terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Os nomes das pessoas, Leandro Karnal, O Estado de S.Paulo



Nunca encontrei alguém chamado Lúcifer, ainda que tenha topado de quando em vez com indivíduos com seu comportamento







31 Dezembro 2017 | 02h00
Sem a corrida de hoje em São Paulo, o papa que lhe empresta o nome seria bem mais obscuro para o grande público. Silvestre I é o pontífice da transição para uma igreja triunfante sob o imperador Constantino. Governando entre 314 e 335, ordenou a construção de obras monumentais que começaram a redesenhar a paisagem romana. No seu governo, ocorreu o Concílio de Niceia (325), para o qual enviou representantes. Naquele encontro, princípios basilares como a divindade de Cristo foram definidos. Um novo papa para um novo momento: foi tornado santo sem ser mártir. 
O dia 31 de dezembro assinala o enterro de Silvestre na catacumba de Priscila, na Via Salária. Na Itália, a refeição de ano-novo é chamada de “cena di San Silvestro” em homenagem ao prelado que, segundo a tradição medieval, teria curado Constantino de lepra. 
Silvestre encerra o ano e amanhã ocorre a festa do Santíssimo Nome de Jesus. Como todo menino judeu, Jesus sofreu circuncisão e recebeu um nome no oitavo dia do nascimento. A tradição estabeleceu a data (desconhecida do Evangelho) de 25 de dezembro para a natividade. Oito dias depois, deu-se a Brit Milah do filho de Maria. A partir de 1º de janeiro, Jesus tem um nome próprio, algo muito significativo na tradição do povo do Livro. Só para lembrar, seu primo João, para receber um nome que não constava da tradição familiar, necessitou da intervenção de um anjo e da mudez do pai Zacarias. 
Nomes são fundamentais na Bíblia. Carregam significados como o do primogênito de Abraão, Ismael, que contém a ideia de que Deus ouviu ao chamado do fiel. A intervenção divina muda o nome das pessoas: Saulo para Paulo, por exemplo. Papas assumiram nome distinto do que tinham recebido no batizado para ocupar o cargo. Quem pensaria no papa Pio XII como Eugênio ou João Paulo II como Karol? O bom papa João XXIII teria a fama idêntica se o nome Ângelo tivesse sido mantido? Alguém pensa no atual papa a não ser como Francisco? Ele nunca foi Jorge Mário! Certamente tinha o rosto de Francisco desde 17 de dezembro 1936, seu nascimento.
Coisa curiosa: os nomes tradicionais da Bíblia (como Davi, Salomão, Isaac e outros) multiplicam-se na comunidade judaica. Jesus tornou-se barreira poderosa e o nome desapareceu da tradição dos hebreus. 
A ficha corrida de alguns colabora para exaltar ou destruir um nome. Lúcifer quer dizer “portador da luz”, solene e bela etimologia. A rebeldia do arcanjo arrastou para a lama sua luminescência. Nunca encontrei alguém chamado Lúcifer, ainda que tenha topado de quando em vez com indivíduos com seu comportamento. 
Origem dos nomes é um bom tópico para conversa inicial, ao menos superior ao tema meteorológico. Brinco com isso quando pergunto a toda Cláudia se manca, aos Filipes se amam cavalos e a qualquer Rafael se sente que Deus o cura. Para comprovar como o nome é tudo, lembro que o meu faz composição greco-latina com o significado de “homem leão”, haja vista a juba que ostento. Todo Teófilo amaria Deus? 
A tradução dos nomes é outro caso digno de nota. Uma das que mais parecem fugir de nossa compreensão imediata é a dos dois apóstolos Tiago dos Evangelhos, que viram Jacques em francês ou James em inglês. Quando nos lembramos que (T)Iago vem de Jacó, fica mais fácil entender a miscelânea. Em português, Diogo tem a mesma etimologia. Há também os apelidos que fogem da compreensão de alguém que não é nativo, como chamar William (Guilherme) de Bill no mundo anglófono ou José de Pepe em espanhol. Da mesma forma, que brasileiro adivinharia que todo Pancho é, originalmente, um Francisco? Efeito reverso: tente explicar aos de língua castelhana como derivamos do mesmo nome o apelido Chico. 
Para quem vai gerar vida nova em 2018, ouçam o conselho de um velho professor. Nomes com letra A serão os primeiros da chamada, momento de certa balbúrdia na sala. Nomes com Z terão de prestar atenção a dezenas de outros antes de ouvirem o som libertador do seu. Denominações que implicam soletrar, explicar a presença de uma letra dobrada, um acento exótico ou um Y engastado à força em alguma sílaba terão o destino de repetir as indicações todos os dias até o túmulo, com o risco de terem seu onomástico inscrito errado na lápide. Nomes com muitas sílabas geram apelidos. Nomes que rimam com coisas jocosas são uma sina. Cuidado!
Combinar a denominação do pai e da mãe raramente resulta em beleza sonora. Os que optam por nomes da moda devem pensar: a onda passa, o seriado acaba, a novela desaparece, mas o nome de seu rebento, não. Iniciais com a mesma letra ou sons similares para os filhos mostram que os pais não pensam neles individualmente, porém em uma sequência industrial. 
Não existe um ideal, todavia nomes eufônicos, curtos, sem acento ou letras dobradas, e sem necessitarem de bula explicativa tendem a causar menos incômodo aos proprietários. Sempre: menos criatividade na escolha tende a tornar o futuro adulto mais satisfeito e sem ódio mortal ao impulso dos pais. 
Por fim, questão menor: a geração do século 21 será mais internacional do que a nossa. Muitos circularão entre várias línguas e culturas. Belos nomes com nossa sílaba “ão”, impronunciável em todos os idiomas, causarão um pequeno obstáculo social ao portador. Há poucas chances de o português ser a língua dominante do atual milênio. Sem perder a identidade da língua materna, é interessante levar em conta a possibilidade de algo possível em outros passaportes.
Enfim, bom ano-novo para todas as pessoas de todos os nomes. Nome é importante, porém não é tudo. Silvestre passou para a história mesmo sendo Silvestre. Sempre teremos esperança. Feliz 2018!

‘O Facebook não foi desenhado para priorizar a verdade’, LInk , OESP


Estado: Hoje, os algoritmos são como caixas pretas. Essa falta de transparência prejudica a sociedade?
Cathy O'Neil: Os algoritmos têm sido usados para separar vencedores de perdedores. Embora esse método venha sendo mostrado como novo e inteligente, ele acontece do jeito antigo, considerando variáveis como gênero, classe, bairro, deficiência, status de relacionamento. Se isso acontecesse uma vez, já seria decepcionante. Mas isso está acontecendo múltiplas vezes com cada um de nós. Conforme o tempo passa, os vencedores se tornam cada vez mais sortudos, e os perdedores, cada vez mais azarados. Se uma pessoa é pobre, negra ou mulher, ela tem muito menos chances de ser considerada uma vencedora pelos sistemas. Isso acontece o tempo todo, em todo o lugar, acelerando a discriminação e aumentando a desigualdade.
Quando a sra. decidiu se dedicar a alertar as pessoas sobre esses efeitos nocivos?
Eu pedi demissão do meu emprego quando descobri que universidades populares colocaram em seu alvo pobres, negros e mães solteiras. Essas instituições tentavam convencê-los a entrar em turmas de ensino à distância de baixa qualidade. Eu percebi que, além de essas pessoas já terem pouco acesso a diversos serviços pelo nível inferior de educação, somente educação de baixa qualidade era oferecida a elas. Isso vem da crença de que essas pessoas podem ser enganadas.
Trata-se de um problema técnico dos algoritmos ou de uma questão social?
Eu definitivamente acredito que trata-se de um problema mais social do que técnico. Os algoritmos que tomam decisões que afetam uma grande quantidade de pessoas são quase como “leis secretas”. Nos EUA, por exemplo, eles são usados por juízes para determinar a pena de um condenado. Os programas tentam prever a probabilidade de uma pessoa voltar para a prisão, mas não foram treinados para identificar se os direitos civis dela estão sendo violados. Uma investigação recente daProPublica mostrou que negros tinham o dobro de chances de receber uma pena longa incorretamente, quando esse algoritmo era usado. Ou seja, existem pessoas sendo punidas injustamente.
Grandes empresas de tecnologia afirmam tomar precauções para que seus algoritmos não tomem decisões enviesadas. Isso tem sido suficiente?
Acho que o Facebook é um grande exemplo de como isso não está funcionando bem. A definição de sucesso para eles se resume a manter as pessoas muito tempo conectadas, clicando em anúncios. Assim, a empresa ganha dinheiro. Mas o algoritmo do Facebook não foi desenhado para priorizar a verdade e argumentos discordantes. O resultado disso nós vemos com o advento das notícias e propagandas falsas, com a perda da noção da verdade na sociedade, com as pessoas desvalorizando o que realmente é informação e vivendo em suas próprias bolhas. E isso tudo está acontecendo simplesmente porque o algoritmo do Facebook foi otimizado para o lucro, não para a verdade. E tudo o que a empresa vem fazendo para corrigir isso não está funcionando. E não vai funcionar até que a essência de sua definição de sucesso mude.
Com o avanço da inteligência artificial, os algoritmos estão ficando mais sofisticados. Os problemas tendem a piorar?
Com certeza. Acho que ainda não vimos os piores efeitos do uso de algoritmos. A indústria de tecnologia é muito jovem. Pense na fabricação dos primeiros carros: eles não tinham cinto de segurança, não tinham airbags. Quanto mais carros chegavam às ruas, mais pessoas morriam por causa deles. Só depois surgiram testes e padrões de segurança. Ainda hoje, os carros não são perfeitos, mas há um entendimento de que são perigosos. Ainda não temos esse mesmo conceito de perigo em relação aos algoritmos. É difícil ver as falhas que eles cometem, porque as empresas mantêm segredo. É preciso criar instituições que possam monitorar esses desvios, então poderemos criar padrões de segurança para os algoritmos. 

Previdência, quatro soluções e um funeral - ALEXANDRE SCHWARTSMAN, FSP


FOLHA DE SP - 27/12

Há quatro soluções simples para a questão previdenciária no Brasil, as quais —como toda solução simples para um problema complexo estão inapelavelmente erradas.

Começo pela sugestão de transição do atual regime de repartição (em que a geração ativa transfere compulsoriamente recursos para a geração inativa sob a forma de contribuições) para um regime de capitalização (em que a geração ativa poupa recursos para usá-los durante sua própria aposentadoria).

Poderíamos, talvez, ter feito essa transição tempos atrás, quando a geração ativa era muito maior do que a inativa, mas esse bonde já passou. Considerando apenas o INSS, o pagamento de benefícios previdenciários chega a 8,5% do PIB, enquanto as contribuições atingem 5,7% do PIB.

Caso abríssemos mão das contribuições, mesmo que parcialmente, a falta de recursos para o pagamento dos benefícios se tornaria ainda maior, acelerando o endividamento público, precisamente o oposto do que precisamos.

Outra solução simples e errada é a ideia que a cobrança da dívida ativa (o número mágico é R$ 500 bilhões) resolveria o deficit do sistema.

Mesmo se deixarmos de lado que grande parte dessa dívida se refere a empresas falidas (e à cobrança de juros sobre elas), noto que os benefícios previdenciários do INSS se encontram na casa de R$ 550 bilhões/ano, ou seja, no improvável cenário de recuperação completa desse valor, ele não cobriria um ano do gasto e menos de três anos do deficit do INSS.

Na mesma linha, ainda se insiste na questão da aposentadoria dos políticos.

Em primeiro lugar, há 20 anos que políticos não mais se aposentam com apenas oito anos de mandato e a partir de 50 anos (ainda bem!), mas só depois de 35 anos de contribuição com idade mínima de 60 anos.

Em segundo lugar, mesmo que parássemos de pagar aos que se aposentaram sob regras diferentes, o valor é ínfimo perto do gasto previdenciário no país.

Em terceiro, a proposta de reforma unifica as regras para todos, inclusive políticos.

A quarta sugestão se refere à Desvinculação dos Recursos da União, a chamada DRU, que, segundo alguns, se extinta, eliminaria o deficit da Previdência.

À parte a DRU não incidir sobre as contribuições previdenciárias, não faz a menor diferença direcionarmos mais recursos à Previdência, uma vez que, com DRU ou sem DRU, todos os aposentados sob a responsabilidade do governo federal ainda recebem em dia seus proventos (já no caso dos Estados, nem sempre é assim), pois o dinheiro de outros tributos garante, por ora, tais pagamentos.

Por outro lado, revogar a DRU em nada ajuda a conter o crescimento dos gastos, resultantes da combinação de demografia e privilégios.

Já o funeral é o da lógica.

Em coluna publicada na sexta-feira (21), Nelson Barbosa aponta Portugal como um país que fez o ajuste fiscal sem "austericídio", presumivelmente em oposição ao que se tenta fazer no Brasil.

Como de hábito, faltou a Barbosa olhar os números: entre 2010 e 2016 o deficit público em Portugal caiu de 11,2% do PIB para 2,0% do PIB, com corte de despesas no período pouco inferior a 7% do PIB.

No Brasil, em contraste, propõe-se uma redução de 2,0-3,0% do PIB do deficit primário no mesmo horizonte, mas aqui, por alguma razão, esse ajuste muito mais gradual é considerado "austericídio".

Descanse em paz.