quarta-feira, 1 de julho de 2020

Ditadura privou uma geração inteira de educação política, Ruy Castro, FSP

Uma geração inteira impedida de representação, participação e educação política

Segundo o Datafolha, metade da população brasileira não sabe o que foi o AI-5, nem quem o decretou, quando, onde e por que. A mesma metade ouviu falar de uma "guerrilha", mas não tem ideia das circunstâncias que a levaram a acontecer e do que gerou de violência e atingiu até quem, dos dois lados, não tinha nada a ver. E mais dessa metade não conhece a expressão "milagre brasileiro", nem sabe que, por trás do festival de obras da ditadura —usinas, estradas, pontes, tudo gigantesco e inflado por bilhões em propaganda—, havia uma sensação geral de grossa corrupção. Corrupção essa que nem a censura à imprensa conseguia esconder.

Os que hoje acreditam que a ditadura foi uma maravilha ignoram que, por muitos dos 21 anos que ela durou, militares na ativa e de qualquer patente evitavam andar fardados na rua, para não se exporem a uma hostilidade muda. Por sorte, não tinham de andar muito, porque, naqueles 21 anos, não lhes faltavam carros oficiais, gabinetes refrigerados e sinecuras em recém-criadas estatais. Mas o carioca observava suas súbitas mudanças de endereço, da região do Maracanã, onde tradicionalmente moravam, para os bairros à beira-mar.

O povo percebia as trapaças do regime para simular legalidade, como os atos que instituíram o voto indireto, a nomeação de senadores e governadores e a constante mudança nas regras do jogo a favor do partido do poder, a Arena. Na primeira oportunidade que lhe deram para votar, em 1973, o povo aplicou-lhe memorável tunda, elegendo uma esmagadora maioria de deputados da oposição consentida, o MDB.

Em 1º de abril de 1964, muitos brasileiros tinham, como eu, 16 anos. Só iríamos votar para presidente da República em 1989, aos 41. Uma geração inteira foi privada de educação política.

Foi também privada de opinião, representação e participação. Enfim, foi uma privada.

Bolsonaro com militares no 26º Batalhão de Infantaria de Paraquedistas - Marcos Correa/PR
Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

Hélio Schwartsman A pandemia pode gerar uma onda pró-sistema?, FSP

Em períodos de crise as pessoas reduzem seu apetite pelo aventureirismo

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Qual o efeito da pandemia sobre os humores do eleitorado? A julgar por sinais que vão pipocando aqui e ali, não é absurdo esperar um refluxo da onda antissistema que, nos últimos anos, varreu várias democracias, levando à eleição de líderes populistas de direita.

E quais são esses sinais? Na Polônia, o presidente nacionalista Andrzej Duda, que esperava uma reeleição tranquila, ficou aquém dos 50% e terá de enfrentar um segundo turno contra o liberal Rafal Trzaskowski. A não vitória de Duda representa uma derrota para o PiS, o partido que vem esticando a corda da democracia polonesa.

Nos EUA, pesquisas de intenção de voto pintam um quadro cada vez mais difícil para a reeleição de Donald Trump, que, antes da pandemia, era visto como candidato com grande chance de permanecer mais quatro anos no cargo.

Aqui no Brasil, a aprovação ao governo de Jair Bolsonaro segue estável em níveis baixos (32%), mas o que chama mesmo a atenção, como mostrou o Datafolha, é o apoio inédito dos eleitores à democracia (75%) e a outros marcos civilizacionais, como a rejeição à tortura.

É preciso cautela ao tentar inferir tendências políticas com alcance global, em especial quando se utilizam dados cheios de ruído, como resultados eleitorais discretos e pesquisas de opinião. Ainda assim, creio ser possível vislumbrar a formação de uma onda mais pró-institucional.

É normal que, durante períodos de crise, quando a incerteza aumenta muito, as pessoas reduzam seu apetite pelo aventureirismo e recorram ao que já funcionou no passado, sejam partidos políticos, seja o saber técnico. É alvissareiro, nesse sentido, o forte aumento do prestígio de especialistas constatado pelo Datafolha. Em 2014, apenas 13% dos brasileiros achavam que técnicos deveriam ser ouvidos pelo governo antes de decisões importantes. Agora são 42%.

É claro que é possível que tudo isso não passe de "wishful thinking".

Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".