros), que inclui todas as receitas e despesas públicas.
O quadro revela com clareza que o importante na avaliação da saúde fiscal é olhar o resultado nominal, e não o superávit primário. Isso pode ser exemplificado comparando o primeiro mandato do governo Lula, quando foi registrado o maior superávit primário (3,6% do PIB) com o ano passado, que registrou o pior superávit primário (2,4% do PIB). Apesar disso, o déficit nas contas públicas do ano passado (2,5% do PIB) foi menor do que no primeiro mandato do governo Lula (3,3% do PIB).
É importante ter as metas de resultado primário, de juros e de resultado nominal cumprindo o que estabelece a Lei de Responsabilidade Fiscal, para aferir adequadamente o comportamento fiscal, que, como se viu, é fortemente influenciado pelos juros.
Ao avançar na avaliação fiscal do conceito de superávit primário para o de resultado nominal, o Brasil passa a acompanhar o que é feito internacionalmente. A outra vantagem é que o comportamento da dívida do setor público é dependente do resultado nominal e não do superávit primário. A variação absoluta da dívida entre períodos equivale ao resultado nominal obtido no período.
Tripé. Essa segunda alteração na política fiscal suscitou novamente a pergunta se o tripé econômico do governo FHC tinha sido abandonado. Como afirmei em artigo anterior (21/10/2012), o tripé (resultado primário, câmbio flutuante e meta de inflação) já morreu faz tempo, apesar do saudosismo de algumas análises. Com essa mudança na política fiscal, ficou mais claro que o antigo tripé foi substituído por outro formado pelo resultado nominal, câmbio administrado e meta de crescimento.
Quanto ao câmbio, mesmo no governo FHC, nunca chegou a ser flutuante, por causa do uso da Selic elevada para obter a âncora cambial (real valorizado para reduzir o preço dos bens importados) como instrumento de controle inflacionário. Isso é que deu sustentação ao Plano Real. Como fica mal perante o mercado financeiro o governo reconhecer a troca do tripé, vai atuando na prática sem dizer que abandonou o tripé tradicional.
A bem da verdade, o antigo tripé não serve para caracterizar o estado da arte da economia, pois mesmo que praticado não implica em determinar o crescimento econômico e muito menos a distribuição do fruto desse crescimento, ambos importantes para a aferição do desenvolvimento econômico.
*Mestre em finanças públicas pela FGV e consultor
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