quinta-feira, 2 de setembro de 2021

JOSÉ PASTORE - Leis que alimentam desigualdades, FSP

 José Pastore

Sociólogo e pesquisador das relações trabalhistas, é professor da USP

O Brasil é um celeiro de exemplos de leis que alimentam a desigualdade. Vejam estes abaixo.

Pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), um empregado que é despedido por furto recebe apenas o salário pendente, não tendo direito sequer ao seguro-desemprego. Pela Lei Orgânica da Magistratura, um juiz condenado por corrupção recebe como “pena” uma aposentadoria de mais de R$ 30 mil mensais para o resto da sua vida.

Pela lei 14.020/2021, os empregados da CLT sofrem cortes de jornada e salário e até a suspensão do contrato de trabalho em tempos de dificuldades. Pela Constituição Federal, isso não se aplica aos servidores públicos por pior que seja a situação do erário público.

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O sociólogo e professor José Pastore, da USP - Karime Xavier - 9.ago.19/Folhapress

Pela Carta, os empregados do setor privado têm 30 dias de férias —enquanto os juízes gozam 60 dias mais 15 de recesso. A propósito, os magistrados que ganham mais de R$ 30 mil por mês desfrutam de carros e motoristas pagos pelo povo, enquanto os trabalhadores informais que ganham R$ 1.100 mensais (salário mínimo) gastam, no mínimo, R$ 220 de passagem de ônibus mensalmente.

Pelas leis trabalhistas, a concessão de benefícios, como cesta básica, auxílio refeição ou auxílio funeral dos empregados do setor privado, depende de difíceis negociações com os empregadores e vale por um ano. Para juízes e outros servidores públicos, as leis garantem uma série de penduricalhos —anuênios, quinquênios, licença-prêmio, licença assiduidade etc.— e vários tipos de auxílios (alimentação, educação, livro etc.). Assim será no futuro, pois a reforma administrativa, se aprovada, não será aplicada ao Poder Judiciário.

A emenda constitucional nº 103 manteve uma aposentadoria para os servidores públicos que é, em média, dez vezes maior que a dos empregados do setor privado!

Por força da CLT, os bancários, que ganham bem acima da média do setor privado, têm uma jornada de trabalho de apenas 6 horas por dia e 30 por semana, enquanto os demais empregados trabalham 8 horas por dia e 44 por semana.

Por força de lei, os filhos da elite e da classe média alta que frequentam escolas caríssimas no nível médio desfrutam de total gratuidade quando entram nas universidades públicas.

De onde vem tanta desigualdade? Das leis de cunho “extrativista”, dizem Daron Acemoglu e James A. Robinson no livro “Por que as nações fracassam”. Leis extrativistas são as que enriquecem grupos da elite à custa da extração de recursos do resto da sociedade. O Brasil está repleto dessas leis. A história mostra que a mudança desse estado de coisas só ocorre por meio do embate conflitivo nos Parlamentos, ou fora deles, e ao longo do tempo.

James Madison dizia que a democracia se aperfeiçoa quando os governados aprendem a respeitar os governantes, estes apreendem a respeitar os governados e, sobretudo, os governados conseguem controlar os governantes. Aproveitemos a força da internet para acelerar a mudança!

TENDÊNCIAS / DEBATES

Ruy Castro - Matar ou morrer por Bolsonaro, FSP

 "Tudo bem?", perguntou alguém a uma amiga que, na véspera, cremara seu marido, vítima da Covid. O sujeito deu-se conta imediatamente da gafe e, se pudesse, faria com que as palavras voltassem correndo à sua boca para que ele as engolisse. Mas era tarde. A amiga entendeu a situação e, simulando um sorriso que ajudasse a remediá-la, respondeu que sim, tudo bem. O que, claro, não estava. O pior é que a pergunta fora feita num tom grave, compassivo, de quem sabia pelo que ela passava. O erro estava nas palavras.

Não há quem nunca tenha cometido esse automatismo verbal —a língua que se antecipa à mente, a fala sem pensar. Mas nunca esse automatismo foi tão cruel e constrangedor como agora. Em algum momento dos últimos 18 meses, todos já nos vimos diante de uma pessoa que acabara de perder ou estava perdendo alguém para a Covid e a saudamos com um estúpido "Tudo bem?". Tudo bem que essa frase venha de tempos mais amenos, mas por que não nos condicionamos a algo mais neutro e igualmente solidário, como um olhar ou abraço silencioso e terno?

Outra saudação que nos habituamos a fazer, ao telefone ou a quem encontramos na rua, é "Tudo em paz?". É verdade que, em qualquer época, esse cumprimento sempre foi perigoso. Ouvir um "Tudo em paz?" quando se está em meio a uma crise conjugal ou a ponto de estrangular o chefe soa péssimo. Mas, no momento atual do Brasil, o "Tudo em paz?" só revela incrível alienação ou cínica má-fé.

Não está tudo em paz. Ao contrário, está-se na iminência de uma guerra civil, insuflada por um criminoso que, para salvar sua miserável pele, atreve-se a conflagrar o país. Um país em que as instituições, por mais "sólidas", começaram a contar fuzis, e não apenas tendo em vista o 7 de Setembro.

Bolsonaro já matou muita gente pela Covid. Agora quer que seus seguidores peguem em armas e matem ou morram por ele. Não pode haver opção mais baixa para um ser humano.

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Elio Gaspari - O vexame da Fiesp, FSP

 

Lembra-se daquele pato amarelo que ficava em frente à Fiesp durante as jornadas de manifestações contra o comissariado petista? O doutor Paulo Skaf, que ainda preside a instituição, poderia recolocá-lo na calçada da avenida Paulista. Ou poderia pendurar seu plástico murcho na fachada.

Quem imaginou a Fiesp de Skaf pedindo qualquer coisa que desagrade ao governo, inclusive democracia, comprou um lote na Lua. O texto que ele segurou informa que o triângulo tem três ângulos.

Pato da Fiesp em frente ao prédio da entidade na Av Paulista - Zanone Fraissat - 21.jul.17\Folhapress

Desde o século passado, quando o grão-senhor da “Poderosa” operava uma caixinha que em tese financiava o DOI-Codi, a Fiesp é um apêndice do poder. Como o sapo de Guimarães Rosa, não faz assim por boniteza, mas por precisão. Ela é cevada pelos recursos que o Sistema S suga das folhas de pagamento das empresas.

Como São Paulo tem indústrias, chegou-se a pensar que de lá sairia algum documento, ainda que morno. A federação do Rio de Janeiro antecipou-se à Fiesp, anunciando que não endossaria manifesto algum. Pudera, muitas federações e poucas indústrias os males do Rio são.

O vexame da Fiesp seria mais um capítulo na sua crônica de subserviência e oportunismo, mas foi um marco na história do empresariado nacional.

No mesmo dia em que ela se encolheu, sete entidades do agronegócio divulgaram um manifesto onde disseram o seguinte:

“O desenvolvimento econômico e social do Brasil, para ser efetivo e sustentável, requer paz e tranquilidade, condições indispensáveis para seguir avançando na caminhada civilizatória de uma nacionalidade fraterna e solidária, que reconhece a maioria sem ignorar as minorias, que acolhe e fomenta a diversidade, que viceja no confronto respeitoso entre ideias que se antepõem, sem qualquer tipo de violência entre pessoas ou grupos. Acima de tudo, uma sociedade que não mais tolere a miséria e a desigualdade que tanto nos envergonham”.

No final do século passado, quando começou a abertura da economia brasileira, a indústria encaramujou-se no protecionismo, enquanto o setor cosmopolita da agricultura e da pecuária foi à luta, modernizando-se e tornando-se competitivo. Cresceu e hoje representa cerca de 27% do PIB nacional. A indústria encolheu e arrisca cair para a casa de um só dígito.

A agricultura e a pecuária brasileira estão contaminadas por agrotrogloditas que formam uma milícia bolsonarista e fazem passeatas de tratores. Há 30 anos eles poderiam ser maioria, mas mudaram. Novamente, como o sapo, por precisão.

Tome-se o exemplo de Blairo Maggi, um dos empresários de maior sucesso nesse setor. Bilionário, foi ministro da Agricultura e governador de Mato Grosso. Em 2005 a ONG Greenpeace concedeu-lhe o prêmio Motosserra de Ouro.

Desde o primeiro momento dos delírios bolsonaristas, Maggi dissociou-se dos agrotrogloditas. Mostrava que as bravatas piromaníacas nenhum benefício traziam para os empresários.

Há poucas semanas, quando o pitoresco Sérgio Reis falou em invadir o Senado, com o apoio do presidente de uma associação de plantadores de soja, Maggi foi rápido: “[Ele] não pode usar a associação para isso. (...) Tem o direito de ir (à manifestação de 7 de Setembro), mas não pode falar em nome da entidade. Para isso, precisaria submeter o assunto a uma assembleia e conseguir o apoio da maioria”.