segunda-feira, 30 de maio de 2022

Mathias Alencastro - Hernández é o pior pesadelo dos progressistas na Colômbia, FSP

 A história da última semana da eleição colombiana soa como a repetição de um enredo cada vez mais comum nas democracias liberais. Diante da vitória iminente da esquerda, liderada pelo moderado Gustavo Petro, a direita se rebela e troca um opositor moderado por um populista.

Quem desempenha esse papel é o oligarca-bufão Rodolfo Hernández. Ele ultrapassou Federico "Fico" Gutiérrez, o jovem liberal apoiado por todos os partidos da direita tradicional, e chegou ao segundo turno contra Petro com uma campanha relâmpago que retoma a receita original dos populistas: demagogia anticorrupção, anticomunismo enfurecido e uso exclusivo das redes sociais.

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O candidato à Presidência da Colômbia Rodolfo Hernández durante entrevista coletiva em Bogotá
O candidato à Presidência da Colômbia Rodolfo Hernández durante entrevista coletiva em Bogotá - Luisa Gonzalez - 24.mai.22/Reuters

A passagem para a segunda volta eleva a tensão das presidenciais. Todos os candidatos circulam pelo país acompanhados de escoltas militares, e ameaças de assassinatos são denunciadas cotidianamente.

Petro sabe que toda a tensão gira em torno da sua candidatura. Sua biografia reflete o longo caminho da Colômbia em direção à paz. O ex-membro da guerrilha M-19 teve uma passagem bem-sucedida pela política institucional, servindo como senador e prefeito, antes de construir a primeira plataforma de partidos progressistas com condições de vencer as presidenciais.

O veterano soube explorar as mudanças trazidas pelo acordo de paz de 2016. Desde então, as guerrilhas marxistas deixaram de ser um fardo para a esquerda, e Petro finalmente conseguiu organizar essa eleição em torno dos temas que mobilizam as classes populares, como a desigualdade e o Estado social. Sinal de força da sua coalizão, entregou recentemente as chaves da sua campanha a Alfonso Prada, antigo secretário da Presidência de Juan Manuel Santos, o conservador arquiteto do processo histórico.

A candidatura de Petro também cresce em cima do fracasso da direita tradicional. O atual presidente, Iván Duque, eleito em 2018 por aqueles que se opunham ao pacto de paz, perdeu o controle do país durante a pandemia, marcada por protestos violentos e enormes perdas humanas entre os mais vulneráveis.

Em posição de força para unir a direita e recuperar uma parte dos votos antissistema, Hernández tem tudo para ser um rival muito mais forte do que Gutiérrez no segundo turno contra Petro.

Lamentavelmente, a instabilidade política ofusca a qualidade do debate programático. Enquanto Hernández é mais conhecido por confundir Albert Einstein e Adolf Hitler, as propostas de Petro o colocam na vanguarda das esquerdas latino-americanas. Sua política de segurança passa por romper a colusão entre o crime organizado e a elite política, que assombra o país desde a década de 1980, promovendo uma inversão de paradigma no controle de substâncias ilícitas.

Ele também propõe interromper as explorações de petróleo e gás, um anátema para desenvolvimentistas, e não hesita em fazer um paralelo entre o governo direitista de Duque e o do venezuelano Nicolás Maduro.

Basta ele cumprir metade do seu programa para inaugurar uma nova era na América Latina. Mas quem realmente inspira o futuro da Colômbia é a sua vice, Francia Márquez, negra, feminista, ecologista e de uma coragem avassaladora. Numa disputa entre profissionais da política, a verdadeira mudança é ela.


domingo, 29 de maio de 2022

Esqueça a geração Z: a geração que está emergindo é a da paralisia, Ronaldo Lemos, FSP

 Há algo de errado. O mundo tornou-se um lugar inóspito para jovens. Quem tem entre 15 e 35 não está em situação invejável, tanto do ponto de vista econômico como social.

Falta de emprego, ausência de perspectivas de mobilidade social e um vazio existencial crescente caractarizam um novo tipo de juventude. Esqueça termos marqueteiros como "millennials" ou "geração Z" que querem apenas vender algo ou dourar a pílula. A geração que está emergindo é na verdade a geração paralisia.

Luo Huazhong, who popularized the idea of adopting a more relaxed approach to life, taking a break in Jiande, China, June 18, 2021. Young people in China have set off a nascent counterculture movement that involves lying down and doing as little as possible. (Qilai Shen/The New York Times)
Luo Huazhong, que popularizou a ideia de um modo de vida mais relaxado, deitado no chão em Jiande, na China - Qilai Shen - 18.jun.21/The New York Times - NYT

O fenômeno é visível em várias partes. Por exemplo, a China está enfrentando o crescimento da geração chamada Tang Ping (躺平). O termo significa "ficar deitado" e se refere a um contingente de jovens cujo mote principal da vida é não fazer nada. A ideia é recusar-se a trabalhar ou a estudar e simplesmente deixar o tempo passar.

Um dos problemas é que essa postura tem sido adotada por jovens de 18 a 30 anos. Esse é justamente o momento em que a pessoa constrói relacionamentos e cria bases profissionais que podem servir de apoio para toda a vida.

O fenômeno agravou-se recentemente com o surgimento da geração Bai Lan (摆烂). O termo significa "deixar apodrecer". E indica exatamente isso, não só não fazer nada, mas também um desejo de que a condição de vida se degringole e saia dos trilhos.

O fenômeno não é específico da China. O Brasil tem lidado há anos com o problema da geração Nem-Nem, que nem estuda nem trabalha. No Brasil o número de integrantes dessa geração é o dobro dos países desenvolvidos, de acordo com dados da OCDE. Em 2020 havia cerca de 36% de pessoas na faixa entre 18 e 24 anos sem emprego e sem qualquer atividade educacional. Na média da OCDE esse percentual é de 15%.

Esse fenômeno leva a alienação, solidão, desagregação social e perda de sentido. Boa parte desse tempo livre pode ser ocupado por mídias sociais, considerando que essa geração não tem trabalho, emprego ou escola, mas tem sua capacidade de atenção intacta, podendo ser capturada por conteúdos digitais.

Uma pesquisa feita nos Estados Unidos com pessoas entre 23 e 38 anos revelou que 22% dos entrevistados afirmaram ter "zero amigos"; 27% afirmaram não ter nenhum amigo próximo e 30% afirmaram viver com um sentimento permanente de solidão.

Outra expressão também originária da China descreve uma outra dimensão desse fenômeno: "geração morango". Um contingente de jovens que busca se destacar ou ganhar a vida projetando sua imagem pessoal. Mas tal como um morango, podem ser bons de ver mas são fáceis de serem esmagados. Não possuem controle real nenhum.

Esse é o paradoxo. Em um momento de hiperconexão por meio de redes sociais, as pessoas estão mais do que nunca desconectadas. Quem interage com o feed de uma rede social na verdade interage com fantasmas. Nada daquilo diz respeito diretamente a você. É uma forma de comunicação que serve mais para iludir e desagregar do que criar laços humanos que sejam reais e duradouros.

Já era Geração X

Já é Millenials e Geração Z

Já vem Geração Alpha