Os procuradores do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo travam na Justiça uma disputa para acabar com o que chamam de "censura": querem eliminar a proibição de comunicar suspeitas de irregularidades diretamente ao Ministério Público.
O tribunal, responsável por analisar as contas do governo do Estado, secretaria e prefeituras, defende que procuradores só podem enviar informações ao Ministério Público por meio dos conselheiros, que são as autoridades máximas do órgão.
Procuradores dizem que essa subordinação fere a autonomia da função, estabelecida pela Constituição.
A disputa começou com um caso corriqueiro. A fiscalização do TCE achou problemas ao analisar as contas de Boa Esperança do Sul, a 300 km de São Paulo: a vice-prefeita fornecia merenda para a prefeitura, e as compras de remédios sem licitação haviam crescido quase 300%.
As contas do município foram aprovadas, mas a procuradora Élida Pinto decidiu comunicar esses problemas para o Ministério Público de Ribeirão Bonito, onde já havia inquéritos sobre a Prefeitura de Boa Esperança do Sul.
"As informações são de fundamental importância para instruir os procedimentos", agradeceu a promotora Constance Toselli.
O conselheiro do tribunal Robson Marinho considerou que a procuradora extrapolou suas funções e pediu ao Ministério Público que o comunicado com as suspeitas fosse desconsiderado.
"Isso é censura. Qualquer cidadão pode enviar informações ao Ministério Público, mas o procurador de contas não pode", diz José Mendes Neto, procurador do TCE.
Os procuradores conseguiram no Tribunal de Justiça uma liminar suspendendo o veto, mas ela foi cassada no mesmo dia.
SEM CENSURA
Antonio Roque Citadini, presidente do TCE, refuta que exista censura sob o argumento de que o regimento interno do TCE determina que só o tribunal tem o poder de enviar comunicados ao Ministério Público.
Citadini diz que a culpada pelo embate é a Constituição de 1988, que instituiu a figura do procurador de contas com um formato híbrido: ele pertence ao quadro do tribunal de contas, não ao do Ministério Público, mas tem atribuições similares às dos promotores. "Esse formato é propício para gerar crises".
Robson Marinho não quis dar entrevista à Folha, mas afirmou à Justiça que o procurador de contas "é subordinado" ao conselheiro que preside o processo.
O procurador de contas Júlio Marcelo de Oliveira, do Tribunal de Contas da União e vice-presidente da entidade da categoria, diz que está "chocado" com o que chama de conservadorismo de São Paulo nessa área. "No TCU nunca houve tentativas de castrar os procuradores."
Segundo ele, a autonomia do procurador está definida na Constituição e não pode ser "tolhida" por lei estadual.
Nos tribunais de contas do Ceará e de Alagoas ocorreram, segundo ele, tentativas semelhantes de veto, mas a Justiça as barrou.
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