segunda-feira, 30 de setembro de 2019

A crise da Lava Jato, Celso Rocha de Barros. FSP

Já está claro que Bolsonaro não tem o mais remoto interesse em brigar pela operação

A semana passada foi muito ruim para a Lava Jato, começando com a derrota, de efeitos práticos incertos, no STF (Supremo Tribunal Federal), passando por novas denúncias da Vaza Jato e culminando no episódio grotesco em que o ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, declarou que quase matou Gilmar Mendes a tiros. O ex-senador tucano Aloysio Nunes declarou que a operação manipulou o Supremo durante o processo de impeachment. Enquanto escrevo, ouço que a força-tarefa da Lava Jato lançou a campanha "Lula mais ou menos livre", e pediu sua mudança para o regime semiaberto. Especula-se que seja uma estratégia para evitar a anulação da sentença contra o ex-presidente. 
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Justiça, Sergio Moro, em cerimônia - Pedro Ladeira/Folhapress
Se tudo isso tivesse acontecido em 2015, o país estaria em convulsão. O auge do lavajatismo passou quando Dilma caiu, mas houve um novo surto de entusiasmo com a eleição de Bolsonaro e a nomeação de Moro para o Ministério da Justiça.
Vou morrer sem entender por que, em algum momento, o Brasil achou que Jair Bolsonaro estava preocupado em combater a corrupção. O atual presidente da República sempre foi um político do baixo clero, nunca teve qualquer participação nas investigações de corrupção no Congresso (alguém se lembra dele se destacando em qualquer CPI?), foi um dos articuladores da campanha de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara e apoiava Picciani no Rio de Janeiro. Em algum ponto de nossa loucura recente, achamos que esse sujeito era o Batman. 
A esta altura, já está claro que Bolsonaro não tem o mais remoto interesse em brigar pela Lava Jato. Sua família é envolvida no esquema Queiroz, ele mesmo talvez também seja, e Moro seria um adversário forte na eleição de 2022.
Mas o aparelhamento bolsonarista dos órgãos de controle não é o que de mais grave faz o presidente da República contra o combate à corrupção no Brasil. O xeque-mate contra a operação foi a captura das manifestações de rua pelo autoritarismo bolsonarista. Muita gente que gostaria de protestar contra a decisão do STF não quer ir em uma passeata com os caras que defendem o fechamento do tribunal e a implantação de uma ditadura de extrema direita.
E a esta altura não é mais possível duvidar de que é isso que o bolsonarismo quer. Quando Janot declarou que pensara em matar Gilmar Mendes, a deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP) postou que entendia as razões de Janot. Apagou o post depois, mas a mensagem já circulava: no submundo do crime virtual bolsonarista, as insinuações de que Janot deveria ter matado Gilmar correram soltas.
Nesse quadro, a relação de forças na briga entre lavajatismo e sistema político virou. Ficou difícil convocar manifestações, e a imprensa tem bem menos entusiasmo pela coisa toda desde que Moro passou a fingir que não vê a guerra bolsonarista contra a imprensa livre.
Resta torcer para que os políticos sejam melhores, bom, políticos que os membros da força-tarefa. Se aproveitarem o momento para enterrar de vez o combate à corrupção no Brasil, cometerão um erro grave que pode ter consequências fatais na próxima vez que a relação de forças virar (sempre vira). Se forem inteligentes, vão começar a discutir um legado para a Lava Jato que inclua menos condenações espetaculares e mais leis que combatam a corrupção no longo prazo. 
Celso Rocha de Barros
Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

domingo, 29 de setembro de 2019

Produtores de laranja do Brasil entram na Justiça inglesa contra maiores fabricantes de suco do mundo, FSP


Cutrale, Citrosuco e Dreyfuss podem ter que pagar US$ 3 bi por prática de cartel


Bruna Narcizo
SÃO PAULO
Produtores de laranja no Brasil ingressaram com uma ação internacional contra as três maiores indústrias de suco por formação de cartel sobre o preço de compra da fruta.
Atualmente, a indústria exportadora nacional é composta por três grandes companhias: Cutrale, Citrosuco e Louis Dreyfus. O grupo é representado desde 2009 pela associação CitrusBR.

Colheita da laranja no interior de SP; há duas décadas o setor reclama de cartelização da indústria 
Colheita da laranja no interior de SP; há duas décadas o setor reclama de cartelização da indústria  - Márcia Ribeiro/Folhapress
O Brasil é o maior exportador global de laranja e as três empresas detêm 50% da produção da fruta, processam 90% do suco e dominam 80% do mercado nacional.
A expectativa da Associtrus (Associação Brasileira de Citricultores), que está coordenando o caso, é que a indenização possa chegar a US$ 3 bilhões (R$ 12 bilhões). O processo já teve a adesão de cerca de 180 produtores.
Segundo o presidente da associação, Flávio Viegas, o produtor brasileiro recebe em torno de R$ 20 por caixa da laranja. Ele compara com o valor pago aos americanos, que recebem R$ 60 pela venda de frutas com a mesma qualidade e quantidade.
O preço baixo que vem sendo praticado no mercado nacional, afirma Viegas, foi um dos principais motivos para a diminuição drástica no número de produtores no país. Segundo ele, dois terços dos produtores de laranja deixaram de plantar a fruta em 20 anos. “No final da década de 1990 havia perto de 30 mil, hoje são cerca de 7 mil.”
A discussão sobre a formação de cartel não é de agora. A Associtrus já havia feito denúncias sobre o mesmo tema, no Brasil, em 1992, 1994 e 1999.
Em 2017, a Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) chegou a abrir uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) de Cartelização da Citricultura. O relatório feito pelos deputados na época apontou “indícios de insistência do cartel” por parte da indústria processadora e produtora de suco entre 2006 e 2016. 
“São Paulo é o maior produtor mundial de laranja, em um modelo cada vez mais verticalizado e centralizado. O grande desafio do setor é continuar a crescer, distribuindo renda e emprego para o produtor rural”, afirma o deputado estadual Marco Vinholi (PSDB-SP), que foi o relator da CPI na Alesp. 
No ano passado, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) encerrou três processos que foram abertos em 1999. Após a decisão do Cade, os deputados paulistas também encerraram a CPI.
Segundo comunicado divulgado pelo Cade na época, “as partes reconheceram a participação nas condutas investigadas, se comprometeram a cessar a prática, a colaborar com as investigações e a pagar contribuição pecuniária calculada com base no valor total das aquisições de laranjas de terceiros no ano de 1998 (atualizado pela Selic). Ao total, R$ 301 milhões foram recolhidos ao Fundo de Direitos Difusos”.
Para Viegas, o valor da indenização não é o correto, pois teria levado em consideração apenas um ano de prática de cartel. Segundo ele, há indícios de que as empresas estão controlando os preços do setor há décadas.
As provas, no entanto, só vieram após as empresas admitirem ao Cade as condutas anticoncorrenciais.
“O dano desse cartel aumentou depois que as empresas estabeleceram seus próprios pomares [que corresponde a cerca de 50%]. E isso só foi possível graças ao dinheiro que acumularam pelo subfaturamento das exportações após anos de controle abusivo dos preços”, diz Viegas.
A ação foi protocolada nesta sexta-feira (27) no poder judiciário do Reino Unido. Entre os autores estão vários líderes do setor.
“Resolvemos acionar os tribunais internacionais porque a Justiça no Brasil é muito lenta. Tem um grupo de produtores que entrou com uma ação em 2005 e o processo ainda está na primeira instância até hoje”, diz Viegas.
Segundo ele, ainda há prazo para outros produtores prejudicados à época aderirem à ação proposta. Além da Associtrus, a Faesp (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo também apoia a causa.
A CitrusBR, que representa as empresas, não respondeu aos contatos até a conclusão desta edição.