quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Com poucos recursos, Olival Costa fundou Folha da Noite em 1921, FSP

 


BRUXELAS

Olívio Olavo de Olival Costa tinha um sonho, e jornais não estavam nele. O filho de imigrantes portugueses queria se tornar advogado. Sem recursos, porém, abandonou os estudos e começou a trabalhar como jornalista aos 19 anos, em Pedreira, na época um distrito de Amparo (SP).

retrato em preto e branco de grupo de homens brancos vestindo terno posando para foto junto a uma mesa
Olival Costa (de bigode) no 1º aniversário do jornal - Folhapress

De lá saiu aos 30 anos, em 1906, para tentar a vida no Rio. Meses depois, foi contratado não por um jornal carioca, mas por O Estado de S. Paulo, então o diário paulista mais importante.

Escrevia sobre corridas de cavalo, teatro e falecimentos quando, aos 45 anos, apostou o que tinha e o que não tinha no lançamento de um novo jornal vespertino: a Folha da Noite, que quase três décadas depois de sua morte se tornou Folha de S.Paulo e completa cem anos em 19 de fevereiro de 2021.

Com Olival na aventura estavam cinco colegas do Estado, que viram uma oportunidade no mercado de notícias da capital paulista. Com o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), algumas empresas deixaram de publicar uma edição no final da tarde, mais atualizada, cuja leitura havia se tornado hábito para os trabalhadores que voltavam para casa.

Sem capital, durante um bom tempo trabalharam sem receber um tostão de salário. A penúria era tanta que os sócios trocavam anúncios por pratos da Gruta Baiana, um restaurante do centro paulistano.

Pequeno, frágil, vestido em terno escuro, camisa branca e gravata, Olival usava os cabelos repartidos numa entrada mais alta à esquerda da testa e “tinha sempre uma pilhéria na ponta da língua”. Seu senso de humor aparecia mesmo em momentos difíceis do jornal.

Ele quis interessar o público feminino e idealizou uma seção de moda, mas não encontrava uma mulher que pudesse cuidar da coluna. “Por deliberação da Direção, tendo em vista suas tendências para o mexerico, fica você encarregado da seção nova”, escreveu para o repórter Paulo Duarte, que cobria política.

“O seu ordenado será dobrado!”, concluiu o diretor da Folha da Noite com um risinho: ninguém no jornal ganhava sequer um vintém.

Na rua do Carmo, onde os sócios instalaram em 1925 sua primeira rotativa, Olival andava agitado de um lado para outro, dava instruções, ajudava a carregar bobinas de papel, ensinava o funcionamento das máquinas, tomava notas.

Em 1925, com uma rotativa própria, Olival decidiu lançar um novo jornal, a Folha da Manhã.

Apesar dos dois títulos, os jornais eram conhecidos na São Paulo dos anos 1920 como “Folha do Olival” ou apenas “Folha”. Eram anos agitados, e as Redações reuniam intelectuais atraídos pela possibilidade de debater política e problemas sociais.

Nem sempre eram discussões pacíficas. Mais de uma vez, Olival teve que expulsar da Redação adversários irados. Aos amigos mais íntimos, ele confessava que se sentia esgotado pelos esforços agora dobrados para editar duas Folhas.

Em 1930, os conflitos atingiram o ápice. Na manhã de 24 de outubro, Olival, depauperado fisicamente, procurava animar os companheiros. Repórteres iam e vinham da Central de Polícia com informações preocupantes: avanços da coluna getulista, comícios nas praças públicas.

O ato final começou às 14h, quando foi confirmada a deposição do presidente Washington Luís, partidários de Getúlio Vargas começaram a se aglomerar na praça da Sé. A multidão queria vítimas, e as Folhas, que haviam apoiado Washington Luís, eram um alvo próximo, mas primeiro os getulistas seguiram para a Gazeta e para o Correio Paulistano.

Por volta das 23h, chegaram à sede do jornal, com archotes, pedaços de pau e barras de ferro. Da esquina, Olival viu máquinas de escrever, cadeiras e mesas serem arremessadas pela janela. Bobinas de papel-jornal foram desenroladas até a praça da Sé.

Pouco depois da meia-noite, estava tudo destruído. Uma fogueira pôs fim a esta fase da Folha. Olival morreu após dois anos, em 13 de dezembro de 1932, aos 56 anos.

O que sobrou das Folhas foi comprado pelo fazendeiro e comerciante Octaviano Alves de Lima.

OLÍVIO OLAVO DE OLIVAL COSTA (1876-1932)

Fundador dos jornais Folha da Noite (1921) e Folha da Manhã (1925), que dariam origem à Folha de S.Paulo. Morreu dois anos depois de ver a Redação das Folhas ser destruída por apoiadores de Getúlio Vargas, em 1932.

Fernando Schüler - Esqueça um pouco a política e descubra as coisas interessantes que temos em comum, FSP

 Goste ou não dela, vale a pena ler a entrevista de Bari Weiss à Folha, dias atrás. É bom escutar alguém que destoa da multidão. Alguém que ri sozinho enquanto todos dançam a Macarena (já me aconteceu). Todos conhecem a sua história. Ela foi contratada como uma das editoras do The New York Times por destoar da linha de pensamento hegemônica da Redação e caiu fora pelo mesmo motivo.

A Redação do Times, diz ela, como a de muitos jornais, passou gradativamente a responder a um agenda política. E o fez a partir dessa cisão típica dos tempos atuais, entre a gente bacana e esclarecida, "cujo trabalho é informar os outros", e os caipirões, basicamente definidos por qualquer coisa que diz respeito a Donald Trump.

Daí aparece uma jornalista que recusa a dicotomia fácil. Que acha risível pautar o jornalismo, todo santo dia, pelo milésimo texto enfileirando palavrões contra o "diabo laranja". Seu problema, por óbvio, nunca foi Trump ou qualquer político. O problema era a conversão do jornalismo em um campo retórico fechado e avesso às "ideias inconvenientes".

Foi o caso do editor James Bennet, banido por publicar artigo controverso do senador Tom Cotton. Ele provavelmente discordasse do senador, mas acreditava "dever aos leitores a exposição de contra-argumentos". Ingenuidade. Contra-argumentos são aceitos, na lógica do ativismo, nos limites de quem tem a hegemonia e o poder de impor danos aos que saem da linha.

O que Bari Weiss diz vale para qualquer posição política e vai além do jornalismo. Demétrio Magnoli tratou disso em coluna recente. Há um modus operandi da política atual, dado pela lógica tribalista das redes. O jornalismo, ou parte relevante dele, apenas foi junto com a maré.

Intuo que se trata de caminho sem volta. O Twitter se tornou bem mais do que o "editor último" do Times, como diz Weiss em sua carta-renúncia. Se tornou, junto com as redes, o editor do debate público, e o faz de modo anárquico, numa constante guerra civil em que cada um imagina ganhar, a cada momento, e todos perdem, ao longo do tempo.

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Weiss diz que nos tornamos um grande campus, ou um grande departamento de estudos de gênero. Prefiro outra formulação: tornamo-nos uma sociedade de militantes. Nas redes, nas universidades, no jornalismo e, mais recentemente, na vida das empresas e hábitos de consumo.

É evidente que muita gente se mantém serena em meio à tempestade, para o horror das hordas de qualquer lado. Mas o espírito do tempo é outro. É o "espírito de partido", como disse Madame de Stäel sobre o clima intelectual francês à época da revolução e de quem me lembrei por estes dias.

O ponto é que isso não irá mudar. Nos anos 1930, Ortega y Gasset vaticinou que o homem-massa havia ingressado de vez na cultura. Cem anos depois, graças à internet, quem domina o palco é o cidadão-pregador, o cidadão-dedo-em-riste. Seu destino ainda é incerto. Ele pode conduzir mudanças positivas, mas pode também agir como uma nuvem de "Black Mirror".

É positivo que as pessoas façam promessas de fim de ano e apostem que a pandemia vai mudar as coisas e que voltaremos a agir com mais empatia e sentido de comunidade.

Quem sabe a esperança de Gabeira, a quem sempre leio, apostando que a politica, depois de ter nos afastado, possa novamente nos aproximar. Ele lembra que já fomos mais gentis uns com os outros, mesmo divergindo, como na época das Diretas.

Minha hipótese é que a política continuará a nos separar. A lógica da tribo, da reação imediata e baixa empatia veio pra ficar. Ninguém tem a chave para desligar a geringonça na qual estamos todos enredados.

Nossa melhor chance é fugir da querela política. Podemos experimentar isso nos encontros de hoje à noite. Fugir da postura do sujeito que um dia me disse que iria "perdoar" seu irmão por apoiar o político que ele detestava. Presunção tola. Vale muito mais um abraço e a descoberta de coisas interessantes que todos temos em comum. E elas não são poucas, podem acreditar.

Fernando Schüler

Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.