quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Desembargador Manoel Pereira Calças é eleito presidente do TJ-SP, Conjur

NOVA DIREÇÃO


O desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, novo presidente do TJ-SP.Jorge Rosenberg
O desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças foi eleito presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, após receber 213 votos de seus pares no segundo turno da votação. Ele comandará a corte pelos próximos dois anos.
O desembargador Ademir de Carvalho Benedito ficou em segundo lugar e recebeu 124 votos. As eleições ocorreram nesta quarta-feira (6/12) no Palácio da Justiça, no centro de São Paulo.
Pereira Calças disputou os votos dos 359 desembargadores da corte e precisou de dois turnos para se eleger. No primeiro, obteve 175 votos, contra 93 de Ademir Benedito e 76 de Eros Piceli. Ao todo, 12 urnas eletrônicas foram instaladas na sede do tribunal.
Atual corregedor-geral da Justiça, Pereira Calças cumprimentou os adversários pela campanha — que classificou como "de alto nível", com elegância e cortesia. "A partir de agora não há mais  adversários, todos têm um mesmo ideal, que é o lema do Paulo Dimas [Mascaretti, atual presidente do TJ-SP]: todos juntos pela melhoria da corte", declarou.
Desembargadores eleitos para a nova cúpula do Judiciário paulista no biênio 2018-2019.
Klaus Silva Pinto
"Nossa instituição é sagrada e deve ser respeitada seguindo suas prerrogativas constitucionais que tem por escopo fortalecer o exercício da atividade jurisdicional", afirmou o presidente eleito, que prometeu um projeto de dinamismo, valorização, eficiência e capacitação de servidores.
Como nas últimas três eleições no TJ-SP, não foram os desembargadores mais antigos que se candidataram ao comando do tribunal. Manoel Pereira Calças, atual corregedor-geral, está na 38ª posição; o atual vice-presidente, Ademir de Carvalho Benedito, encontra-se em 17º lugar na lista de antiguidade; e Eros Piceli, integrante da 33ª Câmara de Direito Privado, ocupa a 27ª posição. A atual regra seguida pela corte chegou a ser questionada por um dos desembargadores mais antigos, mas o pleito foi assegurado pelo ministro Edson Fachin, do STF.
Perfil
Manoel Pereira Calças nasceu em Lins, no interior de São Paulo. Graduou-se em Direito em 1972 pela ITE Bauru. Tem ainda mestrado (2000) e doutorado (2002) em Direito Comercial pela PUC-SP. Em 2017, completou 67 anos — 41 deles como juiz.
Esta foi a segunda vez que Pereira Calças concorreu a um cargo na direção do TJ-SP. Em 2015, foi escolhido corregedor em uma das mais disputadas eleições para a cadeira, com seis candidatos. Em segundo turno, obteve o voto de 182 colegas. Disputou o cargo com o desembargador Ricardo Mair Anafe, que na ocasião recebeu 146 votos.
Conheça as ideias do presidente, publicadas em entrevista à ConJur antes da eleição.
Vice-presidência
O desembargador Artur Marques da Silva Filho foi eleito vice-presidente, também em segundo turno, em disputa com Renato de Salles Abreu Filho. A diferença foi de três votos: 169 a 166. Houve quatro votos nulos, o que poderia ter alterado o resultado do pleito. Em primeiro turno, outros quatro desembargadores também haviam concorrido.
“Fiz um estudo das propostas dos três candidatos à Presidência e procurei manter certo equilíbrio em relação às propostas que eles formularam. O presidente acabou de me afiançar que eu serei mais do que um vice: serei um coadjutor. Vamos trabalhar em conjunto pelo melhor do Tribunal”, disse Silva Filho.
Natural de Sertanópolis (PR), o desembargador tem 71 anos e está na magistratura há 40 anos. Presidiu a Seção de Direito Privado no biênio 2014-2015. Atualmente, compõe a 35ª Câmara de Direito Privado.
Corregedoria-Geral da Justiça
A eleição para Corregedor-Geral da Justiça também foi decidida em segundo turno, e quem venceu foi Geraldo Francisco Pinheiro Franco, com 174 votos. O desembargador Fernando Antônio Maia da Cunha ficou com 162 votos, em segundo lugar. Foram registrados um voto em branco e dois nulos.
“Minha preocupação é dar meios para que os juízes, junto com a presidência, possam exercer a judicatura com tranquilidade. Em contrapartida, o que se exige é o que se exige de todos nós: comprometimento, tranquilidade nas relações profissionais e aperfeiçoamento para que possamos fornecer uma atividade jurisdicional de excelência”, disse o corregedor eleito.
Ele planeja criar meios para juízes se aproximarem da Corregedoria e apresentarem seus problemas no dia a dia. Pinheiro Franco foi presidente da Seção Criminal entre 2014 e 2015. É juiz desde 1981, passou pelo Tacrim (2001) e está no TJ -SP desde 2005, sempre atuando na 5ª Câmara Criminal.
A magistratura está na presente na família: o pai, Nelson Pinheiro Franco (morto em 2001), comandou o tribunal entre 1984 e 1987. Seu irmão, Antonio Celso Pinheiro Franco, é desembargador aposentado do TJ-SP.
Presidências da Seções
Apenas um voto de diferença definiu o nome do futuro presidente da Seção de Direito Privado. A eleição, mesmo com dois candidatos, também precisou de dois turnos para um deles alcançar a maioria absoluta de 96 votos.
Gastão Toledo de Campos Mello Filho foi o escolhido, com 87 votos, perdendo a disputa o desembargador Heraldo de Oliveira Silva, com 86. O pleito teve um voto branco.
Já nas Seções de Direito Criminal e Público, as candidaturas foram únicas e eleitas ainda durante a manhã. Fernando Torres Garcia foi escolhido para presidir a Seção Criminal. “Minha primeira proposta foi de unir a Seção Criminal, e de fato isso aconteceu com a eleição, pelo fato de eu ser o único candidato. Hoje, a Seção Criminal está pacificada, unificada e pronta para qualquer novidade que venha a surgir no âmbito da Justiça criminal de São Paulo”, afirmou.
Fernando Torres Garcia formou-se pela USP em 1982. Dois anos depois, entrou para a magistratura. Fez carreira em varas criminais e de família. Atua no tribunal desde 2008. Integra a 14ª Câmara de Direito Criminal, onde é o mais antigo integrante — apesar da pouca idade, 58 anos.
No Direito Público, o eleito foi Getúlio Evaristo dos Santos Neto. Assumir a presidência da seção era um objetivo antigo do desembargador. Ele afirma que não pretende fazer grandes mudanças. “A Seção precisa ser mantida como está. Está muito bem. Vem de gestão de grandes amigos, que conseguiram manter um padrão de qualidade na prestação jurisdicional. Faço votos de ter ânimo e disposição para manter esse dinamismo”, declarou.
Evaristo dos Santos é natural de São Paulo, formou-se na USP em 1973 e entrou para a magistratura três anos depois. No segundo grau, passou em 1990 pelo 1º TAC, em 1993 pelo Tacrim e chegou em 2002 ao TJ-SP. É membro nato do Órgão Especial desde agosto de 2013.
Escola Paulista da Magistratura
Para a EPM, foi eleita a chapa única encabeçada pelo desembargador Francisco Eduardo Loureiro, que recebeu 347 votos, com 20 votos em branco e 12 nulos. A principal proposta apresentada é transmitir a distância cursos da escola, para facilitar a formação e aperfeiçoamento dos juízes que não podem deixar suas varas e comarcas. 
“É fazer um trabalho de inclusão de juízes na escola”, afirmou Loureiro, após a eleição. “A grande tarefa da escola hoje é compatibilizar o trabalho imenso que tem nas suas varas com cursos de reciclagem. Essa é o grande desafio”, complementou. 
Confira abaixo a lista do eleitos:
Presidência:
Manoel de Queiroz Pereira Calças
Vice-Presidência:
Artur Marques da Silva Filho
Corregedoria-Geral da Justiça:
Geraldo Francisco Pinheiro Franco
Presidência da Seção de Direito Criminal:
Fernando Antonio Torres Garcia
Presidência da Seção de Direito Privado:
Gastão Toledo de Campos Mello Filho
Presidência da Seção de Direito Público:
Getúlio Evaristo dos Santos Neto
Direção da Escola Paulista da Magistratura:
Diretoria: Francisco Eduardo Loureiro
Vice-diretoria: Luís Francisco Aguilar Cortez
Conselho consultivo e de programas
Seção de Direito Privado: Tasso Duarte de Melo e Milton Paulo de Carvalho Filho
Seção de Direito Público: Aroldo Mendes Viotti e Eduardo Cortez de Freitas Gouvêa
Seção de Direito Criminal: Francisco José Galvão Bruno e Hermann Herschander
Juiz de entrância final: Gilson Delgado Miranda
* Texto atualizado às 18h15 do dia 6/12/2107 para acréscimo de informações.

TJ-SP marca cerimônia de posse do novo presidente para dia 5 de fevereiro, Conjur

NOVA TEMPORADA


O desembargador Manoel Pereira Calças assumirá oficialmente o comando do Tribunal de Justiça de São Paulo no dia 5 de fevereiro, em cerimônia de abertura do ano judiciário, no Palácio da Justiça. O evento está marcado para as 10h30, no Salão dos Passos Perdidos.
Desembargadores eleitos para a nova cúpula do Judiciário paulista no biênio 2018-2019.
Klaus Silva Pinto
Ao lado do novo presidente, tomarão posse o vice, desembargador Artur Marques da Silva Filho, e os demais integrantes do Conselho Superior da Magistratura eleitos para o biênio 2018-2019.
Compõem a cúpula os desembargadores Geraldo Francisco Pinheiro Franco (corregedor-geral da Justiça), Gastão Toledo de Campos Mello Filho (presidente da Seção de Direito Privado), Getúlio Evaristo dos Santos Neto (presidente da Seção de Direito Público) e Fernando Antonio Torres Garcia (presidente da Seção de Direito Criminal).
Clique aqui para saber
mais sobre o TJ-SP,
no Anuário da Justiça
São Paulo
.
Pereira Calças era corregedor-geral da Justiça na última gestão e completou 67 anos em 2017 — 41 deles como juiz. Natural de Lins, no interior de São Paulo, graduou-se em Direito em 1972 pela ITE Bauru. Tem mestrado (2000) e doutorado (2002) em Direito Comercial pela PUC-SP.
Revista Consultor Jurídico, 9 de janeiro de 2018, 19h34

Na prática, ministros do STF agridem a democracia, escreve Conrado Hübner Mendes, professor da USP



RESUMO Professor de direito constitucional da USP faz duras críticas ao STF. Afirma que a corte, numa espiral de autodegradação, passou de poder moderador a poder tensionador, que multiplica incertezas e acirra conflitos. Explicações para isso se encontram na atuação dos ministros e no desarranjo de ritos e procedimentos.
Por Conrado Hübner Mendes, na Folha/Ilustríssima
O Supremo Tribunal Federal é protagonista de uma democracia em desencanto. Os lances mais sintomáticos da recente degeneração da política brasileira passam por ali. A corte está em dívida com muitas perguntas, novas e velhas, e vale lembrar algumas delas antes que os tribunais voltem do descanso anual nos próximos dias.
Se Delcídio do Amaral (PT-MS), Eduardo Cunha (MDB-RJ), Renan Calheiros (MDB-AL) e Aécio Neves (PSDB-MG) detinham as mesmas prerrogativas parlamentares, por que, diante das evidências de crime, receberam tratamento diverso?
Se houve desvio de finalidade no ato da presidente Dilma Rousseff (PT) em nomear Lula (PT) como ministro, por que não teria havido o mesmo na conversão, pelo presidente Michel Temer (MDB), de Moreira Franco (MDB) em ministro?
Se o STF autorizou a prisão após condenação em segunda instância, por que ministros continuam a conceder habeas corpus contra a orientação do plenário, como se o precedente não existisse?
Se a restrição ao foro privilegiado já tem oito votos favoráveis, pode um ministro pedir vista sob alegação de que o Congresso se manifestará a respeito? Pode ignorar o prazo para devolução do processo?
Se lá chegam tantos casos centrais da agenda do país, como pode um magistrado, sozinho, manipular a pauta pública ao seu sabor (por meio de pedidos de vista, de liminares engavetadas etc.)?
Se o auxílio-moradia para juízes, criado em 2014, custa ao país mais de R$ 1 bilhão por ano, como pôde um ministro impedir que o plenário se manifestasse até aqui? Se a criminalização do porte de drogas responde por grande parte do encarceramento em massa brasileiro, como pode um pedido de vista interromper, por anos, um caso que atenuaria o colapso humanitário das prisões?
Se um ministro afirma que Ricardo Lewandowski “não passa na prova dos 9 do jardim de infância do direito constitucional”, que Luís Roberto Barroso tem moral “muito baixinha”, que Marco Aurélio é “velhaco”, que Luiz Fux inventou o “AI-5 do Judiciário”, que Rodrigo Janot é “delinquente” e que Deltan Dallagnol é “cretino absoluto”, e além disso tem amigos espalhados entre o empresariado e a classe política julgados pelo STF, como expressará isenção nesses casos?
Se a Lei Orgânica da Magistratura proíbe juízes de se manifestarem sobre casos da pauta, como podem ministros antecipar posições a todo momento nos jornais?
A lista de perguntas poderia seguir, mas já basta para notar o que importa: as respostas terão menos relação com o direito e com a Constituição do que com inclinações políticas, fidelidades corporativistas, afinidades afetivas e autointeresse.
O fio narrativo, portanto, pede a arte de um romancista, não a análise de um jurista. Ao se prestar a folhetim político, o STF abdica de seu papel constitucional e ataca o projeto de democracia.
CHOQUE DE REALIDADE
A separação de Poderes conferiu lugar peculiar ao Supremo. O Parlamento é eleito, o STF não. O parlamentar pode ser cobrado e punido por seus eleitores, os ministros do STF não. O presidente da República é eleito e costuma ser o primeiro alvo das ruas, os membros do STF estão longe disso. A corte suprema tem o poder de revogar decisões de representantes eleitos.
É um tribunal que se autorregula e não responde a ninguém. O que justifica tanto poder e a imunização contra canais democráticos de controle?
Há boas respostas teóricas para esse arranjo. Para alguns, a integridade constitucional depende de um órgão capaz de pairar acima dos conflitos partidários, praticar a imparcialidade e assumir o papel de poder moderador. Para outros, mais do que apenas moderar, caberia ao tribunal inspirar respeito por seus argumentos jurídicos, que tecem padrões decisórios e constroem jurisprudência.
A autoimagem construída pelo STF foi ainda mais longe. Apresentou-se como a última trincheira dos cidadãos, incumbido da missão de salvar a democracia de si mesma, domesticar maiorias, amparar e incluir minorias.
No ápice da automistificação, o ministro Barroso imaginou a corte como “vanguarda iluminista que empurre a história” na direção do progresso moral e civilizatório (Vinicius Mota descreveu a ideia no dia 14/1).
A crise política e a erosão de direitos dos últimos anos trouxe ao Supremo a oportunidade (e o ônus) de atender a suas promessas. A resposta, porém, foi um choque de realidade.
O desarranjo procedimental cobrou seu preço. Despreparado para a magnitude do desafio, o tribunal reagiu da forma lotérica e volátil de sempre. A prática do STF ridiculariza aquele autorretrato heroico, frustra as mais modestas expectativas e corrói sua pretensão de legitimidade.
Por não conseguir encarnar o papel de árbitro, o tribunal tornou-se partícipe da crise. Já não é mais visto como aplicador equidistante do direito, mas como adversário ou parceiro de atores políticos diversos. Desse caminho é difícil voltar.
Atado a uma espiral de autodegradação, o poder moderador converteu-se em poder tensionador, que multiplica incertezas e acirra conflitos. O ator que deveria apagar incêndios fez-se incendiário. Não foi vítima da conjuntura, mas da própria inépcia. A vanguarda iluminista na aspiração descobriu-se vanguarda ilusionista na ação (e na inação).

A síntese do desgoverno procedimental do STF está em duas regras não escritas: quando um não quer, 11 não decidem; quando um quer, decide sozinho por liminar e sujeita o tribunal ao seu juízo de oportunidade. Praticam obstrução passiva no primeiro caso, e obstrução ativa no segundo.

ILUSIONISMO
Como opera esse poder tensionador? Para decifrar a vanguarda ilusionista, precisamos olhar para além do resultado de cada decisão (se prende ou solta, se anula ou valida). Deve-se prestar mais atenção ao procedimento que gerou tal resultado e ao argumento que o justifica. É no procedimento e no argumento que mora o ilusionismo.
A síntese do desgoverno procedimental do STF está em duas regras não escritas: quando um não quer, 11 não decidem; quando um quer, decide sozinho por liminar e sujeita o tribunal ao seu juízo de oportunidade. Praticam obstrução passiva no primeiro caso, e obstrução ativa no segundo.
A contradição entre as duas regras é só aparente, pois a arte do ilusionismo permite sua coexistência. Manda a lógica do “cada um por si”, nas palavras de editorial da Folha (24/12).
O argumento constitucional do Supremo já não vale o quanto pesa e tornou-se embrulho opaco para escolhas de ocasião. Basta olhar com lupa as incoerências na fundamentação de casos juridicamente semelhantes que recebem decisão diversa.
A expressão “jurisprudência do STF” sobrevive como licença poética, pois perdeu capacidade de descrever ou nortear a prática decisória do tribunal. Perdeu dignidade conceitual e até mesmo retórica.
No âmbito da esfera pública, o ilusionismo serve para desviar a atenção, responder o que não se perguntou, jogar fumaça na controvérsia e confundir o interlocutor.
O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, é praticante rotineiro dessa técnica. Publicou nesta Folha (17/1) artigo em defesa do habeas corpus (HC). Invoca o direito abstrato à liberdade, do qual ninguém discordará, e se desvia das críticas contra suas decisões recentes.
As críticas às quais Mendes reage nunca miraram o HC em si, mas as evidências de suspeição para julgar, de forma monocrática, pessoas do seu círculo pessoal e político. O ministro se apresenta como defensor da liberdade, mas suas decisões passam a impressão de ser defensor dos amigos. Para dissipar essa impressão, basta que se declare suspeito —o que se recusa a fazer.
Manha ilusionista: discursar sobre o ideal revolucionário da liberdade e silenciar sobre a liberdade concedida a amigos indiciados.
O ilusionismo, nas suas faces procedimental e argumentativa, retira das decisões do STF o selo de integridade institucional.
Por essa razão, tem sido pouco útil aos advogados e analistas da corte perguntar se o texto da Constituição é lido de modo apropriado, se nossas categorias de análise dão conta da tarefa interpretativa e se o tribunal pratica ativismo ou deferência —questões nobres do debate constitucional.
Mais importante é conhecer a biografia do ministro e sua capacidade de atender a ética da imparcialidade, da responsabilidade e da colegialidade.
A ambição do Estado de Direito é produzir um “governo das leis, não dos homens”. Soa como slogan a serviço da distorção ideológica, mas o sentido da expressão não tem nada de esotérico.
A mensagem é mais modesta: não quer dizer que o aparato institucional de interpretação e aplicação das leis deva ser composto por sujeitos sobre-humanos, imunes a afetos e interesses, mas apenas que esses sujeitos devem ter compromisso ético para decidir com maior isenção e ponderação analítica, além de gozar de garantias contra a pressão da barganha política. Não requer muito mais que isso.
A prática do STF pede adaptação daquela máxima: a interpretação constitucional deve estar submetida ao “governo do Supremo, não dos ministros”. O tribunal, porém, tem sido governado pelo voluntarismo incontinente de seus membros. É muito poder individual de fato (e de legalidade duvidosa) para ser usado com tanta extravagância.
Como disse José Sarney, anos atrás, “um dos maiores desserviços ao país é desprestigiar o Supremo Tribunal Federal”. Esse desserviço ao STF vem sendo prestado pelos seus próprios membros. Isso traz consequências.
ARBÍTRIO
O tempo do STF é místico. A corte pode tomar uma decisão em 20 horas ou em 20 anos (como publicou Ivar Hartmann, neste mesmo caderno, em 28/5 de 2017). A duração de um caso não guarda nenhuma relação com sua complexidade jurídica, sua importância política ou o excesso de trabalho do tribunal —alegações usuais de ministros.
É fruto, sim, da idiossincrasia e do instinto de cada julgador. E, às vezes, de negociações nos bastidores palacianos e corporativos.
Ninguém melhor que o ex-deputado Eduardo Cunha para iluminar o problema. Quando afastado de seu mandato pelo STF em 2016, ironizou com a pergunta cínica que muitos se fizeram: “Se havia urgência, por que levou seis meses?” Em outras palavras: por que agora?
Uma ótima questão, que poderia ser aplicada a muitos casos (por exemplo, o pacote natalino de liminares, todas monocráticas e abruptas, tomadas no apagar das luzes de 2017, antes de o Judiciário sair de férias).
Lewandowski, presidente da corte em 2016, desconversou: “O tempo do Judiciário não é o tempo da política e nem é o tempo da mídia. Temos ritos, procedimentos e prazos que devemos observar”.
A resposta é mais um artefato ilusionista. Quando diz que o tempo do Judiciário não é o tempo da política nem o da mídia, recorre a um árido lugar-comum para se esquivar do que se queria saber. A resposta também ignora a inteligência empírica que vem sendo construída ao longo dos último anos sobre o STF por um crescente grupo de estudiosos da corte.
A definição arbitrária do seu tempo decisório é mais uma faculdade que o Supremo conferiu a si mesmo e não explicou a ninguém, um dos poderes mais antidemocráticos que um tribunal pode ter.
INSEGURANÇA
Pede-se a tribunais que produzam segurança jurídica e previsibilidade. Esse fim costuma ser entendido apenas como demanda de conteúdo: que pudéssemos estimar, com algum grau de certeza, à luz das decisões passadas da corte, o que decidirá em casos semelhantes no futuro.
Não é um objetivo possível de realizar por completo, pois muitos casos, apesar de sua similaridade de superfície, suscitam variações interpretativas genuínas.
Ainda que frustre expectativas, é desejável que a jurisprudência tenha um grau de elasticidade. Mas existe uma faceta mais básica da segurança jurídica: a expectativa de que tomará uma decisão em tempo razoável ou sabido. Trata-se de previsibilidade de segunda ordem.
O STF, no entanto, não só tirou a credibilidade da noção de jurisprudência como também nos sonega a possibilidade de saber quando uma decisão será tomada. Em certos casos, não estamos seguros sequer de que haverá decisão, qualquer que ela seja.
Se o STF passasse a observar, de modo criterioso e transparente, “ritos, procedimentos e prazos”, como quis Lewandowski, já seria um gesto quase revolucionário.
Entretanto, a loteria de agenda, somada ao seu oceano de casos, prejudica a construção de uma esfera pública constitucional, de um espaço em que debates democráticos possam se desenvolver, que atores interessados possam mobilizar energia e recursos para participar. Esperam apenas que seus argumentos sejam respondidos e uma decisão seja tomada em tempo publicamente justificado.
Vale a pena observar outras cortes no mundo. Ainda que a comparação tenha limites, pois cada tribunal tem seu próprio desenho, volume de casos e contexto, mostraria, por exemplo, que a discricionariedade com o tempo não é exclusividade do Supremo.
Nem todo tribunal tem a disciplina com o tempo que possuem a Suprema Corte dos Estados Unidos ou a Corte Constitucional da África do Sul. Como ambas decidem poucas dezenas de casos por ano, a tarefa fica menos difícil.
Se olharmos para as cortes espanhola ou mexicana, alemã ou argentina, indiana ou chilena, veremos um mapa muito plural de gestão do procedimento, com problemas particulares. Em nenhuma delas, porém, se consegue encontrar tamanha libertinagem de obstrução individual de ministros.

Que tenhamos perdido a reverência pelo STF é um ganho de maturidade política. Que estejamos perdendo o respeito é um perigo que o tribunal criou para si mesmo.

PERDA DO RESPEITO
Um bom observador do comportamento judicial aprende depressa que “cortes não fazem o que dizem e nem dizem o que fazem”. Pelo menos parte do tempo.
Essa máxima é ainda mais certeira quando aplicada a um tribunal de cúpula, que precisa administrar dinamites da democracia. A crônica constitucional só perde a inocência quando está apta a detectar a dissonância entre as palavras e os atos de instituição ainda tão obscura quanto o Judiciário.
Um bom observador do Supremo Tribunal Federal também aprende que o Supremo Tribunal Federal não existe. Pelo menos na maior parte do tempo.
Tornou-se um tribunal de 11 bocas e 11 canetas dotadas de poder para, sozinhas, tomar decisões (ou não decisões) que geram efeitos irreversíveis. A crônica constitucional brasileira vem captando essa lição à medida que a cacofonia do STF fica mais escancarada, e seus custos sociais, mais palpáveis.
O tribunal foi capturado por ministros que superestimam sua capacidade de serem levados a sério e subestimam a fragilidade da corte.
Decidem (ou deixam de decidir) o que querem, quando querem, sozinhos ou em plenário; falam o que querem e quando querem, não só nos autos e nas sessões públicas de julgamento mas também nos microfones de jornalistas.
Ausentam-se das sessões do tribunal sob pretextos pouco contestados (um congresso acadêmico ou casamento de amigo no exterior, uma honraria oferecida por câmara de vereadores de município remoto, a irritação com voto de colega etc.).
Administram terrivelmente a dimensão simbólica (fonte de autoridade) e deixam esvair a dimensão material do poder do tribunal (a capacidade de ser obedecido). Um STF sem capital político pode ser desobedecido sem custos.
Que tenhamos perdido a reverência pelo STF é um ganho de maturidade política. Que estejamos perdendo o respeito é um perigo que o tribunal criou para si mesmo.
Maquiavel sugeriu, em “O Príncipe”, que um governante não deve buscar ser amado, mas respeitado. Se não for respeitado, que ao menos não seja desprezado, sentimento político mais nocivo. Um governante torna-se desprezível quando é “inconstante, leviano, irresoluto”.
O conselho serve para as instituições democráticas, sobretudo tribunais constitucionais. O STF precisa de anti-heróis, não do contrário. Sua sobrevivência como instituição relevante tem a ver com isso.
Às vésperas dos 30 anos da Constituição de 1988, temos um tribunal constitucional desencontrado. O STF promete mais do que deve, entrega menos do que pode, disfarça o tanto quanto consegue.
Habituou-se à prática do ilusionismo e dela faz pouco caso. Criou uma espécie de zona franca da Constituição, onde reina a discricionariedade de conjuntura e aonde o Estado de Direito não chega.
E não chega por obra dos próprios ministros e ministras, que não promoveram um único aperfeiçoamento digno de nota na última década: nem na forma, nem no conteúdo; nem nos ritos, nem na ética institucional.
Não sabem conjugar a primeira pessoa do plural. Mediocrizaram a tarefa de interpretação constitucional e a própria instituição, cujo status se evapora. Com ele vai a esperança de efetividade da Constituição, a mais avançada que já tivemos.
*
CONRADO HÜBNER MENDES, 40, doutor em direito pela Universidade de Edimburgo e doutor em ciência política pela USP, é professor de direito constitucional da USP e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt.
JOÃO MONTANARO, 21, é quadrinista.